1964
e a efervescência cultural
Alessandra Loyola
60 anos atrás o país vivenciava um marco
em sua história, um marco na cultura. Com isso, penso sobre a importância de
refletir em alguma medida sobre como a cultura se configurava antes e como se
dá hoje, tomando como referência algumas obras.
É interessante saber que autores já
pensaram em como definir ou articular a ideia de cultura popular, a exemplo de
Alfredo Bosi que irá dizer que a cultura é heterogênea, diversa e aquilo dito
como cultura das classes populares pode ser encontrado em diversas situações.
Nessa perspectiva, ao olharmos para alguns anos atrás e observarmos a
efervescência cultural pré e durante ditadura militar é possível perceber a
música, o cinema e a literatura como fontes de construção da cultura popular.
No entanto, todas se veem diante de algo quase como contracultura quando os
militares tomam o poder do Brasil em abril de 1964.
Diante disso, ao assistir um filme do Cinema
Novo - movimento que surge um pouco antes de 64, mas perdura nesse período -
como, por exemplo, Deus e o diabo na
terra do Sol (Glauber Rocha) fica evidente o papel da cultura: expor um
problema. É possível encontrar na obra de Rocha alegorias didáticas,
construções que contam com a filmagem feitas com a câmera na mão e edições com
poucas transições, além da marca da literatura de cordel, criando, assim, imagens
para falar sobre o que acontecia com o povo nesse período.
Exemplos como o longa metragem nos mostram
como a cultura popular foi importante para o período da ditadura no Brasil,
dando voz de alguma maneira, à população e construindo um mosaico artístico
sobre a necessidade de direitos que foram sendo usurpados, dentre outras
questões.
Hoje em dia 40 anos depois do grito das “Diretas
Já”, após tristes tentativas de determinados grupos de reatar laços com
ideologias do regime, vemos ainda criações culturais que se mantêm firmes em
suas posições de buscar a liberdade e direitos, a exemplo de manifestações culturais
como as rodas de Slam - que concedem voz aos que por vezes são silenciados.
Manifestações contemporâneas - como rodas de Slam -apresentam novas maneiras
culturais, que são frutos de uma influência estrangeira, porém que tomam corpo
com as marcas culturais brasileiras, dando visibilidade a questões populares.
Olhar para efervescências culturais como as
citadas nos leva outra vez para Bosi, que discorre sobre a cultura ser fruto de
um cultivo através do tempo de cada sociedade, então, se hoje há o resgate da
cultura um dia apagada junto a uma articulação contemporânea perpassada por
tantos acontecimentos - eleições, pandemia, polarização- é devido a um longo
cultivo feito pelas próprias classes populares. E são esses os grupos que
sentem na pele, no prato, no bolso…enfim, que sentem em sua realidade o que os
grandes governos decidem entre si.
O olhar para obras produzidas por nomes
como Glauber Rocha é perceber até hoje como a cultura é atemporal e fala
através do tempo, utilizando a estética, os temas e as ferramentas de sua
época. Isto também nos permite ver outras maneiras culturais como poesia
cantada que, de maneira análoga, se utiliza o que há disponível em sua
realidade para, como já dito, se posicionar em tempos difíceis.
Seja olhando para o cinema novo brasileiro
sejam olhando para as rodas de Slam, o entendimento que fica é a importância
das vozes que existem e de que maneira essas vozes populares são colocadas à
vista. Há esperança ao olhar para produção cultural popular brasileira.
Por fim, ainda que existam questões a serem
pensadas sobre as obras e os movimentos citados, em cada um deles é possível
encontrar as vozes e os ecos que duros regimes com suas armas, censuras e
discursos de ódios não o são capazes de sufocar, pois todas são como uma bela
rosa que brota do quente e sufocante asfalto.
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