Pensar para agir; agir para pensar.
Marcio Junior[1]
Não há dúvidas,
inclusive para as pessoas comuns, que andam pelas ruas das cidades e seguem a
vida, que estamos em tempos de mudanças profundas e dolorosas. Tempos de
incertezas. Há, decerto, várias formas de “ler” esses fenômenos, inclusive a um
nível que, ao falarmos de humanos, não é visível a olho nu.
Eric Kandel,
neurofisiologista vienense que, em 2000, foi agraciado com o Nobel de
Fisiologia e Medicina, relata em livro como que, para ele, a busca pela memória
é, antes de tudo, uma preocupação pessoal e histórica. Aos 9 anos, filho de um
judeu dono de uma loja de brinquedos na Viena de 1938, cidade em que tanto o
desejo sexual quanto o antissemitismo se podiam sentir tensionados no ar, viu
os citadinos se oporem firmemente tanto à chegada de Hitler à Áustria quanto à
anexação desta à Alemanha nazista. Porém, na ocasião da chegada do exército
alemão e posteriormente também a do Führer no dia seguinte, este foi ovacionado
pelos vienenses, tendo os judeus que apagar as pichações feitas na rua, com
mensagens contra a anexação.
Seu pai estava lá, esfregando o asfalto com uma escova de dente. Isso o levou e a família a emigrar aos EUA, onde estudou marcado por este e outros tristes episódios biográficos. Assim, os estudos de como os neurônios se comportam, conjuntamente, para que seja possível a aprendizagem e a memória, buscou responder antes de tudo como, de um dia para o outro, parte considerável do povo da sua cidade natal simplesmente esqueceu e aderiu, sem filtros, à experiência nazista.
Assim, a falência da
educação é transpassada por uma falta de rigor que tem consequências,
inclusive, cerebrais. Afinal, é também a partir do contato com o outro, ocorrem
processos a nível molecular: basicamente, ao vermos e/ou sentirmos algo, essas
informações chegam por sinal elétrico aos nossos neurônios responsáveis por
elas que, por sua vez, liberam neurotransmissores para enviar essas informações
em cadeia a outros neurônios, com endereços certos. Ao fazerem as leituras
dessas informações, os genes presentes nos núcleos desses neurônios mudam os
perfis das proteínas produzidas por eles, o que muda também a forma das
sinapses, isto é, a comunicação bioquímica e elétrica entre essas células,
acarretando, à nível molecular, na aprendizagem e na memorização. Porém, não se
trata de um processo isolado nas nossas cabeças: ele está em constante
interação com o mundo em que vivemos, nossas relações com as pessoas e com a
história, e a ausência de educação cuidadosa e bem feita tem consequências,
inclusive, a nível celular. Nesse sentido, não seria, de certa forma, sugestivo
o uso do arcabouço conceitual de um Durkheim? Afinal, as sociedades já estavam
aqui quando nascemos e, assim como o corpo, o cérebro e a mente, também são
capazes de aprender, esquecer, adoecer e sofrer.
Em tempos de certo
"narcisismo normativo", em que as preocupações das pessoas estão
demasiadamente voltadas ao seu interior e seus sentimentos, sensações e outras
variáveis subjetivas e biológicas que não apenas bastam como também se tornam sobretudo
normas para julgar quem é superior ou inferior na hierarquia da sociedade.
Neste contexto de fácil aderência a um patrulhamento ao que é aprendido,
"não pode haver intelectuais se não há leitores", diz a manchete de
uma entrevista de Habermas ao El País, em 2018. A título de exemplo e um breve
exercício, quem somos nós, enquanto Brasil? Estas e outras perguntas podem e
devem ser respondidas através do rastro deixado pelo nosso pensamento social:
somos americanos, mas americanos ao nosso modo, ibéricos, mestiços, marcados
pela escravidão e falamos português. São as características primas, se
estudadas de forma competente, para a compreensão e construção progressiva da
nossa democracia e nossa República, e não podem ser esquecidas.
Porém, os tempos não
deixam de ser oportunos: as agendas em voga, principalmente a ambiental, nos
obrigam inevitavelmente a sermos seres globais, reconhecendo que não podemos
enfrentar nossos problemas sem o outro e o outro não pode enfrentá-los sem nós.
Logo, para que as respostas a esses problemas sejam dadas à altura deles,
seguir o exemplo de Kandel torna-se sugestivo. É preciso que as novas gerações
tenham acesso, desde a infância, ao melhor que a humanidade fez para que
existam condições de responder aos problemas que são, cada vez mais, criados
por ela própria.
[1] - Doutorando pelo CPDA/UFRRJ.
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