Novo tempo, novas dinâmicas
Marcio Junior[1]
O contexto econômico global enfrenta um
momento adverso e de profundas mudanças, aceleradas pela pandemia de COVID-19.
Com a desaceleração econômica global consequente da Emergência de Saúde Pública
e as tentativas feitas pelas economias globais de caminharem rumo à
recuperação, foi iniciada a absorção e formulação de respostas aos fatores
recessivos de curto prazo que a pandemia causou.
Estes fatores de curto prazo tiveram
consequências diretamente no mundo do trabalho, sobretudo no emprego juvenil,
pois mesmo com a detecção de lentas recuperações no mercado de trabalho em
alguns setores, estas estão ocorrendo de forma desigual, com baixa presença ou
até mesmo ausência dos mais jovens, que são a faixa etária cuja maior
dificuldade de regresso é sintomática da ocorrência de mudanças diferentes das
causadas pela pandemia, ou seja, estruturais e de longo prazo.
Estas mudanças, apesar de aceleradas pela
pandemia, tiveram início anteriormente a ela. Caracterizadas por fatores como o
avanço tecnológico e seus consequentes impactos, pelas mudanças climáticas e
pela queda de produtividade associadas ao aumento de formas temporárias de
contratação e diminuição de horas semanais trabalhadas, demonstram que as
dificuldades relativas ao trabalho (principalmente juvenil) são mais profundas
e complexas. As alterações nas estruturas do trabalho no mundo e seus efeitos
podem estar ainda no seu início; mas já se demonstram caracterizadas, por conta
do avanço da tecnologia digital e da conexão permanente que possibilita a troca
progressivamente mais veloz de informações, pelo aumento do ritmo de mudanças
em comparação ao passado, exigindo de quem exerce diversos tipos de atividades
profissionais um aprendizado constante e novas formações ao longo de toda a
vida, desaprendendo habilidades que podem ficar defasadas em curto período de
tempo e aprendendo novas.
Este quadro exige, decerto, educação que
dê as gerações condições de adaptabilidade e aprendizado constante e, frente a
ele, existem dificuldades operativas de repassar conhecimentos básicos
necessários para os jovens avançarem efetivamente na vida escolar e
transicionarem dela para esta nova vida profissional. Segundo os resultados do Progress
in International Reading Literacy Study – PIRLS (Estudo Internacional de
Progresso em Leitura), realizada em 2021, cerca de 38,4% dos estudantes do 4º
ano do Ensino Fundamental não conseguiam localizar, recuperar e reproduzir
informações declaradas explicitamente em textos informativos predominantemente
fáceis, o que compromete o aprendizado que virá a seguir, inclusive em outras
disciplinas. Dos 57 países participantes, o desempenho do Brasil na escala
ficou acima somente do Irã, Jordânia, Egito, Marrocos e África do Sul. A
habilidade de ler é decisiva, pois a escrita e a consequente capacidade de
compreensão são e será uma das principais fontes pelas quais o indivíduo pode
fazer uso de sua capacidade cognitiva para adquirir novos conhecimentos ao
longo da vida e não só, e sua deficiência significa uma situação de
vulnerabilidade frente aos desafios contemporâneos.
As relações entre as gerações, no âmbito
familiar, complexificam o quadro e, se avaliadas, demonstram que ajudam a
explicar parte das dificuldades educacionais observadas. Isso significa que a
educação das gerações anteriores e a participação delas na formação das
gerações posteriores tem um peso significativo, demonstrando que as
dificuldades educacionais de uma determinada geração não são explicadas somente
por ela mesma. Segundo a mesma pesquisa, cerca de 64% dos alunos da mesma série
escolar mencionada anteriormente tinham, em casa, menos de 25 livros, menos de
25 livros infantis, nenhum dos pais tinha escolaridade superior ao ensino médio
e não possuíam pequena empresa ou trabalhavam em cargo administrativo ou
profissional. Nesse sentido, podemos entender que é improvável, nos domicílios
deste conjunto de estudantes, que havia o hábito de ler e que ele fez parte da
socialização domiciliar. Mesmo assim, está na percepção dos pais o impacto da
pandemia sobre o progresso da aprendizagem: 97% dos estudantes ficaram em casa
e, desta proporção, a percepção dos pais foi de que 49% dos estudantes foram um
pouco afetados adversamente por ter ficado em casa durante a Emergência,
enquanto 37% perceberam o estudante muito afetado.
As consequências podem ser inúmeras e
imprevisíveis, mas dentre as possibilidades mais prováveis e já visíveis estão
o escoamento de grande número de pessoas das novas gerações, mas não só os
jovens, para a informalidade e vulnerabilidade social, além da expressiva perda
de capital humano. Em 2023 o Brasil contabilizou cerca de 9 milhões e 600 mil
jovens de 15 a 29 anos que não estavam ocupados e não frequentam escola, nem
cursos pré-vestibular, técnico de nível médio, normal (magistério) ou
qualificação profissional. Somente os jovens de 18 a 24 anos concentram 5
milhões e 300 mil pessoas nesta condição, representando mais de 55% dos jovens de
15 a 29 anos. Mesmo assim, trabalhar com esses dados podem apresentar problemas
operacionais: enquanto as mudanças na estrutura do sistema produtivo já levam
ao escoamento da força de trabalho para a informalidade, esta não é captada,
pois é possível atender a diversos parâmetros que, em tese, “formalizam” o
trabalhador sem ele estar nesta condição, como, por exemplo, um pedreiro ou
camelô que, ao obterem status de Microempreendedor Individual, possuem CNPJ e
contribuem com a Previdência Social e, consequentemente, não são contabilizados
estatisticamente como informais, o que dificulta em muito a formulação de
diagnósticos e políticas.
Frente às questões cotidianas como greves
em nada relacionadas com a educação e com balanço negativo em todos os sentidos
(principalmente para os jovens), a sua reconstrução no mundo se mostra um
desafio complexo e demorado, que demandará esforço e desenvoltura dos
intelectuais comprometidos com ela. Ao longo deste necessário tempo para tal
feito, eles ainda existirão?
[1] - Doutorando em Ciências Sociais
em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ, Consultor Educacional
da Teia de Saberes e responsável pelo Treinamento e Desenvolvimento
Profissional da Cedae Saúde.
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