Com Pandemia, Sequelas & Democracia
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
A pandemia do covid-19 é um dos vinte episódios
mais mortais dos últimos 700 anos. Temos já milhões de pessoas no mundo que faleceram
enquanto as temidas ondas de infecção seguem acontecendo aqui e em grande parte
da Europa e nos Estados Unidos da América (EUA). As medidas de confinamento realizadas
para controlar a propagação do coronavírus causaram uma desaceleração nas
atividades econômicas globais. Diante desse cenário, formuladores de políticas
economia (salvo os de alguns governos que negavam a pandemia, dentre os quais o
nosso) responderam a perda de emprego e atividade dos negócios com medidas
fiscais e monetárias agressivas.
Em geral, os países entenderam que o caminho era gerenciar
a crise econômica mesmo quando produziram divergências políticas sobre como
equilibrar a necessidade para controlar a propagação do vírus com as perdas econômicas
causadas pela política sanitária. Eles programaram grandes pacotes de apoio
fiscal para garantir as trabalhadoras e os trabalhadores desempregados. Os Bancos
Centrais rapidamente desenharam políticas monetárias que deram garantias de
liquidez aos mercados. As lições da crise financeira global de 2008 ainda estão
frescas nas mentes de muitos gerentes de política econômica.
Pelas experiências vividas até aqui podemos indicar
três projeções de como a pandemia pode moldar nosso futuro econômico comum. Primeiramente,
a dívida corporativa (medida em relação ao PIB) segue no mais alto nível nesses
últimos 150 anos em muitas economias. Uma onda de falências causadas pela
pandemia vai empurrar economias para outra crise financeira? Provavelmente não.
Em segundo lugar, como tem sido possível conduzir as quedas na economia pelo
combate a pandemia? Essas quedas reduzirão o potencial de crescimento da
economia do que o estimado. Em terceiro lugar, o que as pandemias nos ensinaram
sobre as perspectivas econômicas, décadas depois da pandemia? É provável que a
taxa de juros fique deprimida por muitos anos, com implicações importantes para
política fiscal e monetária.
As pandemias ocorrem muito raramente (algumas vezes
num século, em média), o que faz do aprendizado histórico desse passado
especialmente difícil, ainda que não impossível. Nos primeiros dias da pandemia
do covid-19, os pesquisadores mobilizaram as lições das respostas econômicas aos
desastres naturais, como furacões, terremotos, inundações, entre outros. Além
desses se trouxe à baila os a metáfora dos conflitos armados, que no passado
causaram grandes perdas de vidas. Mas elas estavam corretas? Essas comparações
fizeram sentido? Foram um guia útil para o presente as lições aprendidas com
tais eventos? Argumentamos em junho-julho de 2021 que as melhores experiências
não tinham aderência a esses cenários, e para não voltarmos a 700 anos, houve percepções
de gestão de crises sanitárias mais bem sucedidas como a que aconteceu no
século XIX em Hamburgo com o Partido Social-Democrata da
Alemanha.
Assim, os três
principais fatores que elencamos para se projetar como a pandemia de covid-19 em
curso e suas sequelas podem afetar a situação econômica futura devem ser
entendidas de forma diferenciada e democrática. Pelo lado positivo, os balanços
domésticos relativamente saneados e uma regulamentação financeira mais rigorosa
advindas da crise de 2008 sugerem que o risco de uma crise financeira pode estar
contido apesar do boom da dívida corporativa. Do lado mais negativo, como
a pandemia deprimiu a demanda ao longo desse período nascido em 2020, trará consequências
nas capacidades de produção futuras e a economia provavelmente será afetada.
Também a incerteza que ainda persiste quanto ao manejo final da pandemia ainda
não presente no horizonte atua como mais um lastro na demanda que reforça este
mecanismo.
As implicações nas
políticas econômicas ainda se encontram em modo provisionado. Podemos entender
isso de modo sucinto. Do lado fiscal (e deixando de lado a questão de como
projetar a melhor política fiscal para resolver as necessidades da pandemia e
suas sequelas), a realidade é que a dívida pública vai crescer
consideravelmente em todo o mundo. É provável que muitos governos sintam a
necessidade de aparar e consolidar suas contas públicas. Mas fazer isso implica
numa conduta prematura e o risco de afundarmos a economia global numa depressão
é real. Por ora os governos democráticos estão em melhor posição para resistir
a níveis mais altos de endividamento e acompanhando e estimulando a recuperação
na expectativa de que ela tome conta do cenário (ainda que não haja evidências
para isso). Da mesma forma, se a dinâmica econômica permaneça baixa (mesmo que
não caia muito mais), os Bancos Centrais terão mais tempo para colaborar para que
se tente a recuperação da economia antes de moderar o grau de acomodação atual.
Além disso, é improvável que as economias deprimidas pela pandemia possam
seguir colocando muita pressão sobre inflação de curto prazo. Inclusive se o
custo da inflação tem uma incidência desigual, a forma mais segura de ajudar
aos mais necessitados é manter o tom acomodatício durante mais tempo. De todo
modo está claro que a história das pandemias desde à Peste Negra segue
oferecendo lições úteis e a principal é que a melhor condução delas e suas
sequelas é a democracia.
12 de junho de 2022