domingo, 21 de maio de 2023

A DOCE POLÍTICA DO CINEMA - NÚMERO 18 - O CPC EM BARACK OBAMA


 A Inteligência Artificial vai chegar, Seu Edgar[1]

Por Rayssa Thimoteo Teles[2]

 

Ao se tratar de Trabalhar, até onde podemos refletir e impulsionar nossos atos perante as necessidades cotidianas?  Como cidadãos, é notável e imprescindível que em algum momento de nossas vidas estaremos inseridos no Mundo do Trabalho, seja por Dinheiro, Vocação, Distração, ou simplesmente conseguir atingir objetivos e superar obstáculos, como resultado da aquisição de novos conhecimentos e de interações sociais. Na série, Barack Obama retorna às telas em uma série documental produzida pela Netflix, o ex-presidente americano se apresenta como um explorador do mundo do trabalho nos Estados Unidos a partir do livro Working de Studs Terkel.



Studs Terkel foi um incentivador da cantora gospel Mahalia Jackson que cantou "Take my hand, Precious Lord" no funeral de Martin Luther King Jr


“Nesta série, falo com trabalhadores americanos de diversas indústrias, desde hotelaria e tecnologia até atendimento domiciliar, para compreender seus trabalhos e esperanças para o futuro”, explicou Obama no Twitter. Atualmente, vivemos em uma época de fugacidade, onde muitas das vezes nos desconectamos das coisas que realmente importa como família, amigos, lazer, dentre outras coisas primordiais. Independente da classe social, é indubitável que todos os indivíduos que se mantem no mercado de trabalho, contribuem para a movimentação econômica do país, todavia, devemos acima de nossas obrigações, pautar como está nossa saúde mental e física.

Diversas profissões são responsáveis por transformar a sociedade como um todo, e dentro desse viés, devemos impor respeito a todos que se sobrecarregam dias e noites em busca além das realizações pessoais, a sede incansável da transformação social em que vive. Eis o ensinamento do primeiro episódio da série chamado “Prestação de Serviços”. A empatia faz parte e falta dentro desse universo competitivo e hierárquico que é o Trabalho, porém, muitas pessoas ainda acreditam que é falsa a esperança que o trabalho possa ter algum sentido maior, ou até mesmo trazer felicidade. Elas acreditam que não haverá maiores ganhos financeiros, e que as oportunidades de crescimento raramente vão surgir. Dessa forma, passam o tempo todo desmotivadas no trabalho, esperando que algo aconteça para que elas comecem a melhorar.


Barack Obama no quarto episódio da série questiona aos chefes sobre as oportunidades no trabalho nos dias atuais

O que precisa ficar claro a todos os trabalhadores, seja qual for a atividade que executam, é que o sentido ao trabalho quem dá é você mesmo. Cada um atribui um significado para aquilo que faz, e esse significado vai determinar o quanto de dedicação você vai colocar para executar as atividades. Se o significado do trabalho for grandioso, você se comprometerá verdadeiramente com sua profissão.

Pesquisas já informam que, em algumas atividades, o brasileiro trabalha até 48 horas por semana, ou seja, além do acarbouço constitucional de 1988 e em situação precarizada. Então, se não encontrarmos um sentido valioso para o trabalho, passaremos pelo menos 1/3 da vida desanimados, desmotivados e sem esperanças. Dar sentido ao trabalho não significa ser obcecado por ele, ou seja, ser um workaholic (viciado em trabalho), que só dá atenção ao trabalho e esquece as outras áreas que compõem a vida. Quando você tem grandes motivos em sua vida, ou seja, metas pessoais, sonhos e realizações para alcançar, o trabalho pode ser um meio de conquistar o que deseja. 

Dessa forma, o trabalho terá um sentido muito mais amplo. Um trabalho sem grandes significados faz com que a rotina distancie você de seus sonhos. Então, procure visualizar seu trabalho como uma missão, como uma forma de ajudar os outros, de servir a outras pessoas, de ser útil e importante naquilo que você faz. Quando damos sentido ao nosso trabalho não existe preguiça ao acordar cedo e não há resistência para nos dedicarmos um pouco mais às nossas atividades, ao final do dia. Um trabalho com sentido forte faz com que aquilo que foi iniciado seja concluído. Pessoas que enxergam um sentido no trabalho, o fazem com entusiasmo, dedicam-se a fazer o melhor em cada momento.


[1] Esse título foi sugerido pela Equipe de VOTO POSITIVO inspirado no texto A Mais-Valia vai acabar, seu Edgar de Oduvaldo Vianna Filho que buscava unir teatralidade e didatismo.

[2] Graduanda em Agronomia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) estreia em VOTO POSITIVO com 17 anos.

sábado, 20 de maio de 2023

SÉRIE ESTUDOS - GILBERTO FREYRE E OS CAMINHOS DA CIVILIZAÇÃO ( I )

90 Anos de Casa-Grande & Senzala

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em 1981 Italo Calvino no ensaio Por que ler os clássicos que acabou por dar título a um dos seus livros dirá: É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

A história de como um clássico como Euclides da Cunha se transfigurou em Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre merece esse ponto de partida das comemorações de seus 90 anos, na sequência das comemorações dos nossos 200 anos.

Como seria doravante um personagem chave de quem Gilberto voltaria a ele em Perfil de Euclides e outros perfis (José Olympio, 1945), para se tornar o grande brasileiro debelador da civilização brasileira.

