terça-feira, 9 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 013 - ENTRE PELÉ E BEETHOVEN NA ANÁLISE DE CONJUNTURA


Escutemos o silêncio ao redor

 

Em memória de Fernando de Carvalho (Ferdo) – Uma presença da PRESENÇA e do Sebo João do Rio

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

 

Várias semanas se passaram desde que o Brasil foi atravessado por um silêncio ensurdecedor que veio do grande marco inicial, dos 100 dias de governo e o ataque de 8 de janeiro a Praça dos Três Poderes. No entanto, este ruído parece ter chegado atenuado a política do Palácio do Planalto, quem sabe se por ocasião de trabalhos de manutenção e restauro dos danos ao patrimônio, tem sido instalado um sistema muito avançado para evitar ruídos análogos que venham do mundo exterior, daquele mundo onde vivem o resto dos brasileiros.

A suspensão que ocorreu de trechos dos Decretos 11.466 e 11.467, ambos de 5 de abril por Projeto de Decreto Legislativo (PDL) da Câmara dos Deputados, apoiados pelo Ministério das Cidades do governo, num elemento que não havia sido essencial pois sequer houve debate de programa, parece ter surtido por hora efeito menor, questão que pode significar duas coisas: ou se têm nervos de aço ou se têm perda auditiva política severa.

A coisa sobre nervos de aço consagrado por Lupicínio Rodrigues e que coube nas histórias heroicas da Frente Democrática de outrora não tem combinado ainda e até aqui com o comportamento usual desse primeiro quadrimestre de governo, e parece que eles não estão entendendo o que ouvem.

Ainda não apareceu a mudança de orientação política que deve seguir um evento desta magnitude, os esboços que observamos até agora advindos da participação precisa do governo na agenda da corte do Reino Unido são insuficientes e mais do que responder ao que aconteceu, respondem aos problemas de gestão política que existem.


Sem dúvida, a mudança anunciada lá indica que vai caminhar na direção certa. No coração do Palácio, a inexperiência e a rigidez prometem ser substituídas pela experiência e a empatia, e a inexperiência e a euforia pela experiência e profissionalismo. Isso permitirá ampliar o espaço para a aplicação de políticas mais coerentes e eficazes, que reforcem as realizadas pelos Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda para que não se concentrem apenas na pauta fiscal, mas em promover o desenvolvimento do país. Mas essas mudanças por si só não podem corrigir o curso errático da atual administração, é necessária uma determinada mudança de orientação para obter resultados.

Para que essa mudança seja possível, é preciso que a palavra presidencial de a consistência da realização, perdure no tempo e seja acompanhada sempre de ações que a tornem real. A palavra governamental não pode ser uma série de impulsos verbais que mudam com muita frequência, que avançam e retrocedem, que tentam conciliar o inconciliável por meio de compensações.

Para isso, é fundamental entender o profundo significado do 8/1, para poder explicar o distanciamento que os brasileiros seguem demonstrando àquele evento bestial e reafirmam seu compromisso na esperança democrática.

Por isso ser necessária a nova orientação que não renuncie às mudanças, mas que respeite uma forma de realizá-las com o apoio da república. Além disso, uma governança de maior qualidade é essencial.

A alma da rejeição ao 8/1 é de uma alma moderada, que quer mudanças sem brigas nem imprudências, que quer acordos e não cara feia, que quer viver em paz e que as ruas não sejam campos de batalha de fanáticos inflamados por seus sonhos.

Isso ficou demonstrado pela mudança de clima com o qual vivemos os últimos feriados carnavalescos e o do 1° de maio e pela rapidez com que se descompactou a tensão após 8/1. Parece que começou a haver uma esperança de retorno à sanidade.

As pessoas agora estão esperando, sabem que a situação econômica não é boa e que vai demorar em se recuperar, e o que não podem esperar é que as reformas propostas não tenham efeitos imoderados, mas melhorem de fato suas vidas.

O fato de os cidadãos agirem com paciência republicana e democrática não significa que estejam resignados a uma gestão medíocre de discurso altissonante. Ela não desanima, pois sabe que seu voto é capaz de mudar o que já parecia um destino. É tempo de prestar atenção aos cidadãos que não marcham, não gritam, não destroem, mas votam serenamente. Para mudar de rumo, é fundamental tomar as decisões anunciadas e evitar as visões contraditórias que se produzem dentro do governo, que mancham a sua figura.

O país não conseguirá enfrentar com sucesso os desafios que se avizinham se quem o dirige não criar condição para retomar o crescimento pactuando uma boa reforma tributária sustentável, entre outras mudanças.


Nem o poderá fazer se não deixar de dar sinais ideológicos como o faz aos mais diversos níveis, desde os usos diplomáticos, a visão míope do papel dos acordos comerciais que são essenciais para uma economia como a nossas falsas visões sobre a trajetória da desigualdade nas últimas décadas e muitos outros sinais típicos do bestiário maximalista.

Um novo sujeito reformador com outras formas e outras tarefas começam a ocupar o grande vazio de um reformismo progressista pálido. A Frente Democrática vem se estabelecendo com sucesso e outras expressões políticas também surgirão oferecendo novas alternativas para o futuro.

Surgem posições mais maduras e liberais no centro e na direita que são consideradas diferentes da direita rígida e imóvel. As mudanças também ocorrerão na esquerda e o atual bestiário maximalista provavelmente começará a retroceder. Se assim for, pode-se retomar uma ação política mais favorável a acordos amplos sobre futuras reformas e uma governança mais eficiente, voltada para a solução de problemas prementes.

Oxalá isso se concretize antes que o acúmulo de desenvolvimento e democracia construído nas últimas décadas seja novamente posto à prova como se viu no 8/1, e que pouco a pouco possamos ver novamente números decrescentes de desigualdade e pobreza e crescente de progresso e crescimento rumo ao estado de bem-estar, mas para isso não se pode fazer ouvidos moucos e escutemos o silêncio ao redor.

 

7 de maio de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

Um comentário:

José Bezerra de Oliveira disse...

Excelente artigo! Compartilhando!