Era
uma vez Mandela
Por Vagner Gomes
de Souza
Que considerava que a
política se fazia num campo de luta com inimigo-adversários. Fez o CNA se armar
de armas ao contrário de se armar de ideias e programa, pois achava que o Apartheid
cairia pela luta armada assim como, erroneamente, desejou um mestiço dirigente
da ALN brasileira. Afinal, a Ditadura Militar brasileira seria derrotada
politicamente por via de uma longa transição política.
A desumanidade do Apartheid
na África do Sul fez muitos justificarem esse radicalismo. Sua consolidação
oficial ocorreu em 1948 quando o Partido Nacional chegava ao poder. No Brasil,
o “partido de Minervino de Oliveira”, teve seus parlamentares eleitos com o
mandato cassado por simples acusação de filiação partidária. Também, os
brasileiros tentaram trilhar pelo radicalismo como se a política de União
Nacional deveria ser abandonada. Foram posturas de sectarismo e ressentimento
com forças políticas próximas.
A luta política deve
sempre respeitar a mobilização das massas que não se orientam pelos “quadrantes”
avaliativos da militância de vanguarda. Pelo contrário, mobilização das massas
só ocorre pela via da sinalização das lideranças políticas ao encontro da
UNIDADE daqueles que seriam de posições equivalentes apesar de distantes em
disputas eleitorais. A gravidade política da conjuntura explicaria essa postura
para aqueles que fazem parte do “povão”.
Mandela demorou a perceber
esse aprendizado. Preso pela primeira vez em 1956. Foi na prisão de 1960 que se
abriu um processo para a sua condenação a prisão perpétua. Muitos apontariam
que só a destruição do regime racista lhe devolveria a liberdade outra vez.
Pelo contrário, foi o “giro” político pelo diálogo que deu um “furo” nesse
sistema de violência e desumanidade. Os 27 anos de cárcere na Ilha de Robben
engrandeceram sua liderança em favor da unidade e diálogo. Imagine que ele
estudou o Africâner, língua imposta pelos dominadores brancos e racistas, para
melhorar nas negociações que passou a conduzir em 1989[1].
Não podemos deixar de
mencionar a memória do último presidente soviético, Mikhail Gorbachev, ao
relatar em 2013 que Mandela reconhecia a Perestroika como um fator decisivo
nessas negociações no cenário da conjuntura internacional[2]. Sugerimos
que há também uma aproximação “Sul-Sul” nessa correlação de forças a espera de
uma pesquisa uma vez que 1988 marcou o Plebiscito que derrotou no voto a
Ditadura Militar chilena (aproximando Democracia Cristã, Socialistas e
Comunistas entre outras forças plurais) e a promulgação da Carta Constitucional
no Brasil.
Em 11 de fevereiro de
1990, o presidente da África do Sul Frederik de Klerk, do Partido Nacional,
liberta Mandela num processo que abriu a transição para uma nova Constituição
Sul Africana. A maior liderança da luta contra o Apartheid atravessa o portão
que o aprisionava e conclama o país a reconciliação nacional. Ao ponto de se destacar essa passagem de seu
discurso:
“Tenho lutado contra a
dominação branca e tenho lutado contra a dominação negra. Defendo o ideal de
uma sociedade livre e democrática onde as pessoas vivam em harmonia, com
oportunidades iguais. É um ideal pelo qual desejo viver e atingir. Mas se for
preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”
Entretanto, somente em
1994 Mandela foi eleito para presidir a África do Sul numa surpreendente
escolha do Ex-Presidente de Klerk como companheiro de chapa como
Vice-Presidente. Assim, marcava-se que a reconciliação iria para além das palavras
e assumiria um caminho de transição política. Essa é uma lição brasileira
presente na composição da chapa de oposição no Colégio Eleitoral de 1985 e os
bons ensinamentos políticos sempre reaparecem em nosso país em nome da
reconstrução nacional.
[1]
Sugerimos a leitura de Venter, Sahm – Cartas
da Prisão de Nelson Mandela. Editora Todavia, São Paulo, 2018. Leitura
obrigatória para a militância democrática uma vez que é muito conhecida pelos
ativistas do movimento negro brasileiro.
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