A civilização brasileira também sofreu uma alquimia em Gilberto e no Casa-Grande & Senzala desde a sua primeira aparição em 1933, meses após da também estreia de Caio Prado Jr. com o seu Evolução política do Brasil. Ensaio de interpretação materialista da história brasileira. A civilização brasileira que vive em seus grandes livros, além de Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos (1936), Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem (1937), Ordem e Progresso (1959) e Além do apenas moderno (1973) entre tantas outras, é uma grande saga aberta.

É o mundo que também se resume e não só no aforismo de Casa-Grande & Senzala: os antagonismos em equilíbrio, a marca da nossa cultura política.

A civilização brasileira de Gilberto Freyre consagrada ao longo dos anos, por outro lado, faz parte da grandeza histórica do Brasil, aquele país que tateia seu caminho saltando de tempos em tempos: da Independência à República.

A alquimia da civilização brasileira em Gilberto não é menos grandiosa.

Em Casa-Grande & Senzala, a escravidão é o animal imprevisível e violento que faz Gilberto pensar em nossa trajetória e de como fizemos para que pudéssemos fazer valer o nosso compromisso civilizacional de erradicá-la.


Esse compromisso que esteve presente desde o nosso nascimento será de seus balizadores como Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha entre tantos outros que trabalharam pela Abolição. Para aqueles que abraçaram esse movimento por algumas vezes avistaram a morte pela bala passar por seus olhos. Não foi uma luta de apenas flores e votos como mostrou Angela Alonso e outros estudos daquele momento em nossa história.

Claro está que quando Gilberto foi para a Constituinte de 1946 e a Legislatura que nasceu da redemocratização no pós-Segunda Grande Guerra, fez ele um mandato político de responsabilidade, regido pelos valores da eficiência e de resultados, mas também foi também um mandato político de convicção, capaz de soerguer uma fundação que carrega um dos nomes de suas balizas éticas e morais, um quase político no seu dizer que escolheu a cultura como espaço para exercer os seus poderes, e que só cresceu nessa área, ligando culturalmente a sua cidade ao país e ao mundo, talvez como nenhum dos seus outros filhos.

Por isso em nossa civilização, dadas as condições herdadas da origem – uma  colônia de exploração portuguesa que logo recorreu ao trabalho escravo –, os “caminhos para a civilização”, não nos foi natural e necessitaram da ação pedagógica que nos trouxesse da barbárie às luzes do ideário do liberalismo político do legislador da hoje bicentenária constituinte de 1823, na luminosa análise de Euclides da Cunha em ensaio famoso Da Independência à República, do livro À margem da história que se encontra na bibliografia de Casa-Grande & Senzala.

Desta forma, o perfil de Euclides para Casa-Grande & Senzala é o símbolo da nossa busca permanente da grandeza civilizatória.

Como se vê, a história de 90 anos desse clássico indica a necessária volta a esta fascinante alquimia, que o faremos com o passar do ano.

 

Rio, 15 de maio de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 015 - NEM SÓ DE VOTOS VIVE A DEMOCRACIA


 

A Frente Democrática tem que continuar

Em memória de Rita Lee

Por Vagner Gomes de Souza

 

Há uma hipótese otimista que nossa preferência musical pelo samba em comparação com as movimentações do Tango nos afastou de muitas soluções finais na prática da política. O sambar no pé espanta a tristeza ou se é doente da cabeça ou doente do pé escreveu a sabedoria nacional popular. Assim o repertório do Show “Samba de Maria” em turnê feita pela cantora Maria Rita nos faz melhor refletir sobre os descaminhos dessa transição democrática de novo tipo ao qual se impôs na política brasileira. Em memória a Aldir Blanc e Elis Regina, a força de O Bêbado e a Equilibrista nos ensina que a política da Frente Democrática precisa continuar e até aprofundar.

Os valores da República e da Democracia foram atingidos em um mandato presidencial através da mobilização da sociedade brasileira pelas redes sociais, o que construiu uma hegemonia antissistema que acompanha uma onda política internacional. Olhai para os resultados políticos na Europa ou olhai para os políticos que emergem na América do Norte. Considerem os ventos de quaresma na América Central ou se previnam com as armadilhas que nos rondam na América do Sul. Vivemos tempos assustadores diante da autocracia feita pelas multidões de eleitores que votam em desqualificar e colocar sob ameaça a Democracia.

O uso de metodologias de avaliação da dinâmica do Congresso Nacional estariam defasadas ao se comparar com duas décadas atrás. Não temos mais os atores partidários em exercício pleno na política. O individualismo da sociedade nos faz perceber “Blocos” políticos que articulam interesses individuais de parlamentares. O “afunilamento” da cláusula de desempenho dos Partidos Políticos na redução das legendas tem reforçado os mandatos individuais de parlamentares encastelados no mundo digital.

 Não há debate programático diante de um mosaico em busca da lacração e dos “likes”. Não há uma educação da política democrática e muito mais se aprofunda esses problemas diante da baixa qualidade educacional da sociedade e de muita militância. A formação política é feita como se fosse um “reality show” de seguidos “paredões” eliminatórios de adversários, portanto sempre se tem a impressão de estar num ambiente polarizado. Todavia se alimenta uma dinâmica de “jogo político” aonde os analistas de conjuntura seriam aves raras a cair ao meio do grande “Coliseu da Política”.

