quarta-feira, 6 de abril de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 22 - ELEIÇÕES NA EUROPA

Dom Casmurro e os Ecos das Eleições Francesas

Por Vagner Gomes de Souza

 

Poucos romances de Machado de Assis receberam tamanhas análises quanto Dom Casmurro e o tema do ciúme num universo de ascensão do que o historiador Eric Hobsbawm chamou de A Era do Capital. O Brasil em seus primeiros anos de consolidação do Segundo Reinado sob a narração de uma personagem que aos poucos deixou de ser um “Bentinho” para adquirir a alcunha que dá título à obra. Como os políticos que se envelhecem em décadas de democratização e ficam em busca de um eixo político ao Centro.

Provavelmente poucos ousariam a perceber  nessa perspectiva  a mudança do personagem como a também a transformação do papel do indivíduo na História. Simplesmente porque as análises de conjuntura política eleitoral se acumulam das tabelas de pesquisas de opinião e suas inúmeras segmentações. Entretanto, ainda poderíamos seguir a “velha cartilha” de tentar fazer uma análise a partir da conjuntura internacional diante dos impactos das transformações do capitalismo num momento de necessário debate sobre a questão da energia.

Há referências sobre essa questão de tamanha magnitude nas memórias de pouco lido e compreendido livro A Terra Prometida de Barack Obama em relação as tratativas sobre os acordos do Clima com os países do BRICS. O não tratamento desse tema de forma programática se expõe tanto nas interpretações anacrônicas sobra o imperialismo como fase superior e derradeira da globalização diante da Guerra da Ucrânia.

As sandices seriam poucas se estivessem limitadas apenas ao nosso país com esse vazio de debate programático sobre o papel da PETROBRÁS nesses tempos de crise energética. A oposição fica a tudo olhar bestializada com um pires na mão, porém a situação é muito mais ampla conforme nos sugerem as eleições europeias recentes. Se deixar tudo sem uma opinião, uma surpresa desagradável poderá ocorrer onde muitos do campo democrático pouco estão a observar que seria a ocupação de políticos reacionários no Senado da República (que tem prerrogativas que podem limitar muitas indicações do futuro Executivo).

Enquanto Volodymyr Zelensky vive tempos de “popstar” com discursos no Grammy e legislativos europeus alinhados ao “ocidentalismo”, o mundo real expõe como a União Europeia se deixou cair na ilusão de se transformar numa Casa Verde com lideranças políticas a ouvir um Simão Bacamarte de tamanha complexidade. Então, as eleições na Sérvia e  Hungria reacendem mais uma vez a premissa que o conservadorismo sempre ganha terreno em momentos de medo e incertezas. Essa é a sombra das chamas de Kiev nas cabeças dos eleitores que precisam de Gás para sobreviver. Tanto Aleksandar Vucic (Sérvia)[1] quanto Viktor Órban (Hungria) tiveram vitórias consagradoras na faixa de 60% dos votos conquistando um Parlamento dócil para suas medidas iliberais.


Então, as eleições presidenciais na França no próximo domingo (primeiro turno) já ganharam uma nova dimensão diante do posicionamento de Emmanuel Macron sobre a crise ambiental e o debate energético na Europa em tempos dessa desumana Guerra. Mais uma vez, se desenha uma polarização entre as forças do “Centro” político e a direitista Marine Le Pen que defende um lugar de fala para os franceses como crítica a União Europeia. Aos poucos, a candidatura do Reagrupamento Nacional ameaça até a vencer no Primeiro Turno, algo que não se imaginava há 30 dias, o que demonstra que nenhuma eleição é vencida por desejos nas redes sociais e que sirva de alerta para os ativistas brasileiros.

Entretanto, a grande pergunta é a ausência de uma Unidade Democrática que seja construída pela Esquerda francesa uma vez que Jean-Luc Mélenchon (Ex-Partido Socialista) aparentemente lembra sempre a traição dos Socialistas ao seu eleitorado. Sufragado pelos eleitores ressentidos, o candidato da França Insubmissa está sempre a denunciar que há um sistema traiçoeiro na União Europeia como se fosse a “Capitu”, mas nunca se abre a possibilidade de pontes programáticas que redimam essa imagem ciumenta. Uma candidatura que sempre atrapalhou uma necessária terceira via francesa, pois as “máquinas partidárias” sempre emperram diante os ecos da realidade.


[1] Ainda estamos no aguardo do resultado oficial em relação ao novo desenho do Legislativo da Sérvia, mas os primeiros números sugerem que os “Verdes” teriam assentos nele após meses de protestos ambientais sobre a exploração de Lítio.

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