sexta-feira, 17 de julho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 11


Uma Receita para o Bolo
Por Vagner Gomes de Souza 

A vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles


Uma análise política poderia surgir de um simples bate papo com um confeiteiro. Não se surpreendam pois Lênin falava dos cozinheiros em O Estado e a Revolução (agosto de 1917) com outros objetivos. Digamos que estaríamos a pensar a partir de uma provocação feita pelo Professor Luiz Werneck Vianna no artigo “Falta uma Geringonça à Brasileira” na Revista Eletrônica Insight Inteligência (link para consulta https://insightinteligencia.com.br/falta-uma-geringonca-a-brasileira/ ). Adiantemo-nos em dizer que numa análise de conjuntura não há “receita de bolo”, mas mencionaremos alguns ingredientes políticos e possíveis atores importantes na formação de uma consequente frente democrática contra esse já mencionado na crônica werneckiana fascismo tabajara.

Vivemos um momento de muitos jovens que estão “sufocados” pela percepção de que a “Pandemia” representa a possibilidade do cancelamento de sua existência social no futuro próximo. A política se vinga contra os cartazes do “ninguém me representa” uma vez que somente a representação política cria canais de dialogo na sociedade para enfrentar essa grave crise. Pensemos numa juventude em que a desigualdade nos estudos se aprofundou nesse momento e estamos sob a ameaça da precarização dos empregos com os atalhos ultraliberais na proposta da “Carteira Verde e Amarela”. Contudo, falta o bom exercício da memória na política para perceber, repetindo o nosso mestre das Ciências Sociais, que nada que é ruim dura para sempre. Contudo, podem durar muitos anos faltou ele alertar para que as sábias ações do mundo real motivem as decisões políticas do campo democrático.

Nossa vida só não está um maior pandemônio graças ao pacto político celebrado na Constituição de 1988. Não é uma simples referência uma vez que é o Sistema Unificado de Saúde (SUS) que tem impedido uma onda muito maior de óbitos nas grandes cidades. A força da autonomia dos Três Poderes se impôs com um Congresso Nacional (com uma de suas representações mais fracas da história recente da República) buscando saídas e um STF atento a garantia da Democracia. Eis que essa fronteira inibiu as forças políticas que desejam refundar nosso país sob a marca do ultraliberalismo de viés americano.

Essa refundação impõe muitos sacrifícios às camadas populares uma vez que a capacidade de mobilização dos trabalhadores está a muito tempo reduzida por inúmeros fatores. Por outro lado, muitos sujeitos políticos levantam bandeiras fragmentárias num eterno mosaico das ruas de 2013. As ruas ainda não assumiram os corredores das instituições políticas e isso se faz ainda pelos atores políticos questionados há quase uma década. Portanto, é tempo de “reinvenção” das antigas receitas que nos fizeram sair de duas ditaduras (1930 – 1945 e 1964 – 1985) nessa trajetória de modernização conservadora no Brasil.

Não se fez uma leitura da “modernização sem moderno” (outra vez, Werneck Vianna) que nos trouxe a essa situação. Todavia, muito sabemos o quanto a ausência de um “centro político” forte está colocando a esquerda num gueto eleitoral no qual não terá condições de sair. Na verdade o “emedebismo” foi um movimento muito maior que uma interpretação que o associe ao “presidencialismo de coalização”. Trata-se de uma vértebra da articulação política da possível relação entre a democracia de massa e a democracia representativa.

Então, comecemos essa receita assumindo que um pouco de MDB não faz mal a ninguém ainda mais nesses tempos em que a proteína é vital para produção de anticorpos ao autoritarismo. A necessidade da disciplina parlamentar de um DEM é muito importante. Além disso, o PSDB de seus “pais fundadores” fez emergir muitos quadros intelectuais espalhados em muitas outras agremiações (PDT, REDE, CIDADANIA, PSB, etc.). De fato, falta essa convocatória ao espírito de democrático nacional que Ciro Gomes mobiliza e se percebe no PCdoB “raiz”. Por fim, a base social do PT é muito coesa e não se pode estar isolada seja chic ou de forma brega dessa “Geringonça”. Mas, ainda falta a sensibilidade de um Chef Gourmet na política brasileira para que toquemos essa “jangada de pedra”.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA

 
 
Velório de Machado de Assis
 
Memórias Póstumas do Cidadão Carioca
(Quase ficção e Quase Análise de Conjuntura)
Por João Sem Regras 
Esse é um ensaio que dedico ao “bolsominion” que primeiro celebrou sobre as frias carnes do cadáver do jeito de ser do carioca. Uma saudosa lembrança para aquele que poderia me acusar de ser um plagiador de um escritor do século XIX e muito citado pelos ativistas do movimento negro. Não serei eu um rebelde as tentações de assumir os diversos modismos, porém eis que estou no lugar de fala de um defunto diferente daquele servidor público de Salvador que ao beber da água berrou.
Não tive tempo de ler as considerações de Silvio Almeida sobre meu inacabado estudos sobre Guerreiro Ramos, pois tinha que me dirigi ao fiel leitor dessa jornada que confesso haver escrito essa quase análise de conjuntura como quase ficção uma vez que a política carioca vive (ou estaria morta!?!) sem a reinvenção. Não tenho ilusão em ser lido por mais de 100 leitores. Nem ficarei em lágrimas por ter cinquenta, e quando muito, cinco. Cinco? Simplesmente cinco delirantes leitores “encaixotados” aos sábados em imagens desse aplicativo chamado Zoom.
Tratemos de perceber que a reinvenção da política democrática no Rio de Janeiro se distancia em muito da construção coerente de uma unidade. Não que sejamos iludidos por acordos de “cotovelo” diante dessa pandemia que mata minha cidade aos poucos. A “carioquice” está adoecida por esses insanos contágios com esses germes mercadológicos que redesenharam e aprofundaram a desigualdade sutil nesse cenário que a tampa desse caixão agora me impede ver.
Contudo, eu ainda espero conquistar as simpatias dos formuladores de opinião do campo democrático carioca (ainda existiria isso!?!) evitando mencionar nomes de pré-candidaturas para o próximo mandato a Prefeitura local. O melhor remédio na análise seria não apontar o melhor nome, mas sim chamar a atenção que faltam quadros dispostos a formular melhores saídas políticas com inclusão social nesse pandemônio que está a cidade com banhistas de praia fazendo Henry David Thoreau soltar sorrisos onde estou.
Aprendi com o ilustre escritor que nasceu no Morro do Livramento que é melhor não explicar o processo extraordinário com quais essas linhas estão a serem lidas. Seria curioso, porém não atingiria o objetivo que é alertar para o fantasma que ronda as eleições cariocas que seria a “volta da antipolítica”. Ela coloca essa máscara hegeliana para se prevenir do debate das coisas reais que os números do COVID19 soterram os números orçamentários para a próxima gestão. A cidade adoecida em sua vocação cultural e turística enfrenta inúmeros desafios que não podem ser apenas solucionados por um apertar de botão da “máquina weberiana”.
A “máquina weberiana” é muito bem vinda nessa racionalização do modo de ser carioca. Entretanto, sugerimos que os “apertos” continuarão por muito tempo se a cada “aperto de botão” não seguir um diálogo com a sociedade para que tenha dimensão das dificuldades e dos limites. Essa cidade que sempre amei não está precisando só de uma liderança, mas também está refém de um empobrecimento nas articulações da política. E sem a grande política o “vírus da antipolítica” surpreende qualquer piloto num avião em meio às turbulências.
Exercitei meu inglês para conversar com o John Maynard Keynes sobre os desafios das comunidades da periferia carioca. Sendo um Lord inglês, ele muito falou da antiga fábrica têxtil de Bangu e dos desafios de um crescimento econômico numa cidade de serviços aglomerada em diversificadas iniciativas de transportes urbanos questionados. Há vida política (essa é a palavra) no mundo do além. Estou temendo que a política carioca não expresse mais sua vitalidade que precisa se fazer pelos articuladores do mundo partidário e alimentando o associativismo. Um desafio para os quadros que estariam na “jaula de ferro” do sectarismo ou do ultraliberalismo.
Fazer a unidade do campo democrático em si tudo é um desafio. Se te agradar: corajoso e fiel leitor espera que tenhamos boas novas nos próximos dias. Se não te sensibilizou, espero tenha a certeza que não lhe cobrarei pelos erros que muitos estão a repetir com um mosaico de nomes sem dizer como é difícil aceitar ser apenas um Cidadão Carioca. Portanto, cuidado!