Perdemos politicamente na vitória eleitoral apertada no segundo turno de 2022, porém não nos parece que se extraíram as consequências políticas dessa lição. E parece que ou se está em 2003 ou, pior, num 1968 de inovadores maoístas em busca de uma reeducação política da militância. Não falemos de conjuntura, mas alimentemos as narrativas e lugares de fala cercados por uma grande onda de forças políticas retrógradas. Aplaudir dentro de uma “bolha” que possa eleger parlamentares individualizados. Pois o importante não é formar militantes nos partidos de esquerda, mas engajar meus seguidores nas redes sociais. Ainda dizem que seriam de uma Esquerda essa postura fragmentada e muito apropriada para as feiras medievais. São os “Burgos” em forma de “coletivos” e a juventude se diz militante, mas com um olhar para o retrovisor.

Então, não se pode permitir que as diversidades dos atores políticos do Centro sejam cobradas como se fosse uma “máquina registradora” do supermercado da política. A refundação política do Centro político não se faz em uma sequência de dias ou através de Ministérios em busca de votos no Parlamento, mas por uma política de debate programático atuante nesse momento na proposta de PLDO e nos debates do PPA. Esse é o momento de outra vez compreender que nosso liberalismo político sempre esteve no seu lugar. Contudo, ainda nos sentimos num andar por um deserto a procura da Terra Prometida.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 014 - A CONJUNTURA NO PAÍS DOS BANGUELAS


George, a dentadura e o SUS.

 

Marcio Junior[1]

Para minha musa Lavínia, que logo será uma dentista exemplar.

 

No livro Os dentes falsos de George Washington (Companhia das Letras, 2005), o historiador e ex-diretor da Biblioteca de Harvard Robert Darnton conta que, ao visitar a propriedade de George Washington em Mount Vernon, se deparou com as dentaduras de madeira utilizadas pelo primeiro Presidente dos EUA. As decisões tomadas por essa figura importante da história norte-americana e mundial, seus momentos de maior responsabilidade, eram transpassadas pelo impacto da peça de madeira dura contra as gengivas ao mastigar. Além da dor que, convenhamos, era costumeira. O mesmo historiador salienta que, ao ler um volume relativamente grande de cartas que datam do século XVIII, era comum encontrar reclames de dor de dente que, à época, só era sanada pela breve tortura que era a extração. A dor de dente transpassava as gerações e marcava o modo de vida e os costumes.

Com a publicação da Lei 14.572, de maio de 2023 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14572.htm), e a tardia incorporação de diretrizes para uma Política Nacional de Saúde Bucal à Lei Orgânica da Saúde, advinda do Projeto de Lei de autoria do Senador Humberto Costa, aquilo que foi iniciado como o Programa Brasil Sorridente (na gestão do próprio Humberto no Ministério da Saúde do primeiro governo de Lula) se transformou em uma alteração do arcabouço legal do SUS, que agora tem a saúde bucal nas suas linhas. A principal consequência disso é a exposição dos desafios para o atendimento à população em grande número. Ainda tínhamos, por exemplo, pouco material quantitativo para a compreensão, inclusive epidemiológica, das patologias que os brasileiros e brasileiras apresentam na boca e a relação destas com outras, já que a boca é inseparável do resto do corpo. Teremos mais? Sem eles não é possível desenhar políticas públicas, mas é visível um esforço empreendido no Ministério da Saúde conduzido pela socióloga e ex-presidente da Fiocruz Nísia Trindade, com discussões em formato de Webnários no canal do DATASUS (https://youtube.com/@DATASUSAOVIVO).


Porém, vejamos com lupa o desafio: Gilberto Freyre bem percebeu, ao seu modo e em seu tempo, que em todo médico há um pouco de sociólogo. Como não haver? Condição econômica, trabalho, residência, etc., são matérias de sociologia, e as diversas patologias, inclusive orais, não são passíveis de diagnóstico preciso e intervenção bem-sucedida sem compreender o paciente como um indivíduo que é dotado de um corpo biológico, mas também é partícipe em um grupo social que, em uma leitura durkheimiana, pode estar em funcionamento anormal. Nesse sentido, é razoável tanto pensar em uma sociologia da medicina orofacial e suas especificidades, algo completamente diferente (porém dialógico) da odontologia social, quanto pensar que a ausência de orientação sociológica na base da formação odontológica deixa uma lacuna que, já no seu tempo, Gilberto percebeu não só quanto aos que se ocupam das ciências médicas, mas aos profissionais liberais que tendem a centralizar seu ofício nos indivíduos e só, hoje dito potenciais clientes. Lições de antropologia social seriam, decerto, mais úteis para a compreensão da realidade que se apresenta do que o dito empreendedorismo que está em muitos desenhos curriculares dos cursos de graduação.

Nesse sentido, estarão os profissionais aptos a pensar com competência na saúde bucal como uma questão de saúde pública? Por exemplo: políticas relacionadas à odontopediatria são estratégicas como prevenção à tratamentos de maior custo ao longo da vida. Um acompanhamento bem-feito das crianças acarreta, ao longo do seu crescimento, em ausência de patologias bucais que teriam custo mais elevado. Dito isso: como fica a educação básica? Temos condições de fazer dela espaço de disseminação a partir de políticas de saúde bucal para as crianças nas escolas? E os pais? Eles foram algum dia também educado para cuidar bem da boca? Não deveriam também participar? Sendo ainda mais radical: ainda temos educação básica ou, com ou sem saúde bucal, estamos em apuros? O ponto fundamental é que, depois de resolver esse problema maior obviedade que era a ausência da saúde bucal no arcabouço legal do SUS, a partir de agora que o trabalho se inicia de fato, e há muito o que fazer. 

