quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

ESQUERDA PELAS CANELAS (NÚMERO 1)


 

Por uma estratégia de Interiorização da Migração republicana e democrática

 

Por Pacelli Henrique Silva Lopes

 

La tierra giró para acercarnos,

giró sobre sí misma y en nosotros,

hasta juntarnos por fin en este sueño,

como fue escrito en el Simposio.

Pasaron noches, nieves y solsticios;

pasó el tiempo en minutos y milenios.

Una carreta que iba para Nínive

llegó a Nebraska.

Un gallo cantó lejos del mundo,

en la previda a menos mil de nuestros padres.

La tierra giró musicalmente

llevándonos a bordo;

no cesó de girar un solo instante,

como si tanto amor, tanto milagro

sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito

entre las partituras del Simposio.

 

La tierra giró para acercarnos (1986)

Eugenio Montejo (1938-2008)

 

Neste último trimestre de 2021 a Escola Estadual Fazenda Paraíso, juntamente, com a instituição de transformação social Teia de Saberes tivemos conhecimento da construção do I Plano Estadual para Migrantes, Refugiados, Apátridas e Retornados de Minas Gerais. Tal evento tem sido promovido pelo Governo Mineiro através da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE). Nosso envolvimento surgiu por termos na comunidade escolar famílias de migrantes venezuelanos que estão sendo alocados na região através da Estratégia de Interiorização da Migração promovida pela Operação Acolhida.

A Estratégia de Interiorização iniciada em fevereiro de 2018 é uma parceria do Governo Federal, Forças Armadas e ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). O seu objetivo é a inserção da população venezuelana e aliviar o impacto dessa crise humanitária no estado brasileiro de Roraima. Seus três principais eixos de ação são, a saber: 1 – ordenamento de fronteira e documentação; 2 – fornecimento de assistência humanitária, e; 3 – interiorização.

De acordo com o Subcomitê Federal para Recepção, Identificação e Triagem dos Imigrantes através do seu Informe de Migração Venezuelana de outubro de 2021 entre janeiro de 2017 e outubro de 2021 tivemos um número total de entradas de 652.322 e uma movimentação de saída de 364.465, sendo que, 36% foram para outros países e 20% retornaram para a Venezuela. Dados da UNICEF Brasil apontam que em média 31.943 migrantes venezuelanos vivem em Boa Vista, Roraima, sendo que, 9.583 crianças estão em situação de vulnerabilidade.

Os dados educacionais demonstram que os venezuelanos tendem a ser mais velhos que seus pares brasileiros nas séries iniciais, causando uma distorção idade-série que reflete na inclusão no mercado de trabalho onde os venezuelanos têm colocações inferiores à sua formação profissional e trabalham mais horas que os brasileiros na mesma situação. Dentre outros problemas educacionais analisados, podemos destacar: a falta de acesso à internet; falta de acesso ao material escolar, problemas como transporte, faltam informações suficientes disponíveis, xenofobia e o principal e mais comum problema encontrado, a barreira do idioma.

No artigo intitulado Integração de Venezuelanos Refugiados e Migrantes no Brasil que é parte do programa “Building the Evidence on Protracted Forced Displacement: A Multi-Stakeholder Partnership” que foi estabelecido pelo Escritório de Negócios Estrangeiros, Comunidade e Desenvolvimento do Reino Unido (FCDO), Banco Mundial e ACNUR, são apontadas as seguintes soluções para a crise humanitária analisada:

Facilitar o processo de verificação e validação de diplomas e habilidades que irá minimizar o rebaixamento desnecessário educacional e ocupacional para o mercado de trabalho formal.

Ampliar a oferta de treinamento em idiomas para ajudar as crianças a se inscreverem na série de acordo com sua idade e que também pode promover maior empregabilidade para os adultos.

Garantir o apoio contínuo do ACNUR e da sociedade civil no fortalecimento de esforços do governo federal na realocação voluntária para áreas com mais oportunidade de geração de emprego e renda.

Desenvolver estratégias de intermediação de mão de obra focados com uso de conselheiros especializados que conhecem empregadores para os quais o idioma é menos importante ou procurem conjuntos de habilidades específicas.

Ampliar a capacidade das escolas, por meio da introdução de turmas matutinas e vespertinas, poderia ajudar a aliviar a superlotação em escolas e a reduzir o tamanho das turmas.

Fortalecer os programas de ativação do mercado de trabalho, que incluam a intermediação de empregos e treinamentos de habilidades e do idioma para ajudar a superar as dificuldades de colocação no mercado de trabalho.

Continuar a assistência aos venezuelanos no acesso a informações sobre emissão de documentos, acesso a serviços de educação, saúde e assistência social, e também sobre seus direitos sociais e garantias de acesso.

           

Através de nossa conferência livre para a construção do I Plano Estadual para Migrantes, Refugiados, Apátridas e Retornados de Minas Gerais chegamos as seguintes indicações para a criação da política pública:

 

Proposta 1: Criar um cadastro estadual que possibilite a realização de uma triagem que seja utilizado como processo legal de integração junto ao governo federal, forças armadas e ACNUR sobre a entrada dos migrantes no estado via estratégia de interiorização da migração. Permitindo melhor conhecer e alocar os públicos migrantes em regiões que possibilite um melhor uso das suas habilidades profissionais e facilidade de adaptação ao território.

Proposta 2: Capacitar os migrantes sobre os processos básicos de acesso as políticas públicas brasileiras.

Proposta 3: Capacitar os profissionais das escolas que receberão os migrantes através de formação continuada em trabalho.

Proposta 4: Ofertar a contratação de um professor para língua portuguesa para aulas extras aos migrantes alunos e seus familiares.

Proposta 5: Ofertar a contratação de professor da língua pátria dos refugiados para facilitar e mediar o processo de integração dos migrantes e facilitar a comunicação.

Proposta 6: Priorizar e ofertar cursos de capacitação profissional e técnico nas escolas que recebem públicos migrantes dando acesso e capacitação a essas famílias.

Proposta 7: Fomentar a criação nos municípios de uma rede de atenção básica e apoio a migração, sendo essa multidisciplinar envolvendo representantes das políticas públicas locais, poderes políticos e judiciários, sendo os envolvidos, capacitado previamente sobre a temática.

 

Para além das propostas citadas acima, o principal e mais preocupante problema de todo processo de interiorização da migração é sua falta de integração republicana e democrática com o poder público local. Ficou claro que a tentativa de inclusão é débil, seja via mercado de trabalho como aludimos acima, seja produtiva e quiçá financeira, o que em última análise levará a uma condição típica que sugere perigos presentes ao filme 7 prisioneiros.

Tal problemática que envolve a complexa relação entre Democracia e República que se evidenciou na ausência de comunicação e preparo e disponibilização aos poderes públicos locais da cidade de Espera Feliz dos instrumentos necessários para a boa consecução dessa política. Claramente, faltam República e Democracia nas ações propagadas na Estratégia de Interiorização, levando em algumas situações a sérios problemas que dificultam o alcance da cidadania tão almejada para os refugiados, migrantes, apátridas e retornados que procuram no Brasil a realização de um sonho e a concretização da esperança de uma vida melhor.


Um comentário:

Unknown disse...

E um sonho, verdadeiramente, mas é possível que seja realidade.🙏🙏🙏