terça-feira, 21 de março de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 009 - NOVO ENSINO MÉDIO É TANTA COISA QUE NÃO CABE NUM CARTAZ


 "É tanta coisa que não cabe num só cartaz" - Manifestantes de 2013

O Novo Ensino Médio (NEM) e O Eu Soberano

Pablo Spinelli

Vagner Gomes de Souza

Um debate sobre reformas do sistema de ensino exige muito de uma postura sobre o futuro que se deseja para o país a partir de um balanço da sociedade em que vivemos. Olhar para frente sem que se tenha uma perspectiva de Frente Democrática pode nos render uma sociedade fraturada com o perigo de colocar a Democracia em colapso. A aprovação do chamado Novo Ensino Médio ocorreu num momento de exposição da crise política e do centro democrático “esvaziado”. Muitos simplificam que tenham na Reforma do NEM vertentes do neoliberalismo, porém, também havia muito da expressão do individualismo nas manifestações de 2013 na sua variedade de cartazes. É bom lembrar que o foco da oposição nas ruas no Governo Temer foi de dupla natureza: a narrativa do golpe e a oposição à Reforma da Previdência – o que mostrou muito do esvaziamento dos sindicatos e da sociedade civil quanto à boiada que passava: a Reforma do Novo Ensino Médio e a Reforma Trabalhista (que após um silêncio forçado publicamente, não se fala em revogar, mas aperfeiçoar).

Quando nas ruas a indignação se fez presente através de uma “fantasia antipolítica”, nada mais factível que as ideias iliberais se fizessem presentes na elaboração do aparato legal que vai moldar o Novo Ensino Médio. Redução das disciplinas obrigatórias a se estudar como se fosse a busca por mais autonomia e permissão para que o “self-made man” fosse formado num ensino de “self educação”. É o caso típico do autoritarismo travestido de opções individuais que permitem a um jovem de 13 anos ter uma antevisão madura quanto ao seu futuro, posto que a escolha de itinerários formativos começam no primeiro ano do Ensino Médio.

No transformismo a emergência dos indiferentes ocorre em diversos segmentos. Os professores deixaram há muito tempo seu perfil de intelectuais formadores da sociedade, caso não se apoiem em argumentos mais históricos sobre determinados debates. Esse grupo renuncia ao seu papel intelectual para ficar preso a um economicismo da pauta salarial sem incluir os docentes na sua agenda propositiva.

 Então, vejamos que ao se fechar o século XX (2000) são lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), em quatro partes, com o objetivo de cumprir o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas abordagens e metodologias.


Uma década se passou para que houvesse a Conferência Nacional de Educação (CONAE), com a presença de especialistas para debater a Educação Básica. O documento fala da necessidade da Base Nacional Comum Curricular, como parte de um Plano Nacional de Educação. O CONAE foi saudado pelas lideranças das entidades de educação como um necessário avanço na luta por uma nova trilha. Portanto, em 2010, na gestão do campo democrático já havia uma proposta de mudança do Ensino Médio que passou sem a mobilização – o que não significa ausência de debates – da sociedade civil organizada, posto que o Estado das Coisas era benfazejo às demandas corporativas.

Cabe ao historiador lembrar aquilo que as pessoas querem esquecer. No discurso de posse da presidente Dilma em seu segundo mandato – cujo tema era com forte viés positivista: “Pátria Educadora” – aparecia a necessidade de mudar o Ensino Médio para que fosse uma forma de diminuir a evasão escolar e o norte apontava para entender melhor o jovem de nosso tempo e saber como inseri-lo no mercado de trabalho e “no mundo dos adultos”. Essa política tem um nó górdio quando nos deparamos com as mudanças das relações de trabalho, pois se não há trabalho, o que farei na escola? – uma indagação legítima dos jovens dentro desse acordo. Portanto, o ovo da serpente não pode ser fulanizado no debate político. O que a sociedade deve discutir é o que pode sair dele: omelete ou a serpente? Como aumentar carga horária sem comida? E a pauta da alimentação converge com a do meio-ambiente e da saúde. Logo, a revogação é o caminho mais fácil para nada ser feito, ao invés de se pensar uma política pública interministerial.

No ano de 2017, a Lei nº 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até 2022) e definindo uma nova organização curricular, mais flexível. Muito estranho que o parágrafo abaixo não esteja em pleno vigor ao rigor da legislação educacional em muitas unidades de ensino médio quanto ao referente a carga horária.

“§ 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017.”

Mais tempo de estudante na Escola significa mais custos orçamentários, sociais e políticos, uma vez que atravessamos os últimos três anos sob o inédito impacto de suspensão das aulas presenciais por causa da Pandemia da COVID 19. Sem nenhum balanço estrutural ou das cores do sistema de ensino, a gestão anterior do Ministério da Educação permitiu que as circunstâncias agravassem uma implementação de grande envergadura para a educação brasileira.

O Plano Nacional da Educação previa que em 2024 o ideal seria a meta de 85% dos adolescentes no Ensino Médio. A pandemia escancarou as dificuldades que temos nas macrorregiões do país. Peguemos apenas o exemplo da inacessibilidade de internet em todos os cantos do país na rede pública (uma vez que algumas disciplinas foram sugeridas a serem feitas em EAD). Além disso, para uma classe média empobrecida, a falta de um pacote de dados individual torna-se a realidade. Esse ponto mostra que um debate sobre o futuro tem que passar pela equidade, pela política pública sem voluntarismos, pois o que temos do NEM é NEM estudo e NEM trabalho. O empreendedorismo – a religião desse século – pode confinar as classes subalternas para as franjas do tecido social para um mundo sem república com resultados de patologia social que tem nesses jovens NEM-NEM um manancial de pessoas para alimentar tropas do tráfico e da milícia à prostituição digital. Esse tem sido o Projeto de Vida do mundo das coisas reais. Querer todas as coisas ao mesmo tempo é bom para ganhar o Oscar.


3 comentários:

Heitor Victor disse...

Belo texto, esse papo de simplesmente revogar e ponto escancara a preguiça intelectual de parte do campo progressista. Nós começamos essa renovação do Ensino Médio, no meio do caminho aspectos se perderam com os governos aporofóbicos de Temer e Bolsonaro, mas devemos retomar as rédeas da mudanças, pois ela se faz muito necessária e cabe aos professores enquanto categoria organizada (?) tomarem pra si essa discussão.

Anônimo disse...

Concordo com o que você diz no texo .
👏👏👏👏💯💯💯

Fernando Guida disse...

Como é importante esse debate! Tomara que muitos mais, envolvidos e com conhecimento do tema, tragam aqui suas posições, clara e sinceramente.
Da discussão séria e respeitosa nasce a luz.