Quando George Washington usava sua dentadura de madeira para mastigar a comida e ajudou a fundar os EUA, o Brasil ainda não existia; ele não viu o nosso nascimento, pois morreu anos antes. Porém, apesar da nossa idade menor do que a do país que ele foi Pai Fundador, fizemos mais do que eles em termos de assistência à saúde, em todos os níveis de atenção. Podemos fazer muito mais, mas para que tal tarefa seja bem-sucedida havemos de formar gente para dar conta e ter orgulho dela. Somos o país com mais dentistas no planeta, então potencial temos. Tudo que os brasileiros e brasileiras querem é poder sorver, sem dor, com saúde e dignidade, o arroz e feijão que ainda não sabemos se um grande número da população terá no futuro próximo, quiçá no mais distante. Se para muitos ainda mal há recursos para comida, haverá recursos para pagar um consultório ou clínica privada?



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

terça-feira, 9 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 013 - ENTRE PELÉ E BEETHOVEN NA ANÁLISE DE CONJUNTURA


Escutemos o silêncio ao redor

 

Em memória de Fernando de Carvalho (Ferdo) – Uma presença da PRESENÇA e do Sebo João do Rio

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

 

Várias semanas se passaram desde que o Brasil foi atravessado por um silêncio ensurdecedor que veio do grande marco inicial, dos 100 dias de governo e o ataque de 8 de janeiro a Praça dos Três Poderes. No entanto, este ruído parece ter chegado atenuado a política do Palácio do Planalto, quem sabe se por ocasião de trabalhos de manutenção e restauro dos danos ao patrimônio, tem sido instalado um sistema muito avançado para evitar ruídos análogos que venham do mundo exterior, daquele mundo onde vivem o resto dos brasileiros.

A suspensão que ocorreu de trechos dos Decretos 11.466 e 11.467, ambos de 5 de abril por Projeto de Decreto Legislativo (PDL) da Câmara dos Deputados, apoiados pelo Ministério das Cidades do governo, num elemento que não havia sido essencial pois sequer houve debate de programa, parece ter surtido por hora efeito menor, questão que pode significar duas coisas: ou se têm nervos de aço ou se têm perda auditiva política severa.

A coisa sobre nervos de aço consagrado por Lupicínio Rodrigues e que coube nas histórias heroicas da Frente Democrática de outrora não tem combinado ainda e até aqui com o comportamento usual desse primeiro quadrimestre de governo, e parece que eles não estão entendendo o que ouvem.

Ainda não apareceu a mudança de orientação política que deve seguir um evento desta magnitude, os esboços que observamos até agora advindos da participação precisa do governo na agenda da corte do Reino Unido são insuficientes e mais do que responder ao que aconteceu, respondem aos problemas de gestão política que existem.


Sem dúvida, a mudança anunciada lá indica que vai caminhar na direção certa. No coração do Palácio, a inexperiência e a rigidez prometem ser substituídas pela experiência e a empatia, e a inexperiência e a euforia pela experiência e profissionalismo. Isso permitirá ampliar o espaço para a aplicação de políticas mais coerentes e eficazes, que reforcem as realizadas pelos Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda para que não se concentrem apenas na pauta fiscal, mas em promover o desenvolvimento do país. Mas essas mudanças por si só não podem corrigir o curso errático da atual administração, é necessária uma determinada mudança de orientação para obter resultados.

Para que essa mudança seja possível, é preciso que a palavra presidencial de a consistência da realização, perdure no tempo e seja acompanhada sempre de ações que a tornem real. A palavra governamental não pode ser uma série de impulsos verbais que mudam com muita frequência, que avançam e retrocedem, que tentam conciliar o inconciliável por meio de compensações.

Para isso, é fundamental entender o profundo significado do 8/1, para poder explicar o distanciamento que os brasileiros seguem demonstrando àquele evento bestial e reafirmam seu compromisso na esperança democrática.

Por isso ser necessária a nova orientação que não renuncie às mudanças, mas que respeite uma forma de realizá-las com o apoio da república. Além disso, uma governança de maior qualidade é essencial.

A alma da rejeição ao 8/1 é de uma alma moderada, que quer mudanças sem brigas nem imprudências, que quer acordos e não cara feia, que quer viver em paz e que as ruas não sejam campos de batalha de fanáticos inflamados por seus sonhos.

Isso ficou demonstrado pela mudança de clima com o qual vivemos os últimos feriados carnavalescos e o do 1° de maio e pela rapidez com que se descompactou a tensão após 8/1. Parece que começou a haver uma esperança de retorno à sanidade.

As pessoas agora estão esperando, sabem que a situação econômica não é boa e que vai demorar em se recuperar, e o que não podem esperar é que as reformas propostas não tenham efeitos imoderados, mas melhorem de fato suas vidas.

O fato de os cidadãos agirem com paciência republicana e democrática não significa que estejam resignados a uma gestão medíocre de discurso altissonante. Ela não desanima, pois sabe que seu voto é capaz de mudar o que já parecia um destino. É tempo de prestar atenção aos cidadãos que não marcham, não gritam, não destroem, mas votam serenamente. Para mudar de rumo, é fundamental tomar as decisões anunciadas e evitar as visões contraditórias que se produzem dentro do governo, que mancham a sua figura.

