Por Vagner Gomes
de Souza[1]
O
professor Leandro Konder se destacou pelo sorriso em suas aulas na Universidade
Federal Fluminense (UFF) e na PUC carioca nos anos 90. Era comum repetir que
não tinha qualidades para a análise da política, mas era um brilhante
introdutor de pensadores que muitos desconheciam ou liam. Depois da “diáspora
do VII Congresso do PCB”[2]
esteve filiado ao PT e ao PSOL. Na passagem da primeira década de seu
falecimento, essas duas forças políticas estariam a léguas de distância de suas
formulações uma vez que era um intelectual que atravessava as fronteiras até ao
manter uma amizade com José Guilherme Merquior (outro esquecido pensador
brasileiro). A amizade era tamanha que em 2001, com a saúde debilitada, ele vai
a homenagem da Academia Brasileira de Letras pela lembrança da primeira década
sem Merquior.
Talvez
a relembrar Konder seja um incômodo para muitos da “esquerda fake” que hoje nos
rodeiam com essas frases prontas de efeito como se fosse parte de uma nova
doutrina dogmatizada, porém “surda” a realidade. A falência do ensino superior
é tamanha que desconhecemos alguma iniciativa em memória aos dez anos sem
aquele que se doutorou com uma tese, que, publicada em livro, ganhou o título A derrota da dialética (1988). A
despeito de algumas observações críticas a passagens dessa obra pouco lida nos
nossos dias, seria interessante observar uma preocupação em tentar uma
explicação sobre a trajetória partidária através da história das ideias.
Ele
se definia como um apreciador da história das ideias e tinha uma qualidade de
síntese em seus textos que faz a leitura ser fácil e agradável para os leitores
de primeira viagem. Nosso temor é que os leitores do século XXI considerem
Leandro Konder um autor complexo. Estaríamos num quadro desastroso se chegarmos
a essa constatação, mas sigamos na esperança que houve um “esquecimento” não
intencional desse autor nascido em Petrópolis. Seu pai era médico e militante
comunista, e foi preso assim que deu entrada na Casa de Saúde para acompanhar a
esposa em trabalho de parto em janeiro de 1936.
Talvez
essa referência inusitada de sua chegada ao mundo explique um humor cético de
Leandro Konder ao logo da vida. Em aula Konder dizia que “Foi um derrotado. E
que devemos aprender com as derrotas.” Nas suas fichas estavam anotações que
encaminhavam suas aulas lotadas de ouvintes para além dos matriculados.
Acredito ter testemunhado uma aula com mais de 50 alunos em que os olhos
femininos brilhavam e nunca deixávamos de sorrir. O muro de Berlim tinha caído
e Konder destacava que teríamos tempos árduos (imagine se estivesse vivo hoje).
Era o começo do governo Collor e o seu Plano encantava até um segmento do campo
democrático.
Na
Revista Presença de número 15, Luiz Werneck Vianna abria com o artigo “O ovo da
serpente e o omelete de Indiana Jones”. Atuais algumas passagens desse artigo
se, nas devidas proporções, compararmos com a Argentina sob os tempos de Milei.
Segundo Vianna,
“A
demagogia incita a população ao sacrifício, reclama do seu patriotismo e só seu
espírito solidário – que a ela não faltam –, manipulando-a instrumentalmente
para que lhe conceda as bases de sustentação política e social ao seu projeto
doutrinário e acadêmico de recriação da hegemonia burguesa. Como um programa de
estabilização monetária, numa hora de hiperinflação, é de todos, seu domínio
pelo grande capital visa empenhar a vontade e o interesse de todos à sua
vontade e interesse particulares. (...)”
Nesse
mesmo artigo, há a lembrança de que o americanismo pela política seria o
fascismo, um tema muito caro para nas reflexões de Leandro Konder num
importante debate interno na sua primeira agremiação partidária, o PCB. O livro
Introdução ao Fascismo está nesse
contexto de 1977 quando, num momento inédito, o Comitê Central (C.C.) do
partido estava sendo gradualmente “exterminado fisicamente” pelos órgãos da
repressão e fez a opção de ir para o exílio. A história do exílio do C.C. do
“partidão” ainda aguarda um trabalho historiográfico de fôlego que provavelmente
nos explique os descaminhos do PCB após a Anistia. Digamos que o marxismo
político[3] de
Armênio Guedes[4]
tenha que sair um pouco do “limbo” para se fazer nascer a esquerda no Brasil em
contraposição as correntes liberais progressistas que assim se autodenominam
como tal.
