sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 11


 Mazer Runner: Trabalhar ou morrer

 

Por Lucas Soares 

 Qual horizonte está reservado para o futuro trabalho? Como sobreviverá a mesma sociedade que, invertendo a ordem natural da identificação do ser social, não trabalha e, portanto, não se humaniza? São essas as questões que saltam os olhos de quem, na tentativa de entender e transformar a realidade que o cerca, se propõe a analisar os processos históricos que nos fizeram chegar até elas.

Partindo destes questionamentos iniciais, constata-se que, quando da chegada do poder que até então lhes era estranho (mercado capitalista), transformaram-se as formas pelas quais os homens se ligavam a sua condição natural. Com isso, o homem que outrora fazia do trabalho a necessidade básica do ser social, agora enxerga nele o meio de satisfação de suas realizações. Para isso, ou seja, para alcançar suas satisfações, transforma-se também a própria condição natural do ser, fazendo dele uma mercadoria.

Apontemos, portanto, os problemas desse processo:

A precarização do trabalho pressupõe a precarização das condições de subsistência humana, evidenciando, dessa forma, o processo de estranhamento do homem para com seu próprio corpo, sua consciência, sua própria classe, seu papel fundamental na base de sustentação do capitalismo.

 Exposto o fato, imaginemos a pior das hipóteses: O que resta ao ser que, vivendo em um estágio avançado sobrevivente desta conjuntura onde as relações de trabalho se liquefazem em medidas cada vez mais velozes, sequer tem acesso ao trabalho? A mão de obra ociosa, seja ela jovem ou de mais idade, na realidade brasileira, forma um exército de reserva que torna o plano de fundo perfeito para a passagem de reformas e mais reformas que cada vez mais a desumaniza. Tal como a conhecida frase de Darcy Ribeiro sobre o sucateamento da educação, fica claro o projeto de desmonte dos vínculos de emprego, assim como suas finalidades.

Vamos ao próximo ponto: o crescente desemprego e a mão de obra ociosa e ansiosa por um vínculo empregatício contrastam com a supressão de médicos, professores, enfermeiros, guardas municipais, policiais, assistentes sociais, etc... A conta que deveria ser básica, sequer é cogitada. Por outro lado, a burguesia nacional que chancela a política neoliberal de Paulo Guedes e sua trupe, quando se depara com a possibilidade de preencher os postos de trabalho em falta, aproveita-se disso para opor as soluções. Dessa maneira, a população sem emprego é encurralada a fim de precarizar mais ainda o emprego de quem já o tem. O ponto de barganha, para isso, é justamente o índice de desemprego que bate a casa dos 14,6%, tendo como premissa de aceitação a lógica do seguinte dito popular: “É melhor pingar do que secar”. Portanto, agradeça a Deus pela oportunidade de trabalhar metade do seu dia e gastar 1/3 do que te resta no transporte público. Não aceitando tal imposição, existe um oceano de miseráveis que topariam estar no seu lugar.


Diante disto, voltemos para o debate inicial: entendendo o ritmo de aceleração  do neoliberalismo que agora está sem capuz[1], qual será o futuro de uma humanidade que cada vez menos tem acesso ao trabalho? A era da Indústria 4.0 bate à porta. Nela, diferente da fábrica cujas peças são os homens, o homem é substituído pela Cyber Tecnologia, e o que antes era feito por 400 trabalhadores, agora pode ser realizado por 40.A maneira com que se esboça o desenvolvimento tecnológico, embora de forma insustentável, está prestes a devorar mais uma geração.

Por outro lado, a juventude trabalhadora e periférica que vislumbra a oportunidade de participar do Round 6 que se tornou o mercado de trabalho brasileiro tem, na melhor das hipóteses, as seguintes opções: parcelar a vida via FIES, na esperança utópica de se empregar após a formação; ou aventurar-se na desigual concorrência entre escolas públicas e privadas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Quanto às relações diretas de emprego entre a juventude, para além do já exposto caminho via universidades, nota-se o apagamento de incentivos como o Programa Jovem Aprendiz, enquanto o segmento aproxima-se de formas precarizadas de trabalho, como as oferecidas nas plataformas de entrega. Este último sequer é entendido como vínculo empregatício, transformando o já distante caminho até a aposentadoria em um verdadeiro Maze Runner.

De imediato, é evidente que houvera uma transformação no que outrora era uma preocupação com as condições emergentes de trabalho do século XVIII. Somou-se ao trabalho de condição alienante o tsunami de desemprego que atinge sobretudo quem tampouco sabe da existência do debate teórico acerca de suas condições de trabalho. A constância de idealizações sobrepujando a realidade apenas dificulta a mobilização de massa necessária para a superação (via política) dos problemas. A atual situação laboral traz à tona, nesta primeira metade do século XXI, uma era de romantização do empreendedorismo dissimulado, onde a solidez dos vínculos de trabalho dá lugar a plataformas virtuais que dificultam a formação de uma relação concreta entre emprego e empregado. Vencem, desta forma, as formas mais abstratas do trabalho. Naturaliza-se, portanto, a fome, a miséria, o desemprego e a banalização da vida.



[1] Ver Boletim do Roma Conection/Edição Extra – Estado e Round 6 – Por Pablo Spinelli.

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