O país não conseguirá enfrentar com sucesso os desafios que se avizinham se quem o dirige não criar condição para retomar o crescimento pactuando uma boa reforma tributária sustentável, entre outras mudanças.


Nem o poderá fazer se não deixar de dar sinais ideológicos como o faz aos mais diversos níveis, desde os usos diplomáticos, a visão míope do papel dos acordos comerciais que são essenciais para uma economia como a nossas falsas visões sobre a trajetória da desigualdade nas últimas décadas e muitos outros sinais típicos do bestiário maximalista.

Um novo sujeito reformador com outras formas e outras tarefas começam a ocupar o grande vazio de um reformismo progressista pálido. A Frente Democrática vem se estabelecendo com sucesso e outras expressões políticas também surgirão oferecendo novas alternativas para o futuro.

Surgem posições mais maduras e liberais no centro e na direita que são consideradas diferentes da direita rígida e imóvel. As mudanças também ocorrerão na esquerda e o atual bestiário maximalista provavelmente começará a retroceder. Se assim for, pode-se retomar uma ação política mais favorável a acordos amplos sobre futuras reformas e uma governança mais eficiente, voltada para a solução de problemas prementes.

Oxalá isso se concretize antes que o acúmulo de desenvolvimento e democracia construído nas últimas décadas seja novamente posto à prova como se viu no 8/1, e que pouco a pouco possamos ver novamente números decrescentes de desigualdade e pobreza e crescente de progresso e crescimento rumo ao estado de bem-estar, mas para isso não se pode fazer ouvidos moucos e escutemos o silêncio ao redor.

 

7 de maio de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

SÉRIE ESTUDOS - 50 ANOS DA NOVELA O BEM AMADO (REDE GLOBO)


 

O Bem-amado e o museu de grandes novidades

          Dedicado ao 8 de maio, dia da Vitória dos Aliados contra o nazifascismo

Por Pablo Spinelli

Entre o século passado e o atual foi feito um esforço acadêmico e político em dissolver qualquer possibilidade de síntese (ou “grande narrativa”) em defesa dos interesses atomizados. O que começou na academia sob influência do pensamento de 1968 vicejou pela classe média, pela cultura e chegou à massa popular e às elites econômicas. O bug do milênio (a “loira do banheiro” e a “baleia azul” de 1999) foi o desemprego estrutural, o aumento do neopentecostalismo com um “cristianismo de resultados”, o poder associativo dos anos 1970-80 como associação de moradores e grêmios estudantis diluindo-se nos “eus soberanos”. Não há, como escreveu o historiador Ciro Cardoso a “História” com maiúscula, mas as “histórias de”. O fragmento, a valorização da diferença, o divisionismo, a perspectiva de controle de fatias do mercado pela quantidade de melanina ou pelo uso do pronome, programas que demonizavam a política, o discurso da meritocracia e do empreendedorismo criaram, numa satânica combinação,  uma montanha que pariu o capitão rato.

Caso tenha chegado até aqui, bravx leitorx, o tema são os 50 anos da estreia da novela “O Bem-Amado” na Rede Globo no horário das 22 horas, o que seria o equivalente à 1h da manhã nos padrões atuais. Uma novela que só poderia ir ao ar a partir dessa hora para não sofrer com a censura mais do que já era previsto. O seu autor, o baiano Dias Gomes, readapta sua peça teatral para o meio da comunicação de massa em 1973. Um comunista trabalhando na maior emissora de comunicação do país. O Bem-Amado foi a primeira novela em cores do país. E foi uma das mais perfeitas sínteses do Brasil no século passado.


O prefeito Odorico Paraguaçu (interpretação imortal de Paulo Gracindo) da fictícia cidade de Sucupira estava obcecado em fazer algo vistoso em seu mandato. A sua iniciativa empreendora foi criar um cemitério municipal. Porém, por motivos da Fortuna, ninguém na cidade morria. Dias Gomes, em pleno Governo da Ditadura Militar, usou e abusou do termo que a literatura de Jorge Amado e a sociologia de Vítor Nunes Leal consagraram sobre as práticas políticas do mundo agrário: o coronel. Ao mesmo tempo, estreando como ator na Globo, Lima Duarte viveu de forma tão imortal o pistoleiro arrependido Zeca Diabo, cuja alcunha era como a do cangaceiro Lampião: capitão. Pronto. Coronel e Capitão eram usados em associação com autoritarismo, corrupção, imoralidade, lascívia, assassinato. Demorou, mas a censura percebeu e mandou parar com os termos.

A trama apresenta o famoso trio das “Irmãs Cajazeiras” – mulheres de profunda religiosidade e defensoras da moralidade e da virtude que não conseguiam sucumbir ao licor de jenipapo e, sem saber, faziam um vanguardista poliamor com o Prefeito viúvo, a ponto de uma delas engravidar do coronel e a responsabilidade recair em um gago com orientação sexual fluída 50 anos antes de Fred Nicácio do BBB 23, o subserviente Dirceu Borboleta (Emiliano Queiróz, magistral), que será responsável por um crime passional similar ao que apareceu em Gabriela, de Jorge Amado. Era a crítica ao patriarcado feito por um homem.

Há que se destacar o casal vivido por Milton Gonçalves e Ruth de Souza, pioneiros da presença negra na teledramaturgia nacional. O Zelão das Asas de Milton era o homem simples, pescador, que tinha que voar para pagar uma promessa – o voo era a metáfora para a liberdade, para a democracia – e a Chiquinha do Parto representava a sabedoria feminina tradicional, quem acudia o depressivo e revoltado Dr. Juarez Leão, (Jardel Filho) o único que afrontava cinicamente o poder.

