O
Novo Ensino Médio (NEM) e O Eu Soberano
Pablo Spinelli
Vagner Gomes de
Souza
Um debate sobre
reformas do sistema de ensino exige muito de uma postura sobre o futuro que se
deseja para o país a partir de um balanço da sociedade em que vivemos. Olhar
para frente sem que se tenha uma perspectiva de Frente Democrática pode nos
render uma sociedade fraturada com o perigo de colocar a Democracia em colapso.
A aprovação do chamado Novo Ensino Médio ocorreu num momento de exposição da
crise política e do centro democrático “esvaziado”. Muitos simplificam que
tenham na Reforma do NEM vertentes do neoliberalismo, porém, também havia muito
da expressão do individualismo nas manifestações de 2013 na sua variedade de
cartazes. É bom lembrar que o foco da oposição nas ruas no Governo Temer foi de
dupla natureza: a narrativa do golpe e a oposição à Reforma da Previdência – o
que mostrou muito do esvaziamento dos sindicatos e da sociedade civil quanto à
boiada que passava: a Reforma do Novo Ensino Médio e a Reforma Trabalhista (que
após um silêncio forçado publicamente, não se fala em revogar, mas
aperfeiçoar).
Quando nas ruas a
indignação se fez presente através de uma “fantasia antipolítica”, nada mais
factível que as ideias iliberais se fizessem presentes na elaboração do aparato
legal que vai moldar o Novo Ensino Médio. Redução das disciplinas obrigatórias
a se estudar como se fosse a busca por mais autonomia e permissão para que o
“self-made man” fosse formado num ensino de “self educação”. É o caso típico do
autoritarismo travestido de opções individuais que permitem a um jovem de 13
anos ter uma antevisão madura quanto ao seu futuro, posto que a escolha de
itinerários formativos começam no primeiro ano do Ensino Médio.
No transformismo a
emergência dos indiferentes ocorre em diversos segmentos. Os professores
deixaram há muito tempo seu perfil de intelectuais formadores da sociedade,
caso não se apoiem em argumentos mais históricos sobre determinados debates.
Esse grupo renuncia ao seu papel intelectual para ficar preso a um economicismo
da pauta salarial sem incluir os docentes na sua agenda propositiva.
Então, vejamos que ao se fechar o século XX
(2000) são lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM), em quatro partes, com o objetivo de cumprir o duplo papel de difundir
os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas
abordagens e metodologias.
Uma década se passou
para que houvesse a Conferência Nacional de Educação (CONAE), com a presença de
especialistas para debater a Educação Básica. O documento fala da necessidade
da Base Nacional Comum Curricular, como parte de um Plano Nacional de Educação.
O CONAE foi saudado pelas lideranças das entidades de educação como um
necessário avanço na luta por uma nova trilha. Portanto, em 2010, na gestão do
campo democrático já havia uma proposta de mudança do Ensino Médio que passou
sem a mobilização – o que não significa ausência de debates – da sociedade
civil organizada, posto que o Estado das Coisas era benfazejo às demandas
corporativas.
Cabe ao historiador
lembrar aquilo que as pessoas querem esquecer. No discurso de posse da
presidente Dilma em seu segundo mandato – cujo tema era com forte viés
positivista: “Pátria Educadora” – aparecia a necessidade de mudar o Ensino
Médio para que fosse uma forma de diminuir a evasão escolar e o norte apontava
para entender melhor o jovem de nosso tempo e saber como inseri-lo no mercado
de trabalho e “no mundo dos adultos”. Essa política tem um nó górdio quando nos
deparamos com as mudanças das relações de trabalho, pois se não há trabalho, o
que farei na escola? – uma indagação legítima dos jovens dentro desse acordo.
Portanto, o ovo da serpente não pode ser fulanizado no debate político. O que a
sociedade deve discutir é o que pode sair dele: omelete ou a serpente? Como
aumentar carga horária sem comida? E a pauta da alimentação converge com a do
meio-ambiente e da saúde. Logo, a revogação é o caminho mais fácil para nada
ser feito, ao invés de se pensar uma política pública interministerial.
No ano de 2017, a Lei
nº 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
estabeleceu uma mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo
do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até 2022) e
definindo uma nova organização curricular, mais flexível. Muito estranho que o
parágrafo abaixo não esteja em pleno vigor ao rigor da legislação educacional
em muitas unidades de ensino médio quanto ao referente a carga horária.
“§ 1º A carga horária
mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma
progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os
sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil
horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017.”
Mais tempo de estudante
na Escola significa mais custos orçamentários, sociais e políticos, uma vez que
atravessamos os últimos três anos sob o inédito impacto de suspensão das aulas
presenciais por causa da Pandemia da COVID 19. Sem nenhum balanço estrutural ou
das cores do sistema de ensino, a gestão anterior do Ministério da Educação
permitiu que as circunstâncias agravassem uma implementação de grande
envergadura para a educação brasileira.
O Plano Nacional da
Educação previa que em 2024 o ideal seria a meta de 85% dos adolescentes no
Ensino Médio. A pandemia escancarou as dificuldades que temos nas macrorregiões
do país. Peguemos apenas o exemplo da inacessibilidade de internet em todos os
cantos do país na rede pública (uma vez que algumas disciplinas foram sugeridas
a serem feitas em EAD). Além disso, para uma classe média empobrecida, a falta
de um pacote de dados individual torna-se a realidade. Esse ponto mostra que um
debate sobre o futuro tem que passar pela equidade, pela política pública sem
voluntarismos, pois o que temos do NEM é NEM estudo e NEM trabalho. O
empreendedorismo – a religião desse século – pode confinar as classes
subalternas para as franjas do tecido social para um mundo sem república com
resultados de patologia social que tem nesses jovens NEM-NEM um manancial de
pessoas para alimentar tropas do tráfico e da milícia à prostituição digital.
Esse tem sido o Projeto de Vida do mundo das coisas reais. Querer todas as
coisas ao mesmo tempo é bom para ganhar o Oscar.
3 comentários:
Belo texto, esse papo de simplesmente revogar e ponto escancara a preguiça intelectual de parte do campo progressista. Nós começamos essa renovação do Ensino Médio, no meio do caminho aspectos se perderam com os governos aporofóbicos de Temer e Bolsonaro, mas devemos retomar as rédeas da mudanças, pois ela se faz muito necessária e cabe aos professores enquanto categoria organizada (?) tomarem pra si essa discussão.
Concordo com o que você diz no texo .
👏👏👏👏💯💯💯
Como é importante esse debate! Tomara que muitos mais, envolvidos e com conhecimento do tema, tragam aqui suas posições, clara e sinceramente.
Da discussão séria e respeitosa nasce a luz.
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