segunda-feira, 15 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 10


A Banalidade do Surreal
Em memória de Hannah Arendt
Por Vagner Gomes de Souza

Há uma fala no filme “Destacamento Blood” de Spike Lee (disponível na NETFLIX) em que um veterano afro americano da Guerra do Vietnã informa para um vietnamita a situação de George Washington ter sido um senhor de escravos. A precisão da informação histórica justificaria a mudança do nome da Capital dos Estados Unidos? Talvez se o pensamento da “Revolução Cultural” renascesse das cinzas do autoritarismo essa ideia poderia ser concebida numa surrealista ideia de reeducação pelo exercício da destruição do espaço público como memória.
Vivemos tempos em que a valorização do conhecimento da história está sendo “aparelhada” pelo julgamento de personagens do passado retirados de seu contexto como se fosse uma sequencia de anacronismos a serviço do sectarismo político. Não adianta alimentar a destruição de estátuas ou sua simples retirada de espaços públicos se os descendentes dos escravos continuam afastados do conhecimento de sua própria História. Aliás, o debate deveria ser porque nossa sociedade banaliza a falta do conhecimento em história ao contrário de sairmos avaliando um “juízo final” sobre o que deveria ser afastado de nossos olhares seja para admirar seu conteúdo artístico, ou seja, para relembrar dos personagens do passado que um dia erraram para o contexto atual.
Os historiadores precisam pesar mais pela ética da responsabilidade do que pela ética da convicção em tempos de extremismos. Derrubar os personagens associados à escravidão em qual temporalidade e em qual tipo de escravidão? Se for toda a escravidão, o que fazer com os vestígios da Grécia Antiga e a saudosa Atenas que cresceu mantida pelo trabalho de escravos. Faremos um “Tribunal da História” em relação as estátuas daqueles que tinham escravos na Antiguidade? Teremos que aplaudir a destruição de alguma estátua dos imperadores romanos por terem sido coniventes com a escravidão? O que dizer das múmias do Egito Antigo encontradas com restos mortais de escravos porque acreditavam na ressurreição dos Faraós? Não alonguemos nas perguntas, pois seriam surreais as respostas do academicismo “neomaoista”.
Muito menos cheguemos aos dilemas históricos religiosos do mundo judaico-cristão desde a passagem do filho de Abraão com uma escrava. Sem citar outros temas controvertidos que a teologia de Jesus Cristo nos ensinaria que se deve atirar a primeira pedra aquele que nunca pecou. Essa passagem não implica em dizer que devemos concordar com as atrocidades do passado, porém devemos compreender melhor como eles se constituíram para não cair numa banalidade do mal. O conhecimento crítico nas mentes da juventude é muito mais saudável para o movimento democrático que alimentar um debate que acabará recaindo numa “sinuca de bico”.
Vejamos o caso dessa passagem abaixo:
"A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito."
Ela foi escrita pelo romancista José de Alencar e se encontra em “Cartas a favor da escravidão” em 1867.  Muitos intelectuais cariocas devem saber que Alencar tem uma estátua no Rio de Janeiro. Defenderemos sua retirada e atacaremos os seus livros? Não seria mais interessante para a cidadania brasileira que o conhecimento seja divulgado ao contrário de alimentar uma “caça as bruxas” do anacronismo. Se defendermos que os livros libertam o cidadão da exclusão do saber, por que temer andar com a cédula de um dólar no bolso? Esse é o momento de sugerir novas estátuas para ocupar as ruas e esqueçamo-nos das que nada representam para nossos ideais.

 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

ERA UMA VEZ A ANÁLISE DE CONJUNTURA

 
Foto da Edição da Folha de São Paulo de 03 de fevereiro de 2017
Lula recebe visitas no Hospital Sírio Libanês durante a internação de Marisa Letícia
 
