terça-feira, 4 de janeiro de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION/ NÚMERO 13 - PENSAR UM PROGRAMA


“Não Olhe para Cima” e a Casa Comum

 

Marcio Junior[1]

 

Em entrevista por conta do lançamento do filme O Lobo de Wall Street, produzido e protagonizado por Leonardo DiCaprio, Margot Robbie (que contracenou sendo a esposa do personagem de Leo) contou uma anedota engraçada: o tempo interminável que Leo falava sem parar sobre a questão ambiental, tema caro para o ator. Nas palavras de sua colega, em tom reclamão, "ele é muito nerd nisso". Talvez ele tenha falado demais ou algo do tipo e isso pode ter chateado a moça no set, mas, a despeito disso, ela tem razão no fato em si. Leo é aplicado em outras questões para além da atividade de ator.

Em 24 de maio de 2015, data da Solenidade de Pentecostes daquele ano, Francisco (que já recebeu Leo no Vaticano) publicou a encíclica Laudato Si[2] (Louvado Sejas), onde inicia citando o Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis, que intitula o texto[3]. Trata-se de uma discussão acerca de linhas de ação, e não só, para a proteção da Casa Comum. Foi, na prática, o documento com o qual a Igreja Católica entrou na discussão que resultou no Acordo de Paris, a COP21. Em um dos pontos, acentua que as estratégias de compra e venda de créditos de emissão de gases poluentes[4], se não viabilizadas e praticadas objetivamente, não seriam eficazes como ação de mitigação do efeito estufa. No Acordo de Paris[5], seu Artigo 6 propõe as balizas para essa tarefa e elas seriam de responsabilidade das partes, ou seja, dos países signatários e, consequentemente, dos seus governos.

Leonardo DiCaprio, que anos atrás personificou um desenhista pobre que morreu após o naufrágio de um navio a carvão em 1912, discursou em Glasgow, na COP26, em novembro do ano que terminou a pouco. Este evento marcou, entre muitas coisas, o consenso das partes sobre as balizas objetivas relacionadas ao mercado de carbono, construindo as regras e procedimentos acerca do Artigo 6 do Acordo de Paris[6].

Em 2020 a ConaREDD++[7] publicou suas três resoluções existentes até o momento. A Resolução Nº 3[8], em especial, reconhece um mercado voluntário de carbono florestal, porém é de tamanho mínimo, sem nem ao menos definir o que é isso. Em outras palavras, letra morta. O problema, a nosso ver, é maior do que parece: trata-se de problemas múltiplos, mas todos se voltam para a ausência de programa político.



Em Não Olhe para Cima (2021), de Adam McKay, Leonardo DiCaprio se transforma em Dr. Randall Mindy, astrônomo que, junto a Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), sua aluna e orientanda, precisam convencer o mundo de que o planeta Terra será atingido por um cometa e toda vida será extinta. A maioria, porém, não lhe dá ouvidos, inclusive a Presidente dos EUA, negacionista. A saída das personagens, então, é gritar a plenos pulmões ao mundo o perigo que todos correm. Sem política, no grito.

Entre nós, mesmo se fosse vontade daqueles que compõem o governo discutir seriamente e fazer coisas quanto a essa questão, haveria pessoas que dariam conta do recado, com espírito republicano e democrático para tal? Os estudiosos dessas questões não podem e não devem ajudar na preparação de um programa político para qualquer governo eleito em 2022, o que inclui a possibilidade de reeleição do governo que está em exercício agora? Trata-se de uma questão urgente para o mundo e não é bom, nem para nós nem pra ninguém, que peguemos o bonde andando. Não são as bravatas e a estupidez contra quem quer que seja que irão ajudar, mas sim uma política programática e inteligente. Ou será que estarmos em maus lençóis, principalmente educacionais, não seja algo de responsabilidade de todos e todas ou até mesmo daqueles que tem como atividade fazer ciência?

“Nada deste mundo nos é indiferente”. Escreveu Francisco.



[1] Professor do Instituto Devecchi. Mestre em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ.

[3]“Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”.

[4]Em síntese, o mercado de carbono consiste na agregação de um valor à quantidade emitida de gases do efeito estufa por um país, em forma de crédito. Caso este país não emitisse a quantidade de gases que lhe é permitido em determinado tempo, a diferença poderia ser vendida para outro país. Este mercado tem gênese na Rio 92, cuja cidade-sede é de onde escrevo este texto.

[7]A Comissão Nacional para REDD++, presidida pelo Ministério do Meio Ambiente e com vários Ministérios a integrando, foi criada em 2015 e implementado sob o Governo Temer, para coordenar os trabalhos de redução de emissões provenientes de degradação florestal, afim de atender os requisitos para receber os incentivos financeiros estabelecidos no Marco de Varsóvia para REDD++, resultante da COP19, de 2013.

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