Dom
Casmurro e os Ecos das Eleições Francesas
Por Vagner Gomes
de Souza
Poucos romances de
Machado de Assis receberam tamanhas análises quanto Dom Casmurro e o tema do ciúme num universo de ascensão do que o
historiador Eric Hobsbawm chamou de A Era
do Capital. O Brasil em seus primeiros anos de consolidação do Segundo
Reinado sob a narração de uma personagem que aos poucos deixou de ser um
“Bentinho” para adquirir a alcunha que dá título à obra. Como os políticos que
se envelhecem em décadas de democratização e ficam em busca de um eixo político
ao Centro.
Provavelmente poucos
ousariam a perceber nessa
perspectiva a mudança do personagem como
a também a transformação do papel do indivíduo na História. Simplesmente porque
as análises de conjuntura política eleitoral se acumulam das tabelas de
pesquisas de opinião e suas inúmeras segmentações. Entretanto, ainda poderíamos
seguir a “velha cartilha” de tentar fazer uma análise a partir da conjuntura
internacional diante dos impactos das transformações do capitalismo num momento
de necessário debate sobre a questão da energia.
Há referências sobre
essa questão de tamanha magnitude nas memórias de pouco lido e compreendido
livro A Terra Prometida de Barack
Obama em relação as tratativas sobre os acordos do Clima com os países do
BRICS. O não tratamento desse tema de forma programática se expõe tanto nas
interpretações anacrônicas sobra o imperialismo como fase superior e derradeira
da globalização diante da Guerra da Ucrânia.
As sandices seriam
poucas se estivessem limitadas apenas ao nosso país com esse vazio de debate
programático sobre o papel da PETROBRÁS nesses tempos de crise energética. A
oposição fica a tudo olhar bestializada com um pires na mão, porém a situação é
muito mais ampla conforme nos sugerem as eleições europeias recentes. Se deixar
tudo sem uma opinião, uma surpresa desagradável poderá ocorrer onde muitos do
campo democrático pouco estão a observar que seria a ocupação de políticos
reacionários no Senado da República (que tem prerrogativas que podem limitar
muitas indicações do futuro Executivo).
Enquanto Volodymyr
Zelensky vive tempos de “popstar” com discursos no Grammy e legislativos
europeus alinhados ao “ocidentalismo”, o mundo real expõe como a União Europeia
se deixou cair na ilusão de se transformar numa Casa Verde com lideranças
políticas a ouvir um Simão Bacamarte de tamanha complexidade. Então, as
eleições na Sérvia e Hungria reacendem
mais uma vez a premissa que o conservadorismo sempre ganha terreno em momentos
de medo e incertezas. Essa é a sombra das chamas de Kiev nas cabeças dos
eleitores que precisam de Gás para sobreviver. Tanto Aleksandar Vucic (Sérvia)[1]
quanto Viktor Órban (Hungria) tiveram vitórias consagradoras na faixa de 60%
dos votos conquistando um Parlamento dócil para suas medidas iliberais.
Então, as eleições
presidenciais na França no próximo domingo (primeiro turno) já ganharam uma
nova dimensão diante do posicionamento de Emmanuel Macron sobre a crise
ambiental e o debate energético na Europa em tempos dessa desumana Guerra. Mais
uma vez, se desenha uma polarização entre as forças do “Centro” político e a
direitista Marine Le Pen que defende um lugar de fala para os franceses como
crítica a União Europeia. Aos poucos, a candidatura do Reagrupamento Nacional
ameaça até a vencer no Primeiro Turno, algo que não se imaginava há 30 dias, o
que demonstra que nenhuma eleição é vencida por desejos nas redes sociais e que
sirva de alerta para os ativistas brasileiros.
Entretanto, a grande
pergunta é a ausência de uma Unidade Democrática que seja construída pela
Esquerda francesa uma vez que Jean-Luc Mélenchon (Ex-Partido Socialista)
aparentemente lembra sempre a traição dos Socialistas ao seu eleitorado.
Sufragado pelos eleitores ressentidos, o candidato da França Insubmissa está
sempre a denunciar que há um sistema traiçoeiro na União Europeia como se fosse
a “Capitu”, mas nunca se abre a possibilidade de pontes programáticas que
redimam essa imagem ciumenta. Uma candidatura que sempre atrapalhou uma
necessária terceira via francesa, pois as “máquinas partidárias” sempre
emperram diante os ecos da realidade.
[1]
Ainda estamos no aguardo do resultado oficial em relação ao novo desenho do
Legislativo da Sérvia, mas os primeiros números sugerem que os “Verdes” teriam
assentos nele após meses de protestos ambientais sobre a exploração de Lítio.