Lula e o Centro
Dedicado aos 100 anos do livro “Negrinha”, de Monteiro Lobato
Por Pablo Spinelli
No último domingo a Globonews, ao meio de manifestações que saíram do distanciamento social para a defesa da democracia e contra o racismo, apresentou um debate mediado pela jornalista Míriam Leitão com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-ministros e ex-candidatos à presidência Marina Silva e Ciro Gomes. O programa, que era previsto para uma hora acabou por se estender e virou duas horas. As reações do campo progressista foram mais manifestas do que do campo reacionário. A pergunta básica tangenciou o porquê de não ter um representante da esquerda, ou mais precisamente, um petista na mesa?
Independente do espaço que petistas históricos ocupam na rede – assim como na jovem CNN Brasil – como em debates aos sábados, a resposta foi dada pelo mais famoso deles, o ex-presidente Lula que escreveu ao jornalista Bernardo Melo Franco, de O Globo, recusando o convite para uma entrevista de uma série com ex-presidentes por conta da adesão das empresas Globo a uma narrativa “golpista” e de “apoio às ações à Lava Jato”. No dia seguinte, a presidente do PT, deputada Gleise Hoffman em entrevista ao UOL, afirmou que o partido não deve subscrever nenhum manifesto pela democracia porque o “PT nasceu na luta pela democracia, na luta dos trabalhadores. O PT não precisa assinar um manifesto para dizer que é a favor da democracia.”
Exposto isso, comecemos pelo começo. A jornalista Míriam Leitão criou problemas para setores da esquerda por conta de sua adesão aos planos econômicos do governo FHC e pelo livro de um de seus filhos à Operação Lava-Jato. A ex-senadora e ex-ministra do governo PT, Marina Silva, é considerada como uma esquerda reformista, moderada ou com uma pauta única que é a ambiental. Ciro Gomes é apontado como um traidor omisso por não ter apoiado o candidato petista em 2018 no segundo turno. O presidente FHC é o pai da “herança maldita”, “privatista”, “neoliberal”. Noves fora, o que resta? A esquerda fica circunscrita a uma hegemonia que é entendida como sinônimo de poder por si mesmo.
As novas gerações ficam vulneráveis a uma panaceia sem qualquer análise crítica e histórica. Míriam Leitão fez parte do PC do B, seu então companheiro fez parte da luta armada e ela foi presa e torturada de forma violenta durante o regime militar. Marina Silva foi uma das fundadoras do PT no Acre, estado com histórico de ação de grileiros, garimpeiros, grandes empresas do agronegócio junto com o esquecido Chico Mendes. Ela comeu o pão que Asmodeu amassou com a então ministra Dilma Roussef por conta de freios que fazia ao projeto desenvolvimentista que era herdeiro de um projeto do presidente Ernesto Geisel. Ciro Gomes, que começou sua carreira na militância estudantil na UNE com a esquerda católica, foi deputado pelo PDS – contrário ao voto para governador e senador pelo seu partido – e fez parte do PMDB que apoiou a candidatura de Tancredo Neves para a primeira presidência após a ditadura militar. FHC teve uma longa trajetória com o campo democrático. Foi companheiro acadêmico de Sérgio Buarque de Holanda e de Florestan Fernandes, fundadores do PT. Participou da reorganização do MDB nos anos 1970 para que se fortalecesse o elo com o novo sindicalismo do ABC paulista liderado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Foi constituinte, um dos autores do agora famoso artigo 142 da nossa Constituição. Ganhou duas eleições no primeiro turno e conseguiu fazer uma das melhores transições da América Latina para seu sucessor, o qual apoiou de forma discreta, ao invés do candidato de seu próprio partido. Foi um defensor do sistema de cotas – que só virou lei em 2012 – que seria uma consequência de suas pesquisas sobre a escravidão que criticaram o “mito da democracia racial”.
Após esses dados históricos, quase “wikipedianos”, cabe a pergunta: esses atores não poderiam falar em conjunto sobre a democracia? Não poderiam defender o Estado Democrático de Direito? Suas biografias não podem ser levadas em consideração ou somente determinado campo pode ter biografias destruídas? Após muitos e muitos anos o ex-presidente Lula, num gesto de grandeza fez algo que lhe é caro, a autocrítica, quando afirmou que errou ao não deixar o deputado Ulysses Guimarães subir em seu palanque e que o seu partido errara ao expulsar três parlamentares que votaram em Tancredo Neves nas eleições indiretas de 1985. Nada poderia ser perfeito, assim, nada foi dito sobre a postura do PT quanto a Constituição de 1988.
O Lula de 2002 foi o do “paz e amor” com ampla cobertura das empresas Globo, onde seu jornal o apelidara de “nosso urso Ted”, uma referência à história da política dos EUA. A sua aliança com o empresariado foi afiançada com o industrial José Alencar, do Partido Liberal, o mesmo do também empresário e ex-candidato à presidência em 1989, Guilherme Afif Domingues que teve como colaborador o economista Paulo Guedes. Lula abraçou Maluf, Collor, Sarney em sua campanha. Tornou-se o Centro político. Gradativamente, encapsulou a sociedade civil no Estado, mas isso é outra história. Fez uma Reforma da Previdência sem ouvir o som das ruas e com uma base parlamentar heterogênea, que ia do PC do B ao PP de Maluf. Passou pelo baque do “mensalão” que foi iniciado pelo seu ex-aliado Roberto Jefferson. Petistas históricos caíram, mas nada recaiu sobre o presidente. O Judiciário lhe foi benigno. A mídia não construiu uma alternativa ao poder e enfrentou em um segundo turno o “picolé de chuchu”. A partir desses movimentos construiu uma teia de proteção social que foi referência e recebeu apoio público de Barack Hussein Obama. Foi uma referência internacional a ponto de se predispor a dialogar com aquele que chamou de “amigo” – isso não é monopólio só de um campo político -, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para fazer a ponte com os EUA. Muitas de suas políticas foram aprovadas na Câmara dos Deputados que era presidida pelo deputado Michel Temer. O sectarismo, a preservação de ideais puros na política, ficou para uma dissidência que organizou o PSOL. Lula finalmente tinha dado a entender que havia lido Maquiavel.
O Lula que ficou, por enquanto, livre, voltou às ruas como uma “ideia”. A ideia banhada em egolatria e que diminuiu o tamanho do PT, refém de políticos que fazem de tudo pela reprodução do poder pelo poder, do orçamento partidário pelo orçamento partidário. Virou um estudo de caso do relançado livro da psicanalista Maria Rita Kehl, “Ressentimento” (Boitempo Editorial, 2020). A sua fala contra setores da mídia não se contrapõem em nada ao atual presidente. Sua postura de ressentido também não o é, assim como só querer falar para iguais ou para os pajens de sempre. A prisão nem sempre faz mal. Gramsci e Graciliano Ramos mostram que da dureza pode se sair maior. Dessa forma, ao invés do “Lula Livre”, deveríamos pedir “Volta Lula”. O Lula da política do centro e não o que faz de si o centro de sua política.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 9


Lula e Guilherme Boulos: duas lideranças populares em tempos de luta contra o autoritarismo no Brasil
 
Repensando a História do Antifascismo lendo Guilherme Boulos

Dedicado à memória de Carlos Lessa

Por Vagner Gomes de Souza

Guilherme Boulos é uma liderança política da esquerda que se consolida no cenário político nacional a partir de uma demanda muito importante em tempos de pandemia do COVID19. O acesso à moradia digna para os trabalhadores brasileiros nos grandes centros urbanos. Sua militância em São Paulo, principal epicentro da aceleração dos casos e óbitos na atual crise sanitária, nos faz refletir sobre um dilema weberiano na política: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

Sua pequena intervenção nas Redes Sociais “Diálogo com Luiz Eduardo Soares” (texto que reproduzo na íntegra na forma que recebi após esse artigo) tenta superar esse dilema em relação as próximas manifestações no domingo de 7 de junho. Seria simplismo uma polarização entre o líder do MTST (“ética da convicção”) e o autor de Elite da Tropa 1 e 2 (“ética da responsabilida”) diante de argumentos que partem de um sentimento comum de oposição a ascensão do tom autoritário do Governo Federal. O diálogo político entre ambos é muito importante porque politiza a natureza do que seria fazer parte de um movimento “antifascista” para além de animar as imagens de perfis nas redes sociais.

 O debate não é novo e a história da luta contra o fascismo sempre esteve aberta a diversas polêmicas sobre a melhor tática a ser feita. Exemplos históricos não faltam como na Guerra Civil espanhola (1936 – 1939) com aqueles que atribuem a derrota para o “franquismo” ao excesso de “moderação” enquanto que outros atribuem ao excesso de “radicalização”. Contudo, não é esse o momento de fazer uma dissertação sobre as teorias políticas que sustentam essa diversidade uma vez que desejo simplesmente me reter aos fatos históricos citados no “Diálogo...” uma vez que minha formação na História me fez repensar sobre os “fatos” ali destacados.

