segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 8 - 30 anos do filme Perfume de Mulher

Resenha sobre a cegueira

Alessandra Loyola

 

No ano de 1992 o mundo se debruçou sobre um tema que se tornou uma agenda política coletiva da contemporaneidade e que, passados os anos, tornou-se mais exigente – o meio-ambiente e o desenvolvimento na ECO-92 sediada no Rio de Janeiro com tanques perfilados nas favelas cariocas, um cenário que se tornaria mais e mais agudo e problemático no Estado. Tão problemático foi o processo que conduziu ao primeiro impeachment da história do país cujo movimento foi o de se aprender a andar no caminhar. A convergência de uma pauta política na frente que reuniu PMDB de Orestes Quércia, o PT de Lula e o PSDB de Mário Covas foi inventiva para resolver o conflito do predatório modelo neoliberal que se instalara no Brasil a partir do governo Collor.

Ao meio disso, tão inventiva e engenhosa foi a adaptação do filme italiano Profumo di donna (1974) para as telas americanas como Perfume de Mulher, dirigido por  Martin Brest (Um tira da pesada) que ganhou o Globo de Ouro de melhor filme dramático e  concedeu a Al Pacino , um dos atores mais injustiçados da Academia de Hollywood o seu primeiro e até então, único Oscar de melhor ator.


O longa retrata de forma bastante interessante como um garoto do colegial que carrega apenas sua consciência e um militar aposentado, ranzinza e cego podem em um final de semana formar um lindo laço de companheirismo. O jovem Chris O'Donnell, interpretado por Charlie Simms (Batman e Robin,1997), está em busca de um emprego no dia de Ação de Graças para  conseguir dinheiro e assim poder passar o natal com sua família ; e encontra uma boa oportunidade quando uma família precisa de um acompanhante para um militar aposentado e cego o Tenente - Coronel Frank Slade, interpretado brilhantemente por Al Pacino (O Poderoso Chefão). No entanto, Chris é pego de surpresa quando Slade decide ir para Nova Iorque aproveitar o fim de semana e levá-lo junto, o menino só não sabe que na verdade a intenção do Coronel é tirar a própria vida após um trauma ocorrido no Vietnã (imaginemos os inúmeros Slades que surgiram nesse século tanto no Afeganistão quanto no Iraque).

Frank Slade é construído durante a narrativa do filme de maneira bastante emblemática. No início se apresenta como um homem extremamente mal humorado, depois nos é apresentada sua grande paixão, as mulheres; e como tem um olfato extremamente apurado quando se trata delas, capaz de descrever até mesmo características físicas a partir de uma simples fragrância.

Em contrapartida, temos no personagem de Chris O’Donnell, um menino simples e com uma honra e consciência que não o permitem ir contra aquilo que entende como sendo o certo. Ao aceitar o emprego o jovem não se deixa vencer pelo modo irredutível do cego Coronel; e após ver o mesmo montando sua arma no menor tempo possível e perceber quais poderiam ser as reais intenções dele, a tal da consciência de O’Donnell demonstra-se ainda mais firme em não abandonar Frank.


Após uma inesquecível dança de tango sob o som de Por uma cabaza, da parceria argentina-brasileira de Carlos Gardel com Alfredo Le Pera, excesso de bebidas, encontros noturnos e dirigir uma Ferrari pelas ruas de Nova Iorque, o Coronel decide que está na hora de encerrar o final de semana e também sua vida, porém o jovem encara  um embate de convencimento com o Coronel Slade, numa dança de tango psicológica onde os papéis de guia se alternam entre a experiência e a juventude.

Cabe ainda reparar que a crítica à época não percebeu que o filme confrontava a trágica história americana do pós-II Guerra no período do macarthismo – momento em que intelectuais, cientistas, professores foram inquiridos por uma comissão de senadores e investigados pelo FBI por suspeita de pertencerem ou terem pertencido ao partido comunista americano, o que à época era considerada uma atividade anti-americana, o que gerou prisões, deportações, autoexílios, suicídios e pena de morte. A cena onde aparece um saudoso Philip Seymour Hoffman (Capote) em seu primeiro papel não nos é estranha após a implantação da “colaboração premiada” regulamentada pelo governo Dilma em 2013.

Com bons personagens e uma narrativa cativante o longa do diretor  Martin Brest segue a encantar a quem quer que assista mesmo após 30 anos de lançamento. Perfume de Mulher é uma história sobre como pessoas improváveis são capazes de se conectar e alterar destinos e sobre como infelizes tragédias nem sempre prenunciam o fim de uma história.

3 comentários:

Bia e Vinnicius disse...

👏👏👏👏
Excelente resenha!
Uma leitura irretocável de um filme extraordinário.
Exatamente uma situação puramente humana onde as soluções são claras como água limpa mas poucos enxergam.
Parabéns!

Sandrinha Neves disse...

Impecável seu texto nos levando em memoria a linda e marcante história paixão, amizade, admiração.
Sensacional!

Li Vi disse...

👏👏👏 Muito bom o texto