Não menos importante é a oposição. O dentista Lulu Gouveia (Lutero Luiz) era o vereador da oposição a Odorico. Bom no discurso, na defesa da ética, seu perfil era apoiado pelo idealista intelectual periférico Neca Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), jornalista responsável pelo jornal da cidade. A família que se opunha aos Paraguaçu-Cajazeiras, os Medrados, também eram da oposição ao Prefeito. Destaca-se a mulher da casa que fazia o papel de delegada no lugar do marido, Donana (Zilka Salaberry). Eis a questão: no que há de diverso entre patriarcado e matriarcado?


Dentre os vocabulários únicos criados para o Odorico, a novela apresentava a exploração da mão de obra de pescadores num sistema de cooperativa sem CLT organizado pelo vil Jairo Portela (Gracindo Jr.). Além do coronelismo, esse ponto, pouco explorado pelos historiadores da cultura do período é importante ser lembrado em tempos de uberização e sem revogação da reforma trabalhista. Tirando os maneirismos e gírias da época, quais as grandes diferenças entre os jovens Telma (Sandra Bréa) e Cecéu (João Paulo Adour) e os de hoje? A Igreja, na figura do Vigário (que não tem nome), tenta equilibrar os antagonismos da cidade. Profeticamente, Dias Gomes coloca um triste vaticínio para a massa popular: todos virarem o Nezinho do Jegue (Wilson Aguiar) que, quando sóbrio gritava Viva Odorico! e, quando embriagado, Abaixo Odorico!

O Bem-amado é uma referência da cultura nacional-popular que atua como o anjo da história. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, o anjo vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de individualismo pautado nos interesses. Parece revolução, mas é só neoliberalismo.



sábado, 15 de abril de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 012 - SAÚDE MENTAL NAS ESCOLAS


 Professor se fantasia em Darth Vader durante as aulas on-line em 2020

Sociedade das Escolas Mortas

Vagner Gomes de Souza

 

Não há um grande evento na história das multidões que não gere inúmeros traumas que podem abalar com a psique dos indivíduos. Nossa sociedade amplamente individualizada desde que os impactos de duas décadas de smartphones tenham entrado em ação com suas seguidas atualizações e fragmentações em redes sociais nos faz pensar o tempo gasto pelas novas gerações diante das “maquinações digitais”. Os bots como se fossem os “clones” a serviço de um subterrâneo em distintos subconscientes. Assim estamos a mercê dos perigos do contrataque do Império com Darth Vader em série.

 A velocidade das imagens competindo com a leitura e dando círculos nas mentes das pessoas esvaziadas de conhecimento diante de uma educação em ruínas. As escolas por muito tempo ficaram sem atividades presenciais no Brasil na pandemia da COVID19, diante de uma omissão do Ministério da Educação ideologizado no governo derrotado nas urnas em 2022. Muito se prometeu, mas pouco se fez para que alunos fossem acolhidos naquela fase em relação ao ensino a distância.

As redes de ensino públicas, sejam estaduais ou municipais, mais pensaram em gastar em plataformas digitais que exigissem aos profissionais de educação o cumprimento de uma carga horária de ensino para um diminuto público. A memória da educação pública brasileira na pandemia não pode ser silenciada, mas, aos poucos, parece que não houve problemas socioemocionais desde que os índices de reprovação estejam sempre abaixo de “metas” tecnocráticas que se dizem pedagógicas.

Então, muitos jovens alunos se viram em níveis escolares sem saber ler ou escrever e as autoridades da Educação sorrindo como se tudo estivesse na mais perfeita tranquilidade. Olhares tristes desses jovens que percebem o abandono enquanto que as forças ocultas do ódio avançou diante deles via redes sociais. Então, precisamos muito de falar sobre a saúde mental das alunas e alunos que sofreram e podem ainda estar a sofrer inúmeras formas de violência.

Errados eram aqueles que avaliavam que um simples recomeçar das aulas presencias iria fazer a reconstrução da educação. Não é momento para ampliar o balanço de tamanho descaso, porém suas feridas estão a disposição da nação brasileira e muitos profissionais capacitados podem auxiliar nesse debate. Não se assustem com a realidade sombria diante de nós, mas tudo é fruto de planos educacionais em que as escolas tenham morrido como espaço de reflexão da República em favor da democracia.

O descaminho se faz com a redução de cargas horárias de disciplinas como Geografia e História (rede de ensino que fez isso não está ao lado de uma saúde do aprendizado). O negacionismo sobre as mudanças climáticas é uma realidade na juventude enquanto há jovens que pouco sabem sobre o mundo no entreguerras e se tornaram possíveis “presas” de grupos extremistas.

Assassinaram a gramática como se fosse o fruto da base autoritária da sociedade, porém sem ela não há uma liberdade para melhor interpretar o nosso mundo ao redor. Estamos num século de muitas mudanças velozes e assumindo muitas novas tecnologias diante de uma juventude com pouco conhecimento e reconhecimento da ciência. Os números nos falam, contudo poucos entendem a vida diante dos números uma vez que a matemática foi colocada como “vilã” de nosso sistema educacional. As metas trilhadas muitas vezes intimidam os profissionais de educação.