Boulos usa o conceito de “hegemonia fascista” que se afirma nas ruas e fez referência ao “Camisas Negras” na Itália e as milícias hitleristas na Alemanha. Aparentemente, um leitor desavisado e “sem História” deduziria que não houve manifestações de rua (em contexto diversos de estar numa Pandemia). Há inúmeras manifestações antifascistas nas ruas da Itália e nas ruas da Alemanha. Elas foram derrotadas. Por quê? Nesse ponto, ficou meu incômodo como educador na área de História uma vez que sabemos que uma interpretação sempre pode levar a conclusões distintas dependendo de como a narrativa ocorre. Ao jovem que me viesse perguntar em aula sobre essas considerações, eu sugeriria a leitura do romance histórico do volume 1 de M – O filho do século de Antonio Scuratti. E deixemos Lições sobre o Fascismo de Palmiro Togliatti para um momento mais denso no debate das ideias.
A escolha de citações de fatos históricos para argumentação da política faz parte dessas minhas advertências, pois a falta de um contexto na narrativa pode deixar o “fato” circulando como as órbitas das ilusões. Vejamos as referências relativas a História do Brasil sobre temas que são muito pouco aprofundados nos livros didáticos que nossos jovens tem acesso. E faço essa observação, pois a luta antifascista deve sensibilizar a juventude. Ela é longa e árdua. Então, temos uma referência ao movimento integralista de Plínio de Salgado (um intelectual do movimento modernista e que sempre se demonstrou “homem de Partido”). Então lemos: “Poderia ter sido assim com os integralistas de Plínio Salgado no Brasil se os comunistas não o tivessem enxotado das ruas.” Essa referência deve ser relativa a Batalha da Praça da Sé em 7 de outubro de 1934. Não nos ateremos a diversidade de “paternidades” da liderança da contramanifestação uma vez que o movimento antifascista tinha três vertentes organizadas em São Paulo naquele tempo. Simplesmente questionamos os motivos de o Integralismo continuar sendo tolerado por Getúlio Vargas. A esquerda que foi praticamente massacrada nos anos 30 desde 1935 como poderia ler em Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos.

 
Manifestação Integralista na Praça Tiradentes - Curitiba - 1937
 
 
Foi o Estado Novo, inaugurado pelo autogolpe de 11 de novembro de 1937 como consequência de uma reação ao “fantasioso” Plano Cohen redigido por um capitão integralista com nome Olímpio Mourão Filho, que tirou os integralistas das ruas em 1938 após o fracassado levante de maio. Os fatos históricos lamentavelmente foram esses. Mesmo com o fim da Ação Integralista do Brasil (AIB), Plínio Salgado tentou negociar um acordo com Vargas até ser preso e exilado em 1939 para Portugal. Um detalhe que foge um pouco da temporalidade, porém sugere um curioso olhar para algumas capitais brasileiras. Nas eleições presidenciais de 1955, Salgado foi último colado no total de votos, mas foi o mais votado em Curitiba. Uma interessante e curiosa coincidência na história ziguezagueante da política do Centro Sul.

Em seguida, há duas referências às tentativas de atentados feitas pela chamada “linha dura” dos setores militares. Em primeiro lugar, o caso PARA SAR em 1968 que seria o planejamento de uma onda de atentado simultâneo que incluiria a explosão do gasômetro de São Cristóvão. Em seguida, o atentado do Riocentro (1981) que vitimou um Capitão e um Sargento que usava o codinome de “Agente Wagner” na continuidade de uma escalada de atentados que ocorriam naquele período. As lembranças dessas “provocações” da extrema-direita na história recente do país ficaram soltas diante da falta do contexto histórico de como as forças democráticas reagiram em momentos diversificados e com nuvens da censura e autocensura dos meios de comunicação. Há de comum nessas provocações, ressaltadas os muitos detalhes conjunturais, o objetivo de impedir a política de Frente Democrática. Portanto, esse é ponto em que a estratégia política se reforça na ampliação da frente antifascista para sufocar as aventuras extremistas. Seria incorreto insinuar que fazer parte do MDB na Ditadura Militar fosse inibir as manifestações nas ruas. Elas ressurgiram no final dos anos 70 graças a vitoriosa política de frente nas eleições de 1974. Contudo, esse é outro ponto para repensar em outro momento, pois a lição da História se alonga e intelectuais como o Carlos Lessa sempre nos ensinaram a nunca recuar na frente ampla na luta pela democracia. Por isso, esse artigo é dedicado em sua memória.

Banca de Jornal incendiada por extremistas de direita
 

ABAIXO o texto de Guilherme Boulos que foi analisado no artigo
Boulos: DIÁLOGO COM LUIZ EDUARDO SOARES - Tenho muito respeito por Luiz Eduardo, um intelectual de primeira linha e uma figura humana extraordinária. Como ele, tenho grande preocupação com a ascensão do fascismo bolsonarista e não considero as liberdades democráticas simples formalidades. Foram conquistadas com sangue e luta de toda uma geração de brasileiros. Mas discordo em relação às manifestações de domingo. O que vimos na semana passada, puxado por torcedores organizados, foi um passo fundamental na resistência ao fascismo: a demonstração de que a rua não é deles. Não basta sermos maioria na sociedade. Não basta assinarmos manifestos unitários, que julgo importantes, aliás subscrevi todos. Mas a hegemonia fascista, mesmo minoritária, se afirma nas ruas. Foi assim com os Camisas Negras de Mussolini e com as milícias hitleristas. Poderia ter sido assim com os integralistas de Plinio Salgado no Brasil se os comunistas não os tivessem enxotado das ruas. Se normalizamos gente defendendo AI-5 e agredindo opositores, jornalistas e enfermeiras em praça pública, daqui a pouco não teremos condições de dar as caras. Sei que a questão não é simples. Além do mais, estamos em meio a uma pandemia. Mas na conversa entre os organizadores da manifestação do próximo domingo, ao menos em São Paulo, haverá um enorme esforço para manter o distanciamento e as precauções sanitárias. O Povo Sem Medo organizou uma brigada de saúde para isso com centenas de voluntários. O MTST vai distribuir 4 mil máscaras na Avenida Paulista, feitas pelas cooperativas de costureiras do Movimento. A orientação da organização do ato será uma manifestação pacífica e de inibir infiltrados. Claro que sempre há um risco. Devemos fazer de tudo para minimizá-lo. Mas, convenhamos, o outro lado não precisa de pretextos nossos para endurecer. Se ficarmos parados tampouco temos qualquer garantia. Eles sempre produziram os próprios pretextos. Lembremos do Rio Centro, em 1981, quando oficiais do Exército contra a democratização iriam explodir bombas no festival do Dia do Trabalhador para culpar a esquerda. Não funcionou por imperícia. Ou do plano de explodir o gasômetro de São Cristovão, em 1968, em nome dos comunistas, só evitado pela denúncia de um oficial da Aeronáutica. É a velha tática que os nazistas inauguraram no incêndio do Reischtag. Bolsonaro avança na escalada autoritária. Sei dos riscos, mas não creio que se deixarmos as ruas para eles estaremos impedindo essa marcha. Por isso, o MTST e o Povo Sem Medo estarão nas ruas no domingo. E eu também estarei lá.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 8

 

 
O Deputado e seu Casaco de Soldado Raso

Por Vagner Gomes de Souza
 
O filme 1917 é uma lição para aqueles que ainda não compreenderam o perigo que se avizinha na conjuntura nacional. Em plena campanha militar das trincheiras os alemães aguardam que os soldados ingleses ataquem para cair numa “armadilha”. Dois jovens soldados recebem a missão de alertar seus “camaradas” de farda da emboscada. Nesse filme aprende-se que o tempo é o inimigo. Um aprendizado que está presente na tradição política de um líder político russo que aparentemente lideraria uma Revolução naquele mesmo ano.
Essa referência a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é muito importante para que contextualize aquilo que Eric Hobsbawn mencionou como o marco do início da “Era dos Extremos” que levou a profundas perdas para o campo democrático no século passado. Essa referência ao historiador inglês está nesse momento muito em voga diante do “chamado” feito pelo Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ) pela unidade do campo democrático desde seu afastamento da disputa eleitoral da Prefeitura carioca para se inserir num debate mais amplo desse processo.

