segunda-feira, 28 de março de 2022

SÉRIE ESTUDOS - A peça O Alienista da Cia de Teatro EPIGENIA


A Dialética e a peça “O Alienista”

Por Vagner Gomes de Souza

 

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários.”

Heráclito

 

Livremente inspirado na obra de Machado de Assis, a peça “O Alienista” está nos palcos do Rio de Janeiro até 10 de abril[1]. A Companhia de Teatro EPIGENIA transformou o texto pelas mãos de Celso Taddei e Gustavo Passo (Diretor da Peça) muito além de uma simples proposta de modernização da linguagem do conto machadiano para esses dias de pandemia e outras loucuras. Assim como, o HQ Batman Noel refundou o conto Um Conto de Natal do escritor Charles Dickens. Portanto, vá ao Teatro aberto para perceber que a essência das ideias pode persistir e mudar muitas coisas da realidade numa perspectiva sugerida por Heráclito já na Grécia antiga.

O mundo nos expõe a cada dia uma diversidade de posturas de ampla insanidade e, muitas vezes, nos questionamos como diversas pessoas se permitem a acompanhar essas ideias? Na peça, a ganância e a manipulação da fé até numa crença de um “cientificismo oxidoduoquadrosistêmico” expõe o quanto o mundo político estaria aprisionado num contexto de insanidade em reflexo a um possível estágio de anomia da sociedade. As “bancadas da Bíblia” se reúnem para votar verbas públicas num legislativo em “troca de favores”. A livre inspiração da peça se antecipou as recentes denúncias de possíveis “tráfico de influência” no Ministério da Educação que, junto com a Cultura, é um dos segmentos que mais regrediu a atual gestão do Governo Federal.

 

A regressão se faz presente no desenvolvimento da peça, pois Itaguaí de Metrópole vai caindo até a condição de simples vilarejo. E, aos poucos, Simão Bacamarte vai assumindo uma postura centralizadora e autoritária uma vez que suas iniciativas eram respaldadas por um meio político semelhante ao “Centrão”. Rupturas se observam ao longo da peça, mas perceberemos a mensagem que não se pode deixar a “Caixa de Pandora” do autoritarismo aberta em tempos de ressentimentos sociais.

Os desrespeitos a Ciência como método de reflexão e desenvolvimento da crítica associados aos regressos em tantos setores sociais exigem que a plateia busque mudar. E passa tudo por começar a desenvolver uma postura mais incisiva na formação de um debate por um programa que valorize a República e a Democracia. Por exemplo, quais seriam os critérios que justificariam a volta de um Ministério da Cultura em nosso país? Precisamos ter essa resposta na ponta da língua com argumentos que demonstrem possibilidades de realizações culturais que gerem emprego e inserção da juventude (ainda ausente do debate político pré-eleitoral) em atividades que valorizem a leitura e a interpretação.

Todo tipo de fundamentalismo se aproxima da loucura. A peça coloca esse ponto de forma tênue apesar de ampliar a temática também para a questão feminina. Alguma coisa se sugere que Dom Casmurro seria uma possível continuação nessa saga machadiana da Epigenia. Lembremos que Machado de Assis fez sucesso recentemente nos EUA com a reedição de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Entretanto, a essência da ironia da política dos textos de do “Bruxo de Cosme Velho” não pode se perder em fraturas da sociedade.



[1] A peça está na Grande Sala da Cidade das Artes. Texto: Celso Taddei e Gustavo Paso. Direção e Cenário: Gustavo Paso. Dias 16 e 17 de abril estará no SESC PALLADIUM em Belo Horizonte.

7 comentários:

Aparições Literárias - André Miranda disse...

Muito bom, Vagner!

Adoro o Alienista e desdobramentos inspirados...

Unknown disse...

É exatamente como ocorre hoje

Bia e Vinnicius disse...

Excelente 👏👏👏👏
Exatamente o que ocorre na atualidade pq certas coisas não dependem da passagem do tempo mas sim do ser humano que pouco se transforma. Os "Simões Bacamartes" da política estão aí, sempre estiveram e os fundamentalistas a nós apontar o "caminho a seguir" rs rs.
Resumiu em um ato!!

Sandrinha Neves disse...

Absolutamente formidável.

José Bezerra de Oliveira disse...

Parabéns, Vagner!

Unknown disse...

Parabéns,ficou incrível.

Unknown disse...

👏👏👏