terça-feira, 3 de dezembro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - O "GAMBITO DO REI" DA DIPLOMACIA BRASILEIRA

 




O que a votação na Assembleia Geral da ONU revela sobre a relação do Brasil com os Estados Unidos e a China?

Por Rodrigo de Sousa Escaño¹

 

Uma grande questão nas Relações Internacionais e Ciência Política é se é possível medir o alinhamento entre países de maneira quantitativa. Uma medida aproximada (proxy) para responder à questão seria calcular a convergência da votação deles na Assembleia Geral das Nações Unidas. 

É fácil pensar em países que seriam interessantes para entender a relação com o Brasil: os Estados Unidos são o país mais poderoso do mundo desde o fim da segunda guerra mundial, e depois do colapso da União Soviética restou como única superpotência mundial. Posição esta que passou a ser questionada recentemente com a ascensão econômica e militar da China.

Como a posição brasileira variou ao longo da Nova República em relação a esses países? A mudança de presidentes ao longo desse período pode ter influenciado algo? 

Para responder a essas perguntas, este artigo irá fazer uma análise exploratória da base de dados mantida por Erik Voeten, professor da Georgetown University, disponível no Harvard Dataverse². O percentual de alinhamento está calculado na própria base. Iremos percorrer desde o governo de José Sarney até o último ano de Jair Bolsonaro, separadamente para cada país de interesse.

 

Estados Unidos

Gráfico 1- Convergência Brasil e Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU


Ao contrário do que o autor esperava, o governo Collor (1990-1992) apresentou declínio no alinhamento com os Estados Unidos em relação ao seu antecessor, José Sarney. Em contraste, os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (FHC) foram marcados por alto alinhamento, caindo nos dois últimos anos do mandato deste.

A convergência diminuiu drasticamente depois de Lula assumir o governo (2003), atingindo o pico negativo de todo período analisado em 2007, porém voltando a subir a partir do ano seguinte. O mundo então passava pela crise econômica de 2008, e talvez a eleição de Barack Obama no mesmo ano tenha influenciado.

O governo Dilma I manteve a tendência de alta no começo, começando com 41% logo em 2011, porém observou uma forte queda a partir de 2013. Isto se deu provavelmente ao escândalo da espionagem, onde se descobriu que a própria presidenta havia sido grampeada pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, mais conhecida pela sigla em inglês, NSA.

O governo Temer assistiu o pico histórico de convergência, 50% em 2016, porém viu um leve declínio nos anos seguintes. A tendência geral do governo Bolsonaro foi de alta, chegando a 48% em 2022.

 

China 

Gráfico 2- Convergência Brasil e China na Assembleia Geral da ONU


A convergência das votações na ONU entre Brasil e China são significativamente maiores do que em relação aos Estados Unidos. Talvez isso se dê à similaridade de interesses em diversas matérias entre países do chamado terceiro mundo ou sul global, em oposição aos países ditos “ricos”. Porém, a ascensão chinesa como potência econômica e militar mundial parece ter um efeito reverso ao estudarmos o alinhamento brasileiro com ela.

A série histórica chinesa começa altíssima, tendo mais de 90% de alinhamento em todos os anos do governo Sarney e Collor. Porém, o Massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 pode ter afetado a relação entre os dois países. Já nos anos finais de Collor se observa um declínio, que piora a partir de Itamar Franco (1992), se mantendo por todo o governo FHC. O menor valor desse período foi 2002, com 81%.

Com os governos Lula I e II os valores voltam a aumentar levemente, ficando acima de 85% durante este período. Esta tendência se manteve com Dilma I, chegando a 93% em 2013.

Após Temer assumir (2016) há uma forte queda no alinhamento, quadro que se manteve no governo Bolsonaro (2018-2022). Este observou o menor valor do período analisado, 71% em 2022.

 

[1] Doutorando em Ciência Política pela UNIRIO, pesquisador do Grupo de Relações Internacionais e Sul Global (GRISUL).

[2] Disponível em: https://dataverse.harvard.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.7910/DVN/LEJUQZ



Um comentário:

Sousa Escaño disse...

Obrigado companheiro Vagner pelo espaço cedido! Estou aberto ao debate, dúvidas ou sugestões.