Cena do filme 1917
 
O Deputado abriu “mão” de sua candidatura há dez dias com uma Nota em que aludia erros da esquerda no entendimento do que seja esse momento. Em entrevista ao Jornal O Globo o mesmo parlamentar citava alguns exemplos de ausência de desprendimento político de atores políticos cariocas para que se haja a abertura de um diálogo mais amplo no campo democrático. Na sequência, veio a público o artigo “Democracia Urgente” em que os limites do pensamento iluminista seriam apresentados como um obstáculo a ser ultrapassado. Uma atitude corajosa para uma liderança da esquerda que já defendeu que as eleições cariocas seriam a “Primavera dos Povos”. Pelo contrário, o Rio de Janeiro é a “trincheira” das forças políticas “termidorianas” com os “45 cavaleiros húngaros” em franca atuação na política.
Acompanhar esse “aggiornamento” político e intelectual do Professor Marcelo Freixo é muito gratificante para aqueles que sempre defenderam a necessidade de uma Frente Democrática (nada de Frente de Esquerda com disfarce de Frente Ampla em minha opinião) para derrotar o projeto de poder representado pelo Presidente da República. Entretanto, nosso Deputado parece que está pregando num deserto de ideias e lideranças políticas que ainda analisam os impactos da retirada da candidatura dele como um “bingo” eleitoral. Parece que a esquerda carioca também toma “cloroquina” numa fé no fortalecimento institucional associado a conquista de cadeiras para a Câmara de Vereadores.


Cena do filme O Resgate do Soldado Ryan
 
O casaco das ideias de Marcelo Freixo está no campo de batalha sem que haja uma postura dos partidos políticos para repensar a tática política aderindo de fato a estratégia da Frente. Todos querem a UNIDADE do campo progressista que não cresceu um milímetro desde a derrota política de 2018 para juntos caminharem para uma nova derrota. Essa é a realidade que se deve expor para muitos companheiros que não desejam abaixar o tom político em nome da Frente Democrática, pois desejam manter seu espeço num “cercadindo” no berço da esquerda infantil. Não vemos nenhuma atitude ousada para pegar o casaco do soldado raso para começar a fazer a Grande Política. Aparentemente há um silêncio combinado para que ninguém tenha que assumir a responsabilidade resgatar os diversos jovens (como se fossem Soldados Ryans) que caíram nas redes da extrema-direita principalmente nos bairros populares.
As bancadas de vereador em primeiro lugar? Melhor que a esquerda carioca deixe isso claro para os eleitores como uma opção em dar um passo adiante no legislativo municipal para recuar mais dois passos nas eleições de 2022 sob o perigo de termos a ascensão exponencial do autoritarismo. A prioridade deveria ser derrotar o principal aliado do “bolsonarismo” no Rio de Janeiro, mas ninguém parece estar levando a sério o alerta do Deputado.


terça-feira, 12 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 7



A Fortaleza Narrativa de Bolsonaro

Dedicado à memória de Flávio Migliaccio
Por Vagner Gomes de Souza

Há dois meses muitos Governadores e Prefeitos adotaram medidas de distanciamento social para reduzir o impacto da pandemia do COVID19 no sistema público de saúde. O temor de um colapso generalizado da saúde sensibilizou muitos brasileiros naquilo que poderia representar um momento de unidade nacional. Contudo, já destoando com o então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a Presidência da República começou uma gradual narrativa de minimizar a situação da crise de saúde diante do perigo de um caos econômico social a ser gerado pela paralisação da economia.
Muitos ingênuos analistas que acreditaram num Presidente mais próximo da “ética da responsabilidade” no decorrer de um mandato presidencial ao contrário do Deputado de Extrema-direita de uma “ética da convicção” se viram decepcionados, pois não teriam ainda percebido que a “alma” da gestão de Bolsonaro é a política ultraliberal do Ministro da Economia Paulo Guedes. O silêncio do Ex-ministro Sergio Moro relativas aos Decretos dos Governadores e Prefeitos sugere que a fratura do núcleo governista ocorreu nesse processo em que o mandatário federal faz a escolha de uma política econômica em nome dos “empresários da morte” que marcharam em direção a uma constrangedora reunião com o Presidente do STF.
A crise da Pandemia seria acompanhada pelo aprofundamento da crise econômica (não esqueçam que o PIB de 2019 foi menor que o de 2018 mesmo com as liberações do FGTS). Ninguém poderia contar com a opção de um Presidente “cruzadista” medieval. Um cavaleiro que vestisse a “armadura” de uma narrativa de defender empregos sem nunca convocar a sociedade para um “pacto social” em favor da ampliação do investimento público no pós-pandemia. Muito pelo contrário, a gestão do Ministério da Economia foi “covarde” (na falta de um termo mais acadêmico) ao propor um auxílio emergencial no valor de R$ 200 (a ampliação para as faixas de 600 e 1200 foram resultados da atuação do Congresso Nacional que emergiu como uma instituição relevante apesar da baixa qualidade de muitos de seus integrantes).
 


Além disso, o Ministro da Economia se preocupou com insinuações de um novo “funcionário público” marajá com a geladeira lotada de alimentos sem dar alternativas para que os Governadores e Prefeitos façam uma gestão da crise com maior folga orçamentária. Enquanto isso aumentava o desemprego e o Governo Federal (com certeza com orientação do Ministro Ultraliberal) encaminhou a MP da redução da jornada de trabalho com redução salarial e não criou uma linha de crédito em condições de beneficiar os micros, pequenos e médios empresários. Um profundo silêncio sobre a eminência da precarização do mercado de trabalho à medida que a narrativa continuava na “tecla” da defesa da economia. Uma economia que já estava muito desigual não se pode defender. Deveria começar a adoção de uma nova política econômica o que implicaria numa outra “alma” para governar.

 O ultraliberalismo de Paulo Guedes não se sente maculado com as políticas de ampliação de assistência social uma vez que elas contribuem para a desorganização da classe trabalhadora. A política econômica ultraliberal não tolera é o investimento público que organize a expansão econômica menos dependente do sistema financeiro. Portanto, os analistas de plantão da política nacional cometem um equívoco ao avaliarem que Paulo Guedes caia por qualquer ampliação do chamado “assistencialismo”. Muito pelo contrário. Essa seria a linha de argumentação para aprofundar as chamadas reformas econômicas. Nesse sentido, a ascensão dos grupos políticos do “Centrão” não seria uma contradição no quadro da política federal. De onde surgiu o Senhor Presidente? Quem o levou para a boa prática de frequentar os templos religiosos como “burgos” eleitorais? Quem é Onix Lorenzoni? Aliás, o “Centrão” tem seu DNA também na gestão do “malufismo” em plena Ditadura Militar muitas vezes apresentada como refratária as práticas da corrupção.


