segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/EDIÇÃO EXTRA - PARA QUE SERVE UM VICE-PRESIDENTE?


Era uma vez Mandela

Por Vagner Gomes de Souza

 

Que considerava que a política se fazia num campo de luta com inimigo-adversários. Fez o CNA se armar de armas ao contrário de se armar de ideias e programa, pois achava que o Apartheid cairia pela luta armada assim como, erroneamente, desejou um mestiço dirigente da ALN brasileira. Afinal, a Ditadura Militar brasileira seria derrotada politicamente por via de uma longa transição política.

A desumanidade do Apartheid na África do Sul fez muitos justificarem esse radicalismo. Sua consolidação oficial ocorreu em 1948 quando o Partido Nacional chegava ao poder. No Brasil, o “partido de Minervino de Oliveira”, teve seus parlamentares eleitos com o mandato cassado por simples acusação de filiação partidária. Também, os brasileiros tentaram trilhar pelo radicalismo como se a política de União Nacional deveria ser abandonada. Foram posturas de sectarismo e ressentimento com forças políticas próximas.

A luta política deve sempre respeitar a mobilização das massas que não se orientam pelos “quadrantes” avaliativos da militância de vanguarda. Pelo contrário, mobilização das massas só ocorre pela via da sinalização das lideranças políticas ao encontro da UNIDADE daqueles que seriam de posições equivalentes apesar de distantes em disputas eleitorais. A gravidade política da conjuntura explicaria essa postura para aqueles que fazem parte do “povão”.

Mandela demorou a perceber esse aprendizado. Preso pela primeira vez em 1956. Foi na prisão de 1960 que se abriu um processo para a sua condenação a prisão perpétua. Muitos apontariam que só a destruição do regime racista lhe devolveria a liberdade outra vez. Pelo contrário, foi o “giro” político pelo diálogo que deu um “furo” nesse sistema de violência e desumanidade. Os 27 anos de cárcere na Ilha de Robben engrandeceram sua liderança em favor da unidade e diálogo. Imagine que ele estudou o Africâner, língua imposta pelos dominadores brancos e racistas, para melhorar nas negociações que passou a conduzir em 1989[1].

Não podemos deixar de mencionar a memória do último presidente soviético, Mikhail Gorbachev, ao relatar em 2013 que Mandela reconhecia a Perestroika como um fator decisivo nessas negociações no cenário da conjuntura internacional[2]. Sugerimos que há também uma aproximação “Sul-Sul” nessa correlação de forças a espera de uma pesquisa uma vez que 1988 marcou o Plebiscito que derrotou no voto a Ditadura Militar chilena (aproximando Democracia Cristã, Socialistas e Comunistas entre outras forças plurais) e a promulgação da Carta Constitucional no Brasil.

Em 11 de fevereiro de 1990, o presidente da África do Sul Frederik de Klerk, do Partido Nacional, liberta Mandela num processo que abriu a transição para uma nova Constituição Sul Africana. A maior liderança da luta contra o Apartheid atravessa o portão que o aprisionava e conclama o país a reconciliação nacional.  Ao ponto de se destacar essa passagem de seu discurso:

“Tenho lutado contra a dominação branca e tenho lutado contra a dominação negra. Defendo o ideal de uma sociedade livre e democrática onde as pessoas vivam em harmonia, com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual desejo viver e atingir. Mas se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”

Entretanto, somente em 1994 Mandela foi eleito para presidir a África do Sul numa surpreendente escolha do Ex-Presidente de Klerk como companheiro de chapa como Vice-Presidente. Assim, marcava-se que a reconciliação iria para além das palavras e assumiria um caminho de transição política. Essa é uma lição brasileira presente na composição da chapa de oposição no Colégio Eleitoral de 1985 e os bons ensinamentos políticos sempre reaparecem em nosso país em nome da reconstrução nacional.



[1] Sugerimos a leitura de Venter, Sahm – Cartas da Prisão de Nelson Mandela. Editora Todavia, São Paulo, 2018. Leitura obrigatória para a militância democrática uma vez que é muito conhecida pelos ativistas do movimento negro brasileiro.

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