Em memória de Fernando de Carvalho (Ferdo) – Uma presença
da PRESENÇA e do Sebo João do Rio
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Várias semanas se passaram desde que o Brasil
foi atravessado por um silêncio ensurdecedor que veio do grande marco inicial, dos
100 dias de governo e o ataque de 8 de janeiro a Praça dos Três Poderes. No
entanto, este ruído parece ter chegado atenuado a política do Palácio do Planalto,
quem sabe se por ocasião de trabalhos de manutenção e restauro dos danos ao patrimônio, tem
sido instalado um sistema muito avançado para evitar ruídos análogos que venham
do mundo exterior, daquele mundo onde vivem o resto dos brasileiros.
A suspensão que ocorreu de trechos dos
Decretos 11.466 e 11.467, ambos de 5 de abril por Projeto de Decreto
Legislativo (PDL) da Câmara dos Deputados, apoiados pelo Ministério das Cidades
do governo, num elemento que não havia sido essencial pois sequer houve debate de
programa, parece ter surtido por hora efeito menor, questão que pode significar
duas coisas: ou se têm nervos de aço ou se têm perda auditiva política severa.
A coisa sobre nervos de aço consagrado
por Lupicínio Rodrigues e que coube nas histórias heroicas da Frente Democrática de outrora não tem combinado ainda
e até aqui com o comportamento usual desse primeiro quadrimestre de governo, e parece
que eles não estão entendendo o que ouvem.
Sem dúvida, a mudança anunciada lá
indica que vai caminhar na direção certa. No coração do Palácio, a
inexperiência e a rigidez prometem ser substituídas pela experiência e a
empatia, e a inexperiência e a euforia pela experiência e
profissionalismo. Isso permitirá ampliar o espaço para a aplicação de
políticas mais coerentes e eficazes, que reforcem as realizadas pelos
Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Fazenda para que não se concentrem
apenas na pauta fiscal, mas em promover o desenvolvimento do país. Mas essas
mudanças por si só não podem corrigir o curso errático da atual administração,
é necessária uma determinada mudança de orientação para obter resultados.
Para que essa mudança seja possível, é
preciso que a palavra presidencial de a consistência da realização, perdure no
tempo e seja acompanhada sempre de ações que a tornem real. A palavra governamental
não pode ser uma série de impulsos verbais que mudam com muita frequência, que
avançam e retrocedem, que tentam conciliar o inconciliável por meio de
compensações.
Para isso, é fundamental entender o
profundo significado do 8/1, para poder explicar o distanciamento que os brasileiros
seguem demonstrando àquele evento bestial e reafirmam seu compromisso na
esperança democrática.
Por isso ser necessária a nova
orientação que não renuncie às mudanças, mas que respeite uma forma de
realizá-las com o apoio da república. Além disso, uma governança de maior
qualidade é essencial.
A alma da rejeição ao 8/1 é de uma alma
moderada, que quer mudanças sem brigas nem imprudências, que quer acordos e não
cara feia, que quer viver em paz e que as ruas não sejam campos de batalha de
fanáticos inflamados por seus sonhos.
Isso ficou demonstrado pela mudança de
clima com o qual vivemos os últimos feriados carnavalescos e o do 1° de maio e
pela rapidez com que se descompactou a tensão após 8/1. Parece que começou
a haver uma esperança de retorno à sanidade.
As pessoas agora estão esperando, sabem
que a situação econômica não é boa e que vai demorar em se recuperar, e o que
não podem esperar é que as reformas propostas não tenham efeitos imoderados,
mas melhorem de fato suas vidas.
O fato de os cidadãos agirem com paciência republicana e democrática não significa que estejam resignados a uma gestão medíocre de discurso altissonante. Ela não desanima, pois sabe que seu voto é capaz de mudar o que já parecia um destino. É tempo de prestar atenção aos cidadãos que não marcham, não gritam, não destroem, mas votam serenamente. Para mudar de rumo, é fundamental tomar as decisões anunciadas e evitar as visões contraditórias que se produzem dentro do governo, que mancham a sua figura.
O país não conseguirá enfrentar com
sucesso os desafios que se avizinham se quem o dirige não criar condição para
retomar o crescimento pactuando uma boa reforma tributária sustentável, entre
outras mudanças.
Nem o poderá fazer se não deixar de dar
sinais ideológicos como o faz aos mais diversos níveis, desde os usos
diplomáticos, a visão míope do papel dos acordos comerciais que são essenciais
para uma economia como a nossas falsas visões sobre a trajetória da
desigualdade nas últimas décadas e muitos outros sinais típicos do bestiário
maximalista.
Um novo sujeito reformador com outras
formas e outras tarefas começam a ocupar o grande vazio de um reformismo
progressista pálido. A Frente Democrática vem se estabelecendo com sucesso e
outras expressões políticas também surgirão oferecendo novas alternativas para
o futuro.
Surgem posições mais maduras e liberais
no centro e na direita que são consideradas diferentes da direita rígida e
imóvel. As mudanças também ocorrerão na esquerda e o atual bestiário
maximalista provavelmente começará a retroceder. Se assim for, pode-se retomar
uma ação política mais favorável a acordos amplos sobre futuras reformas e uma
governança mais eficiente, voltada para a solução de problemas prementes.
Oxalá isso se concretize antes que o
acúmulo de desenvolvimento e democracia construído nas últimas décadas seja
novamente posto à prova como se viu no 8/1, e que pouco a pouco possamos ver
novamente números decrescentes de desigualdade e pobreza e crescente de progresso
e crescimento rumo ao estado de bem-estar, mas para isso não se pode fazer ouvidos moucos e
escutemos o silêncio ao redor.
7 de maio de 2023
[1] Presidente da CEDAE
Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.