A fortaleza narrativa do Jair Messias Bolsonaro segue mobilizando a grande cavalaria medieval da elite econômica dos ultraricos com apoio de uma ampla margem de “escudeiros” à margem das relações sociais de produção por causa do “mito”, que uma parcela de intelectuais de esquerda teria vendido para um segmento liberal mais progressista, da chamada “nova classe média”. De fato, emergiu uma “ralé social” ressentida em diversos aspectos (incluindo o psicossexual) que se alimentou na desqualificação da política e de uma postura de desmoronamento da muralha do “centrismo político democrático”. A crítica ao “presidencialismo de coalizão” nasceu na academia que hoje é tachada de “comunista” pelo bolsonarismo ideologizado. Diante disso, o caminho a se construir é para que haja uma repactuação das forças de esquerda com o campo do “centro político” já na apresentação de alternativas para as classes populares nesse grave crise que enfrentamos.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

RIO DE JANEIRO E A COVID19 - Entrevista com o Professor Marcelo Burgos


 Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise no combate a pandemia da COVID19. Diante da omissão do Governo Federal, o colapso da saúde pública é um problema que poderá proporcionar outras ondas de crises. A hegemonia do conservadorismo e das posições de extrema-direita desorganizam as ações em defesa das populações mais vulneráveis. Portanto, há a necessidade de termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores políticos na superação democrática desse momento. Portanto, a seguir, teremos uma  entrevista como professor Marcelo Burgos (PUC – RJ) que, pela segunda vez em dois anos, atende positivamente aos desafios de nosso BLOG VOTO POSITIVO.
O professor Marcelo Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos. Exerce docência na PUC-Rio de janeiro. Está na linha de frente na apresentação e acompanhamento de Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas.
 
1)      Estamos em meio a uma crise apocalíptica da saúde pública no Rio de Janeiro relacionada a “Pandemia do COVID19”. No seu entender, como as comunidades periféricas vem enfrentando essa situação?
Do jeito que podem! Na verdade, se considerarmos somente a cidade do Rio de Janeiro e suas mais de 700 favelas, o que se observa é uma mobilização de suas lideranças e organizações comunitárias, em busca de cestas básicas e outros insumos, cada qual mobilizando suas próprias redes de apoio. O poder público municipal não tem colaborado na organização e otimização de esforços e recursos, e isso gera sobre trabalho, desperdício e o que é mais grave, desigualdades também quanto ao acesso a esse tipo de apoio social, já que as favelas mais centrais acabam sendo mais contempladas. Onde existem organizações comunitárias mais estruturadas, como é o caso da Redes da Maré, tenta-se fazer um trabalho mais abrangente, de assistência social, gestão da informação e de apoios mais focalizados. Mas é pedir muito dessas organizações que façam um trabalho que precisaria ser, no mínimo, mais compartilhado com o poder público.
 
2)      Qual sua avaliação sobre a atuação dos gestores públicos (Governos Federal, Estadual e Municipal) no atendimento das demandas das comunidades periféricas no combate ao COVID19? O que falta ser feito?
O governo federal está quase completamente paralisado pela desorganização do Ministério da Saúde, especialmente após à demissão de Mandetta. Os recursos inicialmente prometidos pela pasta não estão chegando; por outro lado, a disponibilização da renda mínima de R$600 está demorando a contemplar justamente os segmentos mais vulneráveis, para não falar que o acesso a esse recurso tem sido ele próprio gerador de contaminação.
Quanto ao governo estadual, tem tido uma atuação mais estruturada, mas ainda sinto falta de uma concertação mais forte e organizada com os municípios da região metropolitana, incluindo é claro a capital. Sei que essa é uma construção difícil mas seria fundamental o estado chamar para si essa responsabilidade. Além disso, acho que o estado deveria elaborar algum tipo de programa de renda mínima para os moradores mais pobres da região metropolitana. Quanto ao município, tem sido muito pouco responsivo. Dele dependem os serviços de atenção primária de saúde e a assistência social, e para nenhuma das duas áreas foi realizado um plano capaz de proteger esses serviços e esses profissionais, em especial nas áreas mais populares da cidade. O resultado está aí, postos de saúde e UPAs  entrando em colapso, e muitos profissionais doentes. Quanto a outras ações que poderiam mitigar o cenário de colapso e de crise social e de confiança, até onde sei, a única iniciativa da Prefeitura foi o programa de hospedagem em hotéis para indivíduos considerados dos grupos de risco. Mas a iniciativa não tem sido senão muito parcialmente utilizada, não alcançando o impacto social que poderia ter.
3)      O Prefeito Marcello Crivella teve novas adesões de vereadores a bancada de seu partido, Republicanos, para a disputa eleitoral municipal. Essa adesão política sugere que a política eleitoral está deslocada da realidade dos problemas das camadas populares?
Infelizmente, ao que tudo indica, parte da máquina pública da prefeitura está fortemente capturada exclusivamente pelo cálculo eleitoral e pelo projeto da reeleição do atual prefeito, não sendo capaz de perceber que estamos diante de uma iminente tragédia humanitária, de que o quadro de Manaus já é um alerta. Nossa situação exigiria, ao contrário, um poder público realmente preocupado em participar de forma ativa na coordenação, organização e execução de ações voltadas especialmente para as populações mais pobres. Pois o Rio é uma cidade muito complexa, e se não forem consideradas as especificidades de suas favelas, e de seus bairros populares, não teremos feito o necessário para evitar uma catástrofe ainda maior. É por isso que nos mobilizamos, na criação de uma rede envolvendo lideranças comunitárias, universidades e a FIOCRUZ. E a partir dessa mobilização elaboramos um Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas. O Plano foi entregue no dia 1º de maio, às secretárias de saúde do estado e do município, e no dia 4 de maio foi objeto de uma reunião com diversos parlamentares da ALERJ, capitaneados por seu presidente, André Ceciliano e pela Deputada Renata Sousa. O documento já é de domínio público, e seu principal objetivo é o de aglutinar forças na defesa da criação de um gabinete de crise reunindo estado, município, organizações comunitárias, universidades e entidades de classe e científicas, sempre com o respaldo técnico da FIOCRUZ. 
4)      Como estaria a atuação das Igrejas Evangélicas nas comunidades periféricas no combate ao COVID19? O “fundamentalismo neopentecostal” ganhou ou perdeu força?
Difícil avaliar. Acho que não tenho fundamento para responder a essa pergunta. A única pista que temos é a de que, se assumimos que a zona oeste tem sido uma área de forte predominância do neopentecostalismo e que muitos de seus bairros têm sido campeões na disseminação da covid, isso sugere que muitas dessas igrejas possivelmente não devem estar trabalhando de modo mais intensivo a necessidade de distanciamento social, entre outras medidas preventivas. Sabe-se, inclusive, que muitas seguem fazendo cultos. E aqui, o alinhamento com o bolsonarismo pode estar sendo o fator determinante. Infelizmente, um presidente irresponsável como este que temos faz um enorme estrago na vida de pessoas que estão muito sujeitas às redes de sustentação de seu projeto, que no Rio articula algumas igrejas neopentecostais a grupos de milicianos, fortemente dominantes em vastas regiões da Zona Oeste. A mesma hipótese valeria para regiões da Baixada Fluminense como Caxias, por exemplo, que se apresenta como a região com maior percentual de letalidade nesse momento.
5)      O Rio de Janeiro é uma das Capitais mais atingidas com números de casos e óbitos por COVID19. Mesmo assim a “família Bolsonaro” aprofunda uma atuação de negação da situação com o famoso “E daí?”. O Senhor acha que essa postura renderá muitos votos nas próximas eleições municipais?
Como respondi anteriormente, antes de pensar nos votos, estou pensando no estrago que essa postura tem feito na defesa da vida. Quanto ao impacto eleitoral, não tenho como prever, e acho que ninguém tem, qual será o efeito eleitora dessa estratégia criminosa. Uma coisa é certa, ela isola muito seu eleitorado, e vai tornando seus seguidores membros de bandos. Isso faz lembrar em muitos aspectos a forma como Hitler se relacionava com seus seguidores antes de chegar ao poder.
6)      Diante desse cenário político, como avalia a tentativa de aproximação entre o PSOL e o PT para uma disputa eleitoral para a Prefeitura carioca? Haveria chances para uma candidatura mais ao centro político?
Não me considero um analista político, até porque não estudo a fundo uma série de questões relacionadas à aritmética da competição política. Mas vejo a aproximação dos dois partidos como um movimento importante, no sentido de aglutinar forças. O ideal, porém, seria que esse arco fosse mais amplo, envolvendo outros partidos do campo democrático. Com a adesão de Crivella ao bolsonarismo, houve uma federalização às avessas da eleição, e o Rio será muito provavelmente o epicentro da disputa em torno do projeto nazista dos Bolsonaro. E parte importante desse processo deve ser o do reconhecimento que a questão das milícias é muito fortemente uma questão municipal, pois boa parte dos serviços que ela controla são da alçada do prefeito. Isso significa que precisamos encarar essa eleição carioca como um momento decisivo na luta contra nazismo (em sua versão miliciana), o que também significa que, caso vitoriosa, poderá dar lugar a um projeto de cidade ungido pelos melhores ideais contidos em nossa Carta de 1988.
 
