Nova ode elementar
A memória do xará Ricardo Eliécer Neftalí Reyes
Basoalto (1904-1973)
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Há pouco mais de algumas horas do
resultado do último turno da eleição presidencial no Chile, parece-me que maior
parte das hipóteses interpretativas sobre a natureza desse segundo turno agora
com os dados concretos nos permitem discernir e tirar conclusões.
Uma das coisas mais superficiais era
afirmar que o eleitorado chileno estava polarizado entre dois extremos, e que a
votação ficaria entre dois extremos: a extrema direita, na pessoa de José
Antonio Kast, e a extrema esquerda (ou como a imprensa malsã tem chamado de
esquerdista), representada por Gabriel Boric. Esta interpretação que já era uma
lenda entre nós a bastante tempo graças as análises de Alberto Aggio[2] e
que não houve a lucidez necessária entre nós (também na imprensa) para
subscrevê-la. Mas, há motivos para que isso não se de em todos os lados.
Pode-se argumentar que, na realidade, a
eleição era disputada entre um personagem da extrema direita que não precisava
desesperadamente buscar votos do Centro e um jovem candidato de esquerda que
precisa dialogar com eles, mas também de fincar suas raízes e compromissos com
a tradição da Centro-Esquerda no Chile. Kast, por sua vez, conseguiu com alguma
facilidade, obter os votos de grande parte do resto da direita - que pode ser
quase tão radical quanto ele - e do candidato que rejeitava a ambos, Franco
Parisi, que ficou em terceiro lugar com 13% dos votos, e vivendo fora do Chile,
sem nenhum compromisso com moderação e Sebastián Sichel que ficou em quarto
lugar com também quase 13% dos votos.
Como ele fez isso? Boric é um filho ou
neto da Concertación. Como se sabe, esta é a aliança que governou o Chile de
1990 a 2010, e com modificações, novamente entre 2014 e 2018. É uma coalizão
que, entre suas diferentes versões e lideranças, pôs em prática um programa de Centro-Esquerda,
sem cair em nenhuma conversa fiada de esquerdismo daquele atribuído a Boric
agora.
Nunca deu azo a cultura autoritária, não fechou o país, nem se alinhou a nenhum país com uma política que coloca em dúvida a democracia. Existe uma disjuntiva difícil analiticamente que é a responsabilidade da Concertación aos impasses econômico, político e social que levou aos protestos massivos de 2019[3]. Talvez sim, talvez não, mas a verdade é que durante um quarto de século no poder, a Concertación constatou-se de fato o quão é limitado o espaço no Chile para recorrer a políticas públicas para atender os sentimentos de sua sociedade.
Embora sua carreira política tenha
começado com os protestos estudantis de 2011, e muitos dos ex-dirigentes ou
apoiadores da Concertación não o tenham apoiado no primeiro momento, Boric vem
de lá. Grande parte da esquerda chilena sabe de uma forma ou de outra, que os
limites da mudança no Chile são reais e antigos: eles datam de pelo menos no
início dos anos 1970 e da memória da triste experiência de Salvador Allende
(1908-1973). Boric se dissociou do esquerdismo em todos os momentos, e
personalidades mais próximas da Concertación começaram a se aproximar. Tanto o
ex-presidente Ricardo Lagos como a ex-presidente Michelle Bachelet, não demoraram
a apoiar Boric no segundo turno.
Por isso é espantoso que a melhor interpretação
da eleição chilena expressa por Alberto Aggio[4] ao
contradizer a análise da quase totalidade dos observadores do nosso país e
quiçá de estrangeiros não tenha tido se quer o justo debate de ideias. Também
contrasta com a visão de uma nova maré na região, impulsionada por movimentos
sociais e reações à desigualdade ausentes de política. Mas, seja como for, o
Chile mais uma vez pode enviar, um sinal do caminho da nova ode elementar que
se pode cantar lá, cá e no planeta.
20 de dezembro de 2021
[1] Professor do
Instituto Devecchi e da Unyleya Educacional.
[2] https://podcast.unesp.br/15619/mundo-e-politica-mudanca-na-constituicao-e-avanco-extraordinario-na-democracia-do-chile-avalia-historiador-da-unesp
2 comentários:
Que inspire brasileiris, com as devidas adaptacoes...
Brasileiros....
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