Entretanto,
nosso interesse se reporta ao ensaio “Denis Diderot” que se encontra na mesma
edição da Revista Presença. Konder tinha uma característica de nos instigar a
ler autores à margem da leitura do “senso comum” pela leveza de sua escrita que
nos introduzia a cada um. Em tempos em que a URSS se definhava em seus últimos
momentos até a fracassada tentativa de golpe de agosto de 1991, esse Diderot
era apresentado como um “materialista mecânico” e humorado nos títulos de suas
obras. Seria um “Barão de Itararé” entre os filósofos iluministas. Todavia,
Diderot acreditava na transformação do mundo pelas ideias e se notabilizou pelo
esforço de 25 anos na edição da Enciclopédia.
Segundo
Konder,
“O
materialismo de Diderot causava consternação nos espíritos mais aguerridos
religiosos. O filósofo, de certo modo, era herdeiro de uma linha de pensamento
que provinha de Epicuro e de Lucrécio, passava tanto pelo francês Malebranche
como pelos ingleses Bacon e Hobbes, para se apresentar, com inegável vigor, na
teoria do conhecimento de John Locke. Tal como seus contemporâneos Helvetius,
d´Holbach e Voltaire, Diderot estava convencido de que os órgãos dos sentidos
captam a materialidade do real através de estímulos que vêm de fora e são
conduzidos para dentro da consciência; e a atividade da razão ‘natural’ de que
os homens dispõem se reduz, no essencial, a selecionar, organizar e interpretar
os dados recebidos.” (KONDER, 1990, p. 165)
Esse
Diderot de Leandro Konder seria um “anti-dogmático” a procura de uma liberdade
individual que se observa nas referências a Freud. “Os seres humanos são um
tanto imprevisíveis e sempre podem nos surpreender com suas iniciativas.”
(KONDER, 1990, p. 169). Um perfil distante do “jacobinismo político” que ainda
está impregnado em muitas manifestações nas redes sociais conhecidas como
“lacração”. Aprenderiam muitos na leitura de um “último Diderot recupera na
crítica aos europeus a sede de universalidade que, no passado, tinha se
manifestado em seu compatriota Montaigne (...)” (KONDER, 1990, p. 170).
Referências bibliográficas:
KONDER, Leandro
– “Denis Diderot” in PRESENÇA: Revista de Política e Cultura N 15 – Abril,
1990.
SANTOS, Raimundo
(Org.) – O marxismo político de Armênio
Guedes. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira (FAP), 2012.
VIANNA, Luiz
Werneck – “O ovo da serpente e o omelete de Indiana Jones” in PRESENÇA: Revista
de Política e Cultura N 15 – Abril, 1990.
[1] Doutorando em Ciência Política pelo PPGCP-UNIRIO. Leciona nas redes públicas de ensino no município do Rio de Janeiro e na Rede Estadual no bairro de Campo Grande (RJ).
[2] Referência ao VII Congresso, que formulou uma linha política, sob o título "Uma alternativa democrática para a crise brasileira". No encaminhamento deste Congresso, viu-se mais uma vez dividido em lutas internas de graves consequências. Por um lado, o chamado os reformadores havia construído sólidas bases no pensamento partidário. Embora não contassem com grande número de militantes e dirigentes que se assumissem como tal, as formulações centrais deles foram adotadas “mecanicamente” pela máquina partidária enquanto seus formuladores se afastavam do PCB. Por outro lado, o grupo liderado por Luiz Carlos Prestes, divergindo da orientação da maioria do Comitê Central, rompe com o Partido, após inúmeros embates que vinham se acirrando desde o exílio.
[3]
Esse conceito de “marxismo político” foi mobilizado por Raimundo Santos no
livro que se encontra nas referências bibliográficas.
[4]
Jornalista, entrou para a
célula comunista da Faculdade de Direito de Salvador em 1935 e, ao longo da
vida, ocupou diferentes cargos de direção no PCB. Participou ativamente na
organização e direção de revistas e jornais de esquerda: Seiva, Continental,
Tribuna Popular, Estudos Sociais e Voz da Unidade. Em 1945, foi secretário
particular de Luís Carlos Prestes. Com o golpe de 64, teve seus direitos
políticos cassados e acabou se exilando no Chile e na França. De volta ao
Brasil, e depois de 43 anos de militância, desligou-se do partido em 1983. Em
2025, fará uma década de sua partida.
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