 
 
 
 

 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 6

 
 
A GERAÇÃO 2.O E O NEGACIONISMO DA CIÊNCIA
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
Há uma cena na série MADIBA (disponível na GLOBOPLAY) em que Nelson Mandela e seu irmão de adoção Justiça sentam para ouvir os mais velhos sobre acontecimentos do passado. Provavelmente isso teria acontecido nos anos 30 pois Mandela é de 1918. Essa é uma passagem que demonstra o quanto havia uma geração de jovens ao redor do mundo que se formava ouvindo a experiência do passado mesmo que estivesse sentada num banco rodeado de extrema pobreza. O Breve Século XX foi moldado pela intervenção de muitos sujeitos históricos que herdaram a crença no progresso científico do século XIX seja para o bem ou para o mal.
 
O desfecho vitorioso do capitalismo com o fim da Guerra Fria em 1991 abriu um "vazio" na formulação da análise da política uma vez que essa seria compreendida como algo que atrasasse os avanços da circulação dos interesses individuais. O individualismo alimentou avanços tecnológicos e uma globalização sem o exercício da solidariedade social. A economia se libertando cada vez mais das instituições e decisões da política. Gradualmente os atores políticos moldados na modernização do capitalismo após a vitória antifascista da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) foram sendo negadas com tamanha radicalidade.
 
 Uma proliferação de entidades, bandeiras e sujeitos sociais sem articulação com o mundo da política uma vez que tudo seria uma falta de sentido com as novas tecnologias. Novas tecnologias sem que a juventude tivesse oportunidade de reconhecer na disciplina do estudo como a ciência foi acumulando seu conhecimento uma vez que ter acesso a tecnologia seria apenas ter acesso a uma mercadoria. A tecnologia "coisificou" o conhecimento científico ao passo que estar acessado nas redes sociais seria uma forma mais presente do que estar conectado com as iniciativas de debate da realidade. O mudo da realidade dramaticamente se deslocou nesse contexto diante da virtualidade vivida por uma geração nascida a partir do 2000.
 
As crianças foram impactadas pelos "smartphones" e inúmeras mudanças na rotina da sociedade viabilizou cada vez mais a circulação do mercado pela via da globalização da revolução dos interesses. Aos poucos o vazio pela não saber ouvir as experiências do passado permitiu a proliferação de manifestações psicológicas deprimentes numa juventude que abraçou o "aqui e agora". O presentismo como negação do passado auxiliou na emergência de abordagens "revisionistas" sobre doutrinas autoritárias do século XX. Assim, o nazifascismo teve suas linhagens flexibilizadas ou até mencionadas como posturas da esquerda. Muitos jovens justificaram a ideia de Ditaduras Militares necessárias na América Latina no contexto da Guerra Fria. Além de outros jovens alimentarem a ideia de que a população do continente africano seja vitimizada. Esses são alguns tristes exemplos discursivos dessa geração 2.0 que cresceu a cada ano de BBB em nosso país.
 
Uma vez que os conhecimentos das Ciências Humanas foram relativizadas diante da negação de assumir compromissos com a participação política o que requereria o exercício da memória e a sensibilidade em aproximar pontos de vistas as vezes discordantes. A "juventude android" foi cada vez mais fragmentada seja à direita ou seja à esquerda num processo de alimentação da antipolítica que é base da polarização. O vazio do conhecimento alimentou uma militância digital que não é sustentada na leitura. Nem cobremos a leitura dos clássicos e muito menos a leitura de qualquer produção literária desde que não seja os livros de fantasia, os tons cinzentos e outras vertentes nascidas do Youtube. Assim foi fácil surgir uma personalidade como Olavo de Carvalho e outras manifestações mais digitais do que de leitura.
 
Não é estranho que a liberdade de consumo pelo livre acesso das tecnologias tenha feito o molde de muitos jovens que negam o conhecimento científico uma vez que já teriam problemas na formação com a matemática e a interpretação de textos. Chegar a afirmação de que a "Terra é Plana" é apenas a "ponta" do Iceberg de uma refundação de uma mentalidade feudal com inúmeros aparelhos tecnológicos usados para alimentar a monetarização da vida. Então, o enfrentamento de um momento histórico como a PANDEMIA ocorre com muitos jovens negando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) pois nem teriam a percepção do que seria essa instituição. A Democracia é apenas um detalhe que incomoda muitos da geração 2.0 e seguimos com um território fértil para as manifestações de fundamentalismo no campo religioso.
 
