quarta-feira, 26 de junho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 042 - DESAFIO DA LEITURA

Novo tempo, novas dinâmicas

 

Marcio Junior[1]

 

O contexto econômico global enfrenta um momento adverso e de profundas mudanças, aceleradas pela pandemia de COVID-19. Com a desaceleração econômica global consequente da Emergência de Saúde Pública e as tentativas feitas pelas economias globais de caminharem rumo à recuperação, foi iniciada a absorção e formulação de respostas aos fatores recessivos de curto prazo que a pandemia causou.

Estes fatores de curto prazo tiveram consequências diretamente no mundo do trabalho, sobretudo no emprego juvenil, pois mesmo com a detecção de lentas recuperações no mercado de trabalho em alguns setores, estas estão ocorrendo de forma desigual, com baixa presença ou até mesmo ausência dos mais jovens, que são a faixa etária cuja maior dificuldade de regresso é sintomática da ocorrência de mudanças diferentes das causadas pela pandemia, ou seja, estruturais e de longo prazo.

Estas mudanças, apesar de aceleradas pela pandemia, tiveram início anteriormente a ela. Caracterizadas por fatores como o avanço tecnológico e seus consequentes impactos, pelas mudanças climáticas e pela queda de produtividade associadas ao aumento de formas temporárias de contratação e diminuição de horas semanais trabalhadas, demonstram que as dificuldades relativas ao trabalho (principalmente juvenil) são mais profundas e complexas. As alterações nas estruturas do trabalho no mundo e seus efeitos podem estar ainda no seu início; mas já se demonstram caracterizadas, por conta do avanço da tecnologia digital e da conexão permanente que possibilita a troca progressivamente mais veloz de informações, pelo aumento do ritmo de mudanças em comparação ao passado, exigindo de quem exerce diversos tipos de atividades profissionais um aprendizado constante e novas formações ao longo de toda a vida, desaprendendo habilidades que podem ficar defasadas em curto período de tempo e aprendendo novas.

Este quadro exige, decerto, educação que dê as gerações condições de adaptabilidade e aprendizado constante e, frente a ele, existem dificuldades operativas de repassar conhecimentos básicos necessários para os jovens avançarem efetivamente na vida escolar e transicionarem dela para esta nova vida profissional. Segundo os resultados do Progress in International Reading Literacy Study – PIRLS (Estudo Internacional de Progresso em Leitura), realizada em 2021, cerca de 38,4% dos estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental não conseguiam localizar, recuperar e reproduzir informações declaradas explicitamente em textos informativos predominantemente fáceis, o que compromete o aprendizado que virá a seguir, inclusive em outras disciplinas. Dos 57 países participantes, o desempenho do Brasil na escala ficou acima somente do Irã, Jordânia, Egito, Marrocos e África do Sul. A habilidade de ler é decisiva, pois a escrita e a consequente capacidade de compreensão são e será uma das principais fontes pelas quais o indivíduo pode fazer uso de sua capacidade cognitiva para adquirir novos conhecimentos ao longo da vida e não só, e sua deficiência significa uma situação de vulnerabilidade frente aos desafios contemporâneos.


As relações entre as gerações, no âmbito familiar, complexificam o quadro e, se avaliadas, demonstram que ajudam a explicar parte das dificuldades educacionais observadas. Isso significa que a educação das gerações anteriores e a participação delas na formação das gerações posteriores tem um peso significativo, demonstrando que as dificuldades educacionais de uma determinada geração não são explicadas somente por ela mesma. Segundo a mesma pesquisa, cerca de 64% dos alunos da mesma série escolar mencionada anteriormente tinham, em casa, menos de 25 livros, menos de 25 livros infantis, nenhum dos pais tinha escolaridade superior ao ensino médio e não possuíam pequena empresa ou trabalhavam em cargo administrativo ou profissional. Nesse sentido, podemos entender que é improvável, nos domicílios deste conjunto de estudantes, que havia o hábito de ler e que ele fez parte da socialização domiciliar. Mesmo assim, está na percepção dos pais o impacto da pandemia sobre o progresso da aprendizagem: 97% dos estudantes ficaram em casa e, desta proporção, a percepção dos pais foi de que 49% dos estudantes foram um pouco afetados adversamente por ter ficado em casa durante a Emergência, enquanto 37% perceberam o estudante muito afetado.

As consequências podem ser inúmeras e imprevisíveis, mas dentre as possibilidades mais prováveis e já visíveis estão o escoamento de grande número de pessoas das novas gerações, mas não só os jovens, para a informalidade e vulnerabilidade social, além da expressiva perda de capital humano. Em 2023 o Brasil contabilizou cerca de 9 milhões e 600 mil jovens de 15 a 29 anos que não estavam ocupados e não frequentam escola, nem cursos pré-vestibular, técnico de nível médio, normal (magistério) ou qualificação profissional. Somente os jovens de 18 a 24 anos concentram 5 milhões e 300 mil pessoas nesta condição, representando mais de 55% dos jovens de 15 a 29 anos. Mesmo assim, trabalhar com esses dados podem apresentar problemas operacionais: enquanto as mudanças na estrutura do sistema produtivo já levam ao escoamento da força de trabalho para a informalidade, esta não é captada, pois é possível atender a diversos parâmetros que, em tese, “formalizam” o trabalhador sem ele estar nesta condição, como, por exemplo, um pedreiro ou camelô que, ao obterem status de Microempreendedor Individual, possuem CNPJ e contribuem com a Previdência Social e, consequentemente, não são contabilizados estatisticamente como informais, o que dificulta em muito a formulação de diagnósticos e políticas.

Frente às questões cotidianas como greves em nada relacionadas com a educação e com balanço negativo em todos os sentidos (principalmente para os jovens), a sua reconstrução no mundo se mostra um desafio complexo e demorado, que demandará esforço e desenvoltura dos intelectuais comprometidos com ela. Ao longo deste necessário tempo para tal feito, eles ainda existirão?

 



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ, Consultor Educacional da Teia de Saberes e responsável pelo Treinamento e Desenvolvimento Profissional da Cedae Saúde.

Nenhum comentário: