segunda-feira, 7 de março de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 19 - SAÚDE EM DEBATE


Open Health - há quem compre essa ideia?

 

Tiago Martins Simões[1]

Desde janeiro de 2022 o Ministro da saúde, Marcelo Queiroga, vem defendendo o “Open Health” para o sistema de saúde suplementar brasileiro. Em artigo publicado pela Folha de São Paulo, em 5 de março deste ano, detalha um pouco mais do seu projeto, expondo nele o ideário de Paulo Guedes: mais mercado, menos Estado, menos público. Nada se discute, por exemplo, sobre a regulamentação da saúde suplementar, cujos problemas foram precisamente colocados por Maria Lucia Werneck Vianna em seu A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil de 1998. Este livro está de pé, basta ver os inúmeros problemas envolvendo os planos de saúde na pandemia e anteriormente - bem como o atualíssimo processo de venda da operadora Amil, sendo um dos seus mais recentes capítulos.

É curioso tudo isso. Guedes se gaba por sua formação econômica nos Estados Unidos da América (EUA), mas a rota que ele cria junto ao Ministro Queiroga, ao traçar um paralelo de política bancária (a sempre recordada criticamente pelo Paulo Freire) com política sanitária, sequer encontra respaldo naquele país. Se a hipótese de que o artigo foi pensado por Guedes não é verdadeira, o problema continua o mesmo, tendo em vista a recente missão do ministro da saúde aos EUA. Ninguém pode alegar falta de conhecimento.

Com esse incrível projeto pensado (será?) por essa qualificada equipe, a saúde suplementar dá mais um passo para o seu colapso. O primeiro monstro foi criar os planos de saúde nos níveis empresariais e de grupos - qualquer trabalhador que tenha passado por isso conhece a perversidade dessa lógica. Se seu grupo adoece, o seguro aumenta, ainda que os planos sequer possuam detalhamentos técnicos de seus reajustes. Agora querem incluir os dados financeiros para agradar ainda mais o mercado. Para quem não teve a oportunidade de ler o artigo de Queiroga, é merecida a transcrição da joia da coroa:

Já os dados financeiros, em sintonia com o que ocorre no Banco Central com o open banking, trarão uma espécie de cadastro positivo da saúde. De forma anônima, as operadoras poderão ver os perfis dos usuários, sua assiduidade financeira, que tipos de cobertura têm e quais as características dos seus contratos e quanto pagam”. (Queiroga, Marcelo. ´Open health´ é questão de tempo, coragem e decisão. Folha de São Paulo, 5 de março de 2022.).

 Esqueceu-se de comentar que, junto com o cadastro positivo, vem o cadastro negativo: quanto menos saúde (física, emocional, financeira), pior será sua situação no mercado. Não é preciso ir muito longe para associar essa situação às inúmeras crises de hoje, aprofundadas pela pandemia.

Com tudo isso, será difícil compreender se até mesmo conservadores venha a votar nesta pauta. Pior ainda os liberais desavisados que cogitam votar, pois sequer seus interesses estarão contemplados, naquela vã esperança de que a saúde suplementar supriria as insuficiências do nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Quem acredita ainda na fantasia das virtudes do mercado? Fora os exemplos elencados aqui, as Organizações Sociais criadas em 1998 dispensam comentários. A Lei 13.019 de 2014 (parcerias com as Organizações da Sociedade Civil), não está recebendo o devido cuidado.

Por fim, o agradecimento do insuspeito Boris Johnson quando saiu do hospital do Serviço Nacional de Saúde (National Health Service - NHS, na sigla em inglês) pela recuperação diante do coronavírus, o atual governo brasileiro, com tudo isso, “esquece” que nossa virtude é o nosso SUS (primo do NHS), mesmo com todas as suas carências. Neste ano, a sociedade precisa ter clareza disso.


[1] Fisioterapeuta, professor do Município do Rio de Janeiro, doutor em História pelo CPDOC - FGV.

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