Mrs.
Obama e a bengala de seu pai
Vagner Gomes de
Souza[1]
“Não o conflito
violento entre partes da verdade, mas a supressão silenciosa de metade dela é o
mal formidável: há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a ouvir
ambos os lados; É quando atendem apenas a um que os erros se endurecem em preconceitos,
e a própria verdade deixa de ter o efeito de verdade, por ser exagerada em
falsidade. E como há poucos atributos mentais mais raros do que aquela
faculdade judicial que pode sentar-se em juízo inteligente entre dois lados de
uma questão, dos quais apenas um é representado por um advogado diante dela, a
verdade não tem chance senão na proporção que cada lado dela, toda opinião que
incorpora qualquer fração da verdade, não só encontra advogados, mas é tão
defendido que deve ser ouvido. Reconhecemos agora a necessidade para o
bem-estar mental da humanidade (do qual dependem todos os outros outros
bem-estar) da liberdade de opinião e da liberdade de expressão de opinião (...)”
John Stuart Mill
- On
Liberty, p. 60.
O nome Michelle ganha
uma diversidade de conotações políticas no mundo político brasileiro diante dos
limites da leitura da análise de conjuntura. O tema da tolerância definida por
John Stuart Mill em seu clássico livro On Liberty colocaria a versão brasileira
como a grande força de um movimento de empreendedorismo como forma de
empoderamento feminino. A circulação livre do pensamento num “mercado de ideias”
sob o ponto de vista de uma identidade nacional e com viés religioso. Os
atributos de uma tolerância que não implica em mais democracia, porém nos
atentemos que essa leitura americanizada e autônoma observou no perfil de
muitas expressões de candidaturas identificadas com o campo progressista.
O liberalismo político
muito se expandiu nesse mundo globalizado, porém digamos que dos princípios de
uma luta pela tolerância enunciadas por Locke a muito dos desafios apresentados
por Hobbes. Não nos esqueçamos de também que Mill escreveu um ensaio entre os
pioneiros na luta pelos direitos das mulheres (A Sujeição das Mulheres) pouco conhecido por aqueles que se enjaulam
nas opiniões simplistas. A força das mulheres na política é um impacto que se
deve mensurar diante dos desafios da Democracia uma vez que muitas lideranças
políticas femininas desde a Senhora Thatcher assumiram esse legado distante do
compromisso com o reformismo social mesmo que alimentasse o reformismo societal
de costumes.
Em suas notas sobre o
americanismo e o fordismo, Gramsci se atentou em relação aos aspectos da
questão sexual. Segundo o pensador sardo, “a função econômica da reprodução:
ela não é apenas um fato geral, que interessa à sociedade em seu conjunto, para
a qual é necessária uma determinada proporção entre diversas idades tendo em
vista a produção e a manutenção da parte passiva da população (passiva em
sentido normal, por idade, por invalidez, etc.), mas é também um fato ‘molecular’,
interior aos menores aglomerados econômicos, como a família.”[2] Desde
o Manifesto de 1848, a leitura marxista sobre esse tema que não nos seria
estranha em enunciar os novos sujeitos da sociedade em distinção aos movimentos
de natureza reacionária como observamos na gestão italiana de Georgia Meloni.
Portanto, os tempos
políticos de incertezas nos permitem a afirmar que nenhuma postulação política
está consolidada com antecedência diante da emergência de um eleitor-vigilante
que se alimenta da denúncia para se fazer ativo na política. Toda reeleição
legislativa (vejam os exemplos recentes de eleições legislativas em Portugal,
parlamento da União Europeia, Inglaterra e França) é um grande desafio na
política contemporânea o que fez muitos parlamentares democratas irem ao
desespero diante das falas do presidente Joe Biden na sua insistência em
disputar a reeleição diante de uma candidatura negacionista do bom senso da
política democrática.
O tempo urge por uma saída
honrosa para as forças democráticas norte-americanas. Há um silêncio respeitoso
sobre a Senhora Obama uma vez que a tarefa é árdua para um partido que se deixou
contaminar por uma individualização dos sujeitos excessiva. Todavia a percepção
de Michelle Obama sobre Laura Bush desde a visita da Casa Branca na transição é
um primor para aqueles que desejam defender a tolerância contra as nuvens
cinzentas da invasão do Capitólio e suas derivações. A grandeza política dela
se observa tanto em Minha História quanto
em A Luz que nos Ilumina: Superação em
tempos incertos livros de memórias comparáveis às memórias tocquevillianas,
porém poucas lideranças políticas aprenderam com a leitura da ex-primeira dama
que na introdução de seu livro de 2022 menciona o desafio de seu pai em dar
seus passos na vida com o uso de uma bengala. A lembrança da “bengala” do pai
de Obama é um pouco do que se espera de novos rumos a se dar em trajetórias
políticas aqui em alhures. Desde que tenhamos sanidade na política.