Até aqui, parece que estamos em rota de colisão com uma parede num veículo em alta velocidade. As dificuldade para fazer os jovens lerem é tamanha diante da facilidade das Lives patrocinadas pelo grande capital. Por outro lado, o ativismo não pode ser simplesmente negar o diálogo com outras forças da política uma vez que alimenta mais a antipolítica. A tarefa é árdua pois não era essa a promessa que o livre mercado tinha feito. Então, estamos diante dos perigos da emergência de uma escalada autoritária e nacionalista que poderá ser abraçada pelos negacionistas da ciência. Portanto, não podemos deixar de reunir nossas forças ao lado da solidariedade e da luta pelas vidas. Temos que reinventar nossas atitudes para que não tenhamos um cenário com mais desigualdade social e mais precarização do mundo do trabalho pelo uso das tecnologias. Urge que a juventude passem a sentar diante da herança que não renunciamos. 


terça-feira, 14 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 5

 

O Tempo, a Disciplina e o Ator na Política

Dedico esse artigo a memória de Daniel Azulay e Moraes Moreira
 
Por Vagner Gomes de Souza
 
 
"Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência"
 
Paciência - Lenine
 
 
Uma "quarentena" que se alonga por mais de quarenta dias é um desafio para uma sociedade que nasceu sob a égide da cultura renascentismo. O liberalismo sempre esteve dúbio em nossa sociedade a medida que dialogava com as práticas autoritárias. O tempo ganha cada vez mais uma exigência na observação dos fatos que nos apresentam. A Pandemia está impondo que uma grande parcela da nossa geração tenha que lidar com os limites. Estamos enfrentando uma mudança que abre o cenário mundial para uma profunda crise sistêmica. As alternativas que se avizinham não são as melhores para aqueles que defendem o pensamento democrático uma vez que a integração mundial está sendo questionada pela velocidade com o qual o "vírus" se espalhou.

 
O mercado deseja que tudo caminhe como antes desde que a sociedade seja mais controlada por uma intervenção estatal na sociedade. Nosso tempo na política precisa de uma vocação para que a juventude pense os horizontes do futuro de uma forma que imponha uma disciplina para que a ciência não seja mais deixada em segundo plano assim como a participação política. Assim, a lição de um pensador Sardo (Gramsci) sobre a obediência de uma disciplina pela hierarquia como forma de saber enfrentar uma disciplina sem autonomia. O exercício consensual da disciplina precisa ser uma tarefa das instituições juvenis para pensar os novos tempos. Porém, temos os indicadores de uma juventude alheia a buscar as lições da memória nas sugestões de Walter Benjamin.
 
Houve um "balão de ensaio" na referência aos "Campos de Concentração" e na proposta de um Prefeito em colocar idosos moradores das favelas em hotéis (afastados de seus familiares) concentrados, o que é questionado por especialistas uma vez que os dados europeus sugerem que a concentração da população mais vulnerável ao "vírus" simplesmente aumenta o perigo da letalidade. O "ovo da serpente" está sendo chocado apesar de muitos atores políticos do campo democrático se deixar levar pela narrativa pautada pelos "negacionistas" da ciência. Nunca podemos esquecer que quanto pior sempre será pior para as classes subalternas. Portanto, esse é tempo de se manter disciplinado no discurso da solidariedade e compaixão.
 
Há a ausência de uma ator para alinhar as forças democráticas pelo mundo. Não temos mais uma visão que deixa conduzir pelas orientações políticas nacionais em ligação com o cenário mundial. A Espanha é uma referência distante de "A Casa de Papel" para muitos jovens. A Itália seria onde deveria estar jogando o jovem promissor Vinícius Junior. A juventude precisa sentar diante de seus aparelhos de smartphone para enfrentar esse vazio da política democrática que impõe uma revisão sobre o que foi a opção política de 2018. A explosão do sistema político brasileiro e de tantos outros países cobra uma necessidade de reagrupamento com setores liberais progressistas, grupos democratas do cristianismo e as vertentes do socialismo com seus valores humanos e democráticos.
 
A lição é árdua assim como se manter no "casulo" das residências produzindo com textos, opiniões e leituras. Não podemos ter espaço para mais fragmentação pois o peso das mãos de Hobbes está ao nosso redor. Um mar de possibilidade precisam ser construídas para que as vidas sejam poupadas diante dos limites de atendimento do Sistema Unificado de Saúde. Usem as redes sociais para dialogar e intervir pelo bem comum. O ator vai surgir pois é uma necessidade para enfrentar essa situação de falta de valores humanos. Aliás, para não deixar de mencionar de forma explícita uma indignação desse simples autor de poucos leitores, não podemos conviver com um Ministro da Economia que é restritivo nos gastos públicos nesse momento de calamidade na saúde. Sugerir o veto ao auxilio aos Estados e Municípios é o mesmo que estar pedindo que desligue os respiradores nos Hospitais para economizar luz sem pensar nas vidas. Não merecemos o cidadão que tem a foto ilustrando esse artigo. Espero que o leitor tenha compreendido o sentido de minha mensagem.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 4

 
Cena do filme Os 12 macacos - Bruce Willis e Brad Pitt
 
O Ator, o Tempo e o Exército dos 12 Macacos
Por Vagner Gomes de Souza
 
Seria pedagógica nesses tempos de “Pandemia” a visita a “baú” da produção cinematográfica para pensar o quanto um filme sobre a distopia poderia dar sentido aos ensinamentos sobre a análise de conjuntura. O silêncio dos especialistas em relação ao filme Os 12 Macacos não nos é estranho uma vez que o herói é um presidiário que vem de um futuro no qual a humanidade quase pereceu diante de um vírus mortal e todos poucos sobreviventes vivem em quarentena nos subterrâneos.
Os 12 Macacos foi dirigido por Terry Gilliam que se graduou em Ciências Políticas antes de se destacar como cineasta relevante onde citaríamos para o filme Brazil – O Filme e A Fantástica Aventura do Barão Munchausen. Por isso, pensamos em analisar o tema da relação Ator e Tempo na política com referências a esse filme de 1995. Muitos militantes nem tinham nascido quando esse filme foi lançado mas fica aqui o convite para que aprendam nele a análise da conjuntura.
O filme desenvolve sua ficção com a “viagem” do tempo o qual os cientistas do futuro são determinados ao justificar o início da “praga” que assolou a humanidade na ação do Exército dos 12 Macacos. O roteiro indica e sugere que o “salvador” do futuro tenha que seguir as sugestões dos “técnicos” da ciência. Nada como ver no filme um anseio pela livre arbítrio no personagem James Cole (Bruce Willis) que na primeira viagem para o passado acaba internado numa clínica psiquiátrica no ano de 1990. Uma inspiração do conto de Machado de Assis, O Alienista, o qual tem inúmeras sugestões sobre a ideia de controle social e as teses sobre a loucura para o cenário político brasileiro.
Os cientistas do futuro corrigem a dose na viagem do tempo e então há um novo momento na narrativa do filme. Revela-se o fundador do Exército dos 12 Macacos como o filho de um virologista e questionador das pesquisas científicas de seu pai com o uso de animais. Jeffrey Goines (Brad Pitt) é o personagem que antecipou muito de uma geração fragmentada na análise da conjuntura. Não se iludam com o seu desempenho, pois trata-se de uma “ilusão” daquilo que seria o essencial na análise. Então, vivemos um pouco disso quando há um Complexo de Cassandra diante daqueles que não perceberam o tamanho da crise econômica que se abriu para o capitalismo.
As injeções monetárias feitas pelo Estado ainda não garantiu que a “mão invisível” do mercado está há tempos contaminada pelo vírus da desigualdade. O tempo de 1995 seria o tempo da Globalização sob a égide do aprofundamento das alternativas liberais na economia. A socialdemocracia aderindo a linha da chamada “terceira via” e todos achando que o problema seria outro. O filme nos sugere que não é o louco do Exército dos 12 Macacos o principal adversário e nesse momento a metáfora recai para outros lunáticos em voga nos tempos contemporâneos. O perigo está em outro lugar e a ausência de um Ator é um incomodo nesse momento.