sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 4


De Volta para a Casa Comum

Em memória de Desmond Tutu

Por Vagner Gomes de Souza

“14 Portanto, acontece com eles o que disse o profeta Isaías: 

“Vocês ouvirão mas, mesmo ouvindo,

    não conseguirão entender;

vocês olharão mas, mesmo olhando,

    não conseguirão ver.

15 Isto acontece, pois o coração deste povo está endurecido.

    Eles taparam os ouvidos e fecharam os olhos.

Se não fosse assim,

    eles poderiam ver com os olhos,

ouvir com os ouvidos

    e entender com o coração,

e se voltariam para mim

    e eu os curaria”.

Mateus 13. 14-15

 

 

Apesar de não ser um filme, a série A Sabedoria do Tempo, com o Papa Francisco – mais uma produção da NETFLIX – tem um grande méritos para que sua mensagem seja levada as multidões.  A ideia de fazer pessoas com mais de 70 anos serem ouvidas é como se fosse uma nova versão da fábula do semeador em que Jesus fazia uso desse método para “amolecer” os corações de seus ouvintes. Nesse caso, há uma produção gravada em meio a pandemia da COVID19 no qual os idosos sempre foram apresentados como aqueles que fizessem parte do “grupo de risco”. Entretanto, se o Planeta Terra é nossa Casa Comum, como nos ensina Jorge Mario Bergoglio, podemos reafirmar que todos nos encontramos vivendo um risco. Esse risco de sobrevivência precisa ser enfrentado com a aproximação da sabedoria do tempo para os mais jovens.

Superar um fosso entre as gerações é uma mensagem da série que está dividida em quatro episódios em que o Papa Francisco, autor do livro que inspirou a série Sabedoria das Idades, em breves respostas sobre Amor, Sonhos, Luta e Trabalho serve como o grande “conduttore” (maestro) de uma sinfonia reflexiva e política. Não se debate os motivos que levaram ao fosso geracional quanto a importância do diálogo com os mais idosos, mas apresentam vidas e sabedorias de algumas personalidades conhecidas ou nem tanta que fazem o espectador ter empatia nas pessoas e em seus exemplos.

Variadas são as situações e experiências apresentadas ao longo dessa série que já te encanta com a música de abertura de Valerio Vigliar, “Dali´s salvation (Everything´s Everywhere)”[1], compositor italiano que está gradualmente ganhando espaço em trilhas sonoras de alguns filmes. A música expressa a “alma” da série. Aliás, as novas gerações não estão muito atentas as músicas das trilhas sonoras nas produções cinematográficas, pois desejam ver ação sem ouvir. A série é para se voltar a ouvir os outros numa postura para ultrapassar o desafio das posturas autoritárias. Aprendemos sempre quando estamos dispostos a ouvir.

No primeiro episódio de tom em tom redescobrimos Martin Scorsese entre outros seres humanos fascinantes. Martin está é o único a aparecer em dois episódios (“Amor” e “Trabalho”). Martin faz leituras para sua filha mais nova que lhe faz perguntas sobre passagens de sua carreira. Um exemplo de diálogo para que a casa seja comum. E não podemos nos esquecer de que esse é o Diretor de A última tentação de Jesus Cristo. Esse poderia ser o melhor tom para que se percebesse a abertura ao conhecimento sem dogmas ou endurecimentos no coração. Como muito bem é acolhida no episódio segundo a ideia do perdão em relação a tema da segregação racial nos Estados Unidos, pois o passado é passado, mas o importante é estamos na mesa da fraternidade no futuro. Esse era o sonho do outro Martin, o Pastor Martin Luther King assim ensinou em seu conhecido discurso “Eu tenho um sonho” (28 de agosto de 1963): “Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.”

A ideia de fraternidade foi provavelmente o que motivou o camarada fotógrafo sul-africano na luta contra a apartheid. O sentido da luta na sabedoria do tempo é muito instigante, pois há muito que se revelar sobre memórias e militantes ainda a se descobrir. Um pouco disso estamos a fazer no Brasil também. Todavia, muitas pessoas não poderiam ter a dimensão do que foi a política racista na África do Sul ainda nos anos 80 do século XX. A luta internacional de solidariedade para que os sul-africanos fossem acolhidos em nossa Casa Comum. Por fim, no episódio “Trabalho” há um belo registro da séria ao se fazer o acolhimento de Oxum uma vez que representa a sabedoria e o poder feminino. Não há espaço para sectarismo da fé ou outro qualquer no Papa Francisco.



[1] A música está no Spotify e há um clipe no YouTube.

Um comentário:

Unknown disse...

Essa geração do imediatismo,não tem o menor respeito com o idoso,não pensam que no futuro também envelheceram.
Eu tenho muito nítido na minha mente a luta que ocorreu na África do Sul.
Os africanos era relegados a morar em guetos,não podiam frequenta lugares que os seus colonizadores europeu frequentava.
A luta de Desmond Tuto,junto com Nelson Mandela,pela libertação da África do Sul,foi de suma importância.
Mas achei que a mídia não deu muita divulgação,não só aqui do Brasil,com a internacional,pode ser que eu esteja enganada.