Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Agora, passados um mês desde
a coletiva em Porto Alegre conduzida pela Presidência da República, talvez seja
possível referir-se a ela com um olhar mais sereno do que a qualquer reação mais
sanguínea que surgem na cena imediata, e que se espalhou por minutos, horas e
até dias depois do que se falou e viu.
Há reações que são dadas
como certas, são aqueles que, qualquer que seja a manifestação da Presidência,
o acharão com uma magnífica oratória, cheia de espírito de Estado, com
equilíbrios justos e precisos, que refletem uma ação de governo impecável e um
esplendor na bem compreendida alusão cinematográfica do saudoso Ettore Scola
(1931-2016). Outros acharão que é o pior que já ouviram desequilibrado, visando
agradar aos seus, míope, face real do seu mau governo e reaproxima o país da
catástrofe.
São os gladiadores das corridas
de bigas da política (de volta as telas em novembro próximo novamente na lente
de Ridley Scott) que não gostam de sutilezas e que preparam as disputas
eleitorais que se aproximam nesta parte final do segundo ano do quadriênio governamental.
É claro que há pessoas
mais ponderadas no mundo político que não entrarão nesse jogo, especialmente
aquelas que não estão localizadas na fantasia da polarização e não caminham por
este mundo como portadoras de uma verdade objetiva, permitindo assim que a
democracia funcione com os seus dois pés, com adversários (e não inimigos) e
buscando os consensos possíveis.
Mas em qualquer hipótese não
há necessidade de se alarmar, pois o que é grave acontece em países em que
aqueles que não concordam podem estar colocando a sua vida em risco, por vezes de
modo letal como aconteceu no Japão em 2022 e a pouco (quase) na Eslováquia.
Aproveitando então o fato
de vivermos numa sociedade regida por regras democráticas, com poderes de
Estado autônomos, com um sistema de justiça com controles que procuram prevenir
o abuso e o desamparo do cidadão, é aconselhável considerar as palavras de Porto
Alegre com uma perspectiva secular, ou seja, fora
de uma doutrina fechada de apoio ou rejeição.
Assim, as Mensagens Presidenciais
são muito diferentes de acordo com os seus governos e seus integrantes e idem as
circunstâncias históricas que atravessam. Quando se trata do relato do que foi
realizado, é quase impossível evitar uma certa autocomplacência, uma ênfase
exagerada na fortuna e uma minimização da virtù, chegando mesmo,
em algumas ocasiões, a ser esquecida ou mencionada de forma tão indireta que o
permite passar nessa fala da forma mais rápida possível, mas tudo isso é humano,
demasiado humano.
Páginas e mais páginas serão
escritas sobre tudo isso. Mas delas nasceram várias propostas viáveis e
necessárias sobre as questões onde há consenso que requerem ação, seja em relação
à seguridade dos cidadãos, às soluções de infraestruturas e habitação, à educação
e à saúde que devem ser apreciadas porque podem levar a acordos e ao progresso,
mesmo que sejam modestos ou apenas dão os primeiros passos.
Mas é bom destacar o que
há de realmente significativo na coletiva de Porto Alegre. Na sua forma e
substância havia uma notável oportunidade da mudança de tom. Quanto longe
estamos do olhar crítico sobre os descaminhos do quadriênio de 2019 a 2022? Quanto
longe estamos da Frente Democrática que oportunizou a vitória na eleição de
2022? Quanto longe estamos da resposta
democrática e republicana dada ao 8 de janeiro de 2023 que desejou nos colocar
numa confusão institucional?
Não é pouca coisa na
história de um país que este seja capaz de olhar para o abismo em sua beira e
regressar à razão através de práticas democráticas e republicanas. Claro que
com perdas, com estagnações que aos poucos vão sendo recuperadas, embora ainda
estejamos longe de regressar ao caminho daquele desenvolvimento socialmente
inclusivo para o qual marchamos nos primeiros vinte anos do regresso à
democracia.
Não é justo que não
valorizemos este avanço, esta possibilidade de mudança de tom, em nome dos
erros cometidos no passado recente.
Há mérito em todos os
atores que contribuíram na coletiva de Porto Alegre para esta desejada mudança
e, claro, também para a mudança de posições dos que dirigem o governo e que
avançaram na compreensão do que significa conduzir um Estado democrático e
republicano.
É melhor para aqueles que tenham
uma vida política mais longeva pela frente e sejam leais ao rumo do progresso
democrático e republicano do que a qualquer nostalgia estragada no percurso da
história.
Esta visão secular da coletiva
de Porto Alegre talvez coincida com aqueles que colocam a coexistência
democrática e a justiça social no coração das suas aspirações e contribuam para
pensar sobre como reconstruir um ethos político em que a competição não
anule o progresso dos acordos para alcançar um país próspero. O Brasil da equidade,
do progresso e não de brigas permanentes de extremos da política, seja da
direita ou da esquerda, que só tem sido um fator de infortúnio para o Brasil e
o mundo.
9 de junho de 2024
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