Mentes insanas em corpos aprisionados a aparelhos de celulares ou fones de ouvidos para se ouvir musiquinhas repetitivas. Joguinhos em grupos clandestinos nos deep web. E seguimos em nossos dias letivos vazios de debate e reflexão. Mais uma vez a saída tem que nascer na Educação com uma gestão do Ministério de Educação que coordene as redes municipais e estaduais de ensino em profundo diálogo com o Ministério da Saúde. Fala-se muito na necessidade de levar psicólogos para as escolas e nada se faz referência em começar por levar as escolas para conhecer o espaço público da cidade a partir de seus bairros. Passeios pedagógicos são necessários com maior frequência e como parte da carga horária do ano letivo. Ou seja, usar melhor a verba da educação com educadores e alunos em salas de cinema, em teatros, em apresentações musicais, etc., pois agora temos o Ministério da Cultura que voltou. Uma sugestão para a nova abordagem para o Novo Ensino Médio e para as redes municipais de educação que custariam menos que a militarização do ambiente escolar.


segunda-feira, 10 de abril de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 011 - CEM DIAS DO GOVERNO LULA & ALCKMIN E A LENDA PURI


 

Os Originários princípios da República e da Democracia

Vagner Gomes de Souza

 

A lenda da Pedra Sonora conta que há muitos anos, na região da Mantiqueira, os índios Coroados disputavam com os índios locais, os Puris, a posse das terras. Certo dia, um chefe índio, fazendo reconhecimento do local, recebeu uma flechada no pescoço. Impossibilitado de gritar por socorro, sentindo que ia morrer, ajoelhou-se junto à pedra, deixando seu machado cair sobre ela. A pancada emitiu um som que ecoou pela encosta. Ao constatar o fenômeno, o índio bateu outras vezes com o machado. Curiosos com o ruído que ouviram seus companheiros não tardaram a chegar ao local, a tempo de salvá-lo.

Eis que assim foram os eventos que se desdobraram após o 8 de janeiro desse ano, quando os atos contrários as instituições da República ocorreram em Brasília demonstrando a gravidade presente na sociedade brasileira diante das mobilizações antipolíticas. Fez-se necessário agregar todas as forças comprometidas com o arcabouço da carta de 1988 para isolar esses devaneios. A lenda da Pedra Sonora é essa lição de unidade e agregação para repudiar aqueles que acham possível refundar nossa nação. Nossa força de mobilização contra as ameaças se faz com mais unidade sempre.

A nação brasileira é um processo em formação a partir de muitos “povos”. Nossa democracia política necessita aprimorar seu conhecimento sobre essas origens sem que trilhemos os “atalhos” de um sectarismo. Por exemplo, os povos indígenas muito contribuíram na formação da família brasileira, portanto a iniciativa do Governo Federal em criar o Ministério dos Povos Indígenas como atenção a uma promessa de campanha é um marco civilizatório desses primeiros 100 dias de governo na trilha de uma frente democrática. O sentido da casa brasileira emergiu na rede indígena segundo alguns estudiosos esquecida na literatura acadêmica muita prisioneira de modismos eurocêntricos.

O marco regulatório do Ministério dos Povos Indígenas tem sua atual estrutura organizacional disciplinada pelo Decreto federal nº 11.355, de 1º de janeiro de 2023. Sua estrutura com mais de 80 cargos comissionados e funções gratificadas deve estar a serviço de aprofundar o debate das lições que a unidade se faz a partir da diversidade. Entretanto, o sucesso de tamanha inovação deve passar por uma melhor percepção dos ganhos educacionais da Lei 11645/2008 que aborda sobre o ensino da temática indígena.

As trilhas do conhecimento sobre o tema não se faz em poucos dias de Governo diante dos problemas que foram de uma campanha eleitoral com pouco debate programático. Entretanto, por exemplo, somos uma nação que em 1971 teve o filme “Como era gostoso meu francês” com roteiro de Humberto Mauro e Nelson Pereira dos Santos. Em mais de cinco décadas poderíamos dizer que muito se tem aprendido sobre o nosso país em sua manifestação antropofágica distinta das denuncismo de nossa história. “Tupi or not Tupi”, eis que também aprendemos sobre as lendas dos Puris. E nesse sentido não há como fazer da Educação um processo de regeneração ou reconstrução de outros caminhos. Esse poderia ser o aprendizado da luta contra o autoritarismo na ditadura militar no qual o “milagre econômico” de um desenvolvimentismo sem democracia atingiu muitos povos indígenas.

Nesses cem dias do governo de Frente Democrática podemos perceber que há muitas forças políticas ainda a se juntar para que avancemos. A tarefa democrática se faz muito também com a valorização da inserção dos aprendizados tradicionais e de uma memória que marcam a luta dos povos indígenas. Portanto, realçamos a necessidade da defesa de um amplo debate sobre educação brasileira atacada nesse momento pelas forças retrógradas, que dialogam com um “fascismo digital” e tenta recrutar uma juventude que nem trabalha e nem valoriza o estudo. A Carta de 1988 deve ser a pedra sonora emitir os sons da República e da Democracia pela sua pauta de bem estar social.

sábado, 8 de abril de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 010 - CEM DIAS DE GOVERNO LULA & ALCKMIN


Por um Brasil a toda prova

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Entre as ruínas do Fórum Romano, muito perto da Basílica Emília, existiu outrora o templo de Jano que abrigou sua estátua de bronze. Era um templo pequeno, mas de antiga linhagem. Hoje existe apenas o vestígio com uma pequena estrutura de tijolos que continua a desafiar o passar dos séculos.

