Resenha sobre a cegueira
Alessandra Loyola
No ano de 1992 o mundo se debruçou sobre um tema que se tornou uma
agenda política coletiva da contemporaneidade e que, passados os anos,
tornou-se mais exigente – o meio-ambiente e o desenvolvimento na ECO-92 sediada
no Rio de Janeiro com tanques perfilados nas favelas cariocas, um cenário que
se tornaria mais e mais agudo e problemático no Estado. Tão problemático foi o
processo que conduziu ao primeiro impeachment da história do país cujo movimento
foi o de se aprender a andar no caminhar. A convergência de uma pauta política
na frente que reuniu PMDB de Orestes Quércia, o PT de Lula e o PSDB de Mário
Covas foi inventiva para resolver o conflito do predatório modelo neoliberal
que se instalara no Brasil a partir do governo Collor.
Ao meio disso, tão inventiva e engenhosa foi a adaptação do filme
italiano Profumo di donna (1974) para as telas americanas como Perfume de
Mulher, dirigido por Martin Brest (Um tira da pesada) que ganhou o Globo
de Ouro de melhor filme dramático e
concedeu a Al Pacino , um dos atores mais injustiçados da Academia de
Hollywood o seu primeiro e até então, único Oscar de melhor ator.
O longa retrata de forma
bastante interessante como um garoto do colegial que carrega apenas sua
consciência e um militar aposentado, ranzinza e cego podem em um final de
semana formar um lindo laço de companheirismo. O jovem Chris O'Donnell, interpretado por Charlie Simms (Batman e
Robin,1997), está em busca de um emprego no dia de Ação de Graças para conseguir dinheiro e assim poder passar o
natal com sua família ; e encontra uma boa
oportunidade quando uma família precisa de um acompanhante para um militar
aposentado e cego o Tenente - Coronel Frank Slade, interpretado brilhantemente
por Al Pacino (O Poderoso Chefão). No entanto, Chris é pego de surpresa quando
Slade decide ir para Nova Iorque aproveitar o fim de semana e levá-lo junto, o
menino só não sabe que na verdade a intenção do Coronel é tirar a própria vida
após um trauma ocorrido no Vietnã (imaginemos os inúmeros Slades que surgiram
nesse século tanto no Afeganistão quanto no Iraque).
Frank Slade é construído durante a narrativa do filme de maneira
bastante emblemática. No início se apresenta como um homem extremamente mal
humorado, depois nos é apresentada sua grande paixão, as mulheres; e como tem
um olfato extremamente apurado quando se trata delas, capaz de descrever até
mesmo características físicas a partir de uma simples fragrância.
Em contrapartida, temos no personagem de Chris O’Donnell, um
menino simples e com uma honra e consciência que não o permitem ir contra
aquilo que entende como sendo o certo. Ao aceitar o emprego o jovem não se
deixa vencer pelo modo irredutível do cego Coronel; e após ver o mesmo montando
sua arma no menor tempo possível e perceber quais poderiam ser as reais
intenções dele, a tal da consciência de O’Donnell demonstra-se ainda mais firme
em não abandonar Frank.
Após uma inesquecível dança de tango sob o som de Por uma cabaza, da parceria
argentina-brasileira de Carlos Gardel com Alfredo Le Pera, excesso de bebidas,
encontros noturnos e dirigir uma Ferrari pelas ruas de Nova Iorque, o Coronel
decide que está na hora de encerrar o final de semana e também sua vida, porém
o jovem encara um embate de
convencimento com o Coronel Slade, numa dança de tango psicológica onde os
papéis de guia se alternam entre a experiência e a juventude.
Cabe ainda reparar que a crítica à época não percebeu que o filme
confrontava a trágica história americana do pós-II Guerra no período do macarthismo
– momento em que intelectuais, cientistas, professores foram inquiridos
por uma comissão de senadores e investigados pelo FBI por suspeita de
pertencerem ou terem pertencido ao partido comunista americano, o que à época
era considerada uma atividade anti-americana, o que gerou prisões, deportações,
autoexílios, suicídios e pena de morte. A cena onde aparece um saudoso Philip
Seymour Hoffman (Capote) em seu primeiro papel não nos é estranha após a
implantação da “colaboração premiada” regulamentada pelo governo Dilma em 2013.
Com bons personagens e uma narrativa cativante o longa do
diretor Martin Brest segue a encantar a quem quer que assista
mesmo após 30 anos de lançamento. Perfume de
Mulher é uma história sobre como pessoas improváveis são capazes de se conectar
e alterar destinos e sobre como infelizes tragédias nem sempre prenunciam o fim
de uma história.