segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 9 - O FILME EDUARDO E MÔNICA

 

A Transição em Renato Manfredini Júnior[1]

Por Vagner Gomes de Souza

 

Quem um dia irá dizer que não existe transição nas músicas que feitas pelo coração. No filme Eduardo e Mônica de René Sampaio é mais um exemplo de releitura da música homônima de Renato Russo. E quem me irá dizer que não existe a transição. O filme foi realizado em 2018. Seria lançado em 2020 e a pandemia o adiou para ocupar as salas de cinemas desde 20 de janeiro num momento em que muitos artistas se encontram sem uma atividade.

René Sampaio busca abrir os olhos do público, mas a democracia precisa se levantar. Tudo começou em 2013, com Faroeste Cabloco[2], como se fosse possível interpretação da relação da crise da República com a sociedade brasileira. Uma vez que o deslocamento do social das instituições políticas permitiu muito disso. Vieram as legiões de manifestações em junho não resolvidas no debate eleitoral de 2014. O duelo final de “Santo Cristo” muito bem poderia ser a polarização entre o “moderno” e o “atraso”.

O Diretor faz seus filmes, mas nem sempre as concretiza como muito bem deseja, pois o roteiro da transição é um “fio condutor” nas composições “Faroeste Caboclo” (1979 – lançado em 1987) e “Eduardo e Mônica” (1986). Então, o filme não é uma simples comédia romântica por mais que a história nascida num encontro casual numa festa estranha possa nos sugerir. O encontro de um casal como se fosse a tentativa de um encontro de gerações num país fragmentado pelo amplo mosaico de identidades.

Alice Braga (Cidade de Deus, O Esquadrão Suicida) interpreta uma Mônica muito mais “velha” que a que perceberíamos na letra original da canção. Provavelmente porque as referências “cult” dos anos 80 sejam mais distantes do entendimento dos jovens da atualidade (ausentes das salas de cinema para essa modalidade de filme). Jovens que estariam deitados a olhar as horas passar. Enfrentam um momento estranho de gente esquisita no Planalto Central, mas ficam distantes ainda dos valores republicanos.

Gabriel Leone (Dom, e a novela Um Lugar ao Sol) faz parte dessa juventude que se sustenta na birita. Ele é o jovem que só pensa em ir para casa seja Vila Militar, Ceilândia, Campo Grande ou Itaguaí. Um jovem que está sempre a se ferrar. Muito distante dos envelhecidos jovens “maoístas” que assistiram a película Marighella, Eduardo é um jovem de um mundo real em plena destruição da educação com os cursinhos de Pré-Vestibular (a pré-História do Novo Ensino Médio) que tentava a Mônica impressionar.

Esse desafio por um diálogo entre gerações para a construção de uma longa transição se faz na troca de telefones da canção que assume uma cena poética no filme. Eduardo sugeriu comer carne para a vegetariana. E Mônica sugeriu assistir um filme da nouvelle vague para um jovem que nem cursava Eletiva sobre Cinema. Então, decidiram se reencontrar no Parque da Cidade diante dos azulejos de Athos Bulcão (também relembrado no filme na cena dos relevos do Teatro Nacional de Brasília).

A dialética entre contrários precisaria de uma síntese que somente se daria pela transição como coisas do coração. Pois, “Eduardo e Mônica era nada parecido/Ela era de Leão (signo de pessoas vaidosas em se ver até numa crítica de filme diriam os astrólogos) e ele tinha dezesseis”. E o Eduardo era de uma geração que ainda gostava de novela nos anos 80. Mônica falava para uma geração que se distanciava da política pelo individualismo no social. Uma fratura Estado e sociedade via mercado como herança da modernização conservadora de nosso país.

“E, mesmo com tudo diferente. Veio meio de repente. Uma vontade de se ver. E os dois se encontravam todo dia. E a vontade crescia. Como tinha de ser.” Essa é a inspiração da canção para os próximos passos da juventude nos tempos de transição e em todos os tempos. Uma vez que a “centro-esquerda” brasileira, que brigaram juntos muitas vezes depois da Constituição de 1988, se reencontra no filme diante dos desafios de colocar até chuchu num feijão com arroz.

Construir uma casa comum pela via da República e da Democracia é mais desafiador que exigir que o filme de René Sampaio seja mais uma retomada do cinema brasileiro que sempre vive suas fases. Uma batalha que vai além da grana diante de desafios do ensino brasileiro. Uma vez que se faz preciso atravessar essa barra mais pesada Uma vez que sem programa se vai para qualquer eleição sem direito a recuperação.




[1] Há trechos da letra da canção “Eduardo e Mônica” de Renato Russo.

[2] Em 2013, resenhamos o filme. Tenham acesso através desse link https://votopositivo-cg.blogspot.com/2013/06/faroeste-cabloco-o-filme-opiniao.html


6 comentários:

Unknown disse...

Triste realidade

Pablo De Las Torres disse...

Achei muito boa a abordagem na relação entre as transições. Sem programa pela República só nos resta o Faroeste Caboclo. E olha que quem fala isso é um Pablo...

José Bezerra de Oliveira disse...

Excelente análise do filme, dos momentos históricos, da música! Excelente texto! Parabéns!

Bia e Vinnicius disse...

Parabéns, mais uma vez.
A eterna dialética social, humanos!
O cabo de guerra eterno.

Malta Gabriel disse...

Filme muito atraente e desejado. Excelente obra!

Li Vi disse...

Parabéns pela análise da obra 👏👏👏👏