Jano era um Deus muito singular, pois não vinha de uma mistura sincrética com a tradição cultural da península grega. Talvez seja também por isso que os romanos sentiram uma fraqueza particular por ele. Ele era um Deus popular e amado que geralmente apelava para coisas gentis e protetoras.

Sua figura foi representada com duas faces olhando em direções opostas. Ele era um Deus de muitas coisas, do começo e do fim, da entrada e da saída, do passado e do futuro, ele era o protetor de Roma tanto na paz, quando seu templo permanecia com as portas fechadas, quanto na guerra quando aquelas portas se abriam.

Ele era o Deus da mudança das estações e nem mais nem menos do que o guardião dos portões do céu. Sua condição de dupla face sugeria que ajudava na reflexão sobre decisões complexas.

Por isso, os romanos deram nome ao primeiro mês do ano, janeiro (Ianuarus) e chamaram Ianiculus a uma das mais belas colinas de Roma, aquela que circunda Trastevere e o cemitério que sepultou Antonio Gramsci, e quem sabe seja o bairro mais romano em Roma, que hoje é percorrido por milhões de turistas, com olhos ávidos de história e cor.

Mas Jano, com duas faces olhando em direções opostas, é necessariamente um Deus ambíguo, pede uma dupla interpretação: para onde ele nos diz para ir? Qual é a direção que devemos tomar? É sobre isso que queremos refletir, claro que sob o manto protetor de Jano.

Há 100 dias assumiu o governo de Lula e Alckmin, que possuem ambos uma forma de apego à religião cristã, mas até onde sabemos nenhuma à mitologia, inclusa a da Roma Antiga antes de tornar o cristianismo sua religião, e eles tem se revelado diligentes em face às provações correntes.

Mas cabe esclarecer desde o início que a ambiguidade não é um conceito necessariamente depreciativo. Tudo circunda no uso que lhe é dado e, como tantas outras coisas, em que dose é mobilizada. O ambíguo é o que pode ser interpretado de diversas formas e as diversas interpretações podem fazer sentido. Isso significa que o uso de certa ambiguidade é capaz de evitar conflitos, poupar humilhações, abrir possibilidades de convivência que o excesso de límpida franqueza tornaria impossível.

Vocês conseguem imaginar a vida diplomática sem uma dose adequada de ambiguidade? Ou acordos políticos, relações trabalhistas, sem ao menos um pingo de ambiguidade, sem dúvida seriam uma dificuldade intransponível.

O atual governo começou a praticá-lo antes mesmo de existir, durante o segundo turno de sua eleição, quando surgiu uma segunda faceta agregadora da chapa, serena, simpática, assumindo o véu da Frente Democrática.

Uma vez no governo, como era de se esperar, ele nomeou um grupo dirigente para os cargos principais, agradável ao seu coração, mas muito mais reconstrução do que união; no entanto, ele colocou Nísia Trindade Lima, uma reformadora proeminente, no Ministério da Saúde. Isso produziu no Brasil e no exterior uma boa expectativa.


Marcelo Camargo AB

O período de instalação do governo foi marcado por muitos erros por conta de posições doutrinárias e problemas de gestão, mas também por acertos na defesa da estabilidade econômica e política internacional, onde embora houvesse erros pontuais. Nesse sentido, a ambiguidade do governo permitiu-lhe manter certo equilíbrio.

Sem dúvida, uma boa intuição política levou Lula e Alckmin a gerar uma nova correlação de forças entre as alianças para governabilidade, mais condizente com a realidade da Frente Democrática. Isso também tem gerado uma melhora na gestão, com a inclusão de políticos, principalmente políticos com capacidade de governo em cargos de decisão.

Mas essa ambiguidade do governo tem permitido manter a estante de pé, mas não é suficiente para dar boas políticas públicas ao país. É necessária uma orientação programática mais clara para melhorar a liderança e a gestão e enfrentar questões muito difíceis nas esferas econômica e social, como a crescente percepção de insegurança diante da presença das milícias, do narcotráfico e do crime organizado. Os recentes passos para avançar nos acordos de segurança publica cidadã é um bom presságio, que esperamos não ser frustradas por considerações mesquinhas. É necessário reduzir ao mínimo a ambiguidade e abraçar uma orientação consistente, que evite o sentimento de confusão, ambivalência, dúvida, desconfiança e turvação que obscurece toda a clareza sobre para onde vai o país.

Urge, pois, estabelecer uma nova orientação programática, mais clara e compacta, capaz de promover reformas sustentáveis ​​e consensuais. Se assim não o fizermos, poderemos ter uma má surpresa com o fim deste governo, que, tendo prometido ser o mais avançado da nossa história, pode terminar o seu mandato não só maltratado a língua vernácula com o uso abusivo de palavras supostamente inclusivas, mas também com os seus números, podendo mesmo ir ao ponto de mostrar um crescimento da desigualdade. Isso pode ser evitado. Para isso é necessário um forte senso republicano de Estado e uma profunda lealdade democrática aos interesses estratégicos do Brasil sobre quimeras ideológicas e cumplicidades tribais.

É melhor fechar a porta do templo de Jano e levar a Frente Democrática adiante. Na nossa experiência, não para reconstruir uma volta seja lá ao que, mas a união por um Brasil mais próspero e justo. Este é o caminho para se construir, passo a passo, um Estado de Bem-Estar Social firme.

 

7 de abril de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.