terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 21 - SERIA POSSÍVEL A PAZ MUNDIAL?

Oppenheimer fora da Geladeira

Por Pablo Spinelli

Para camarada Ana Cláudia, Presente!

 

Bastam os dez primeiros minutos de “Oppeheimer” para ser perceptível que não só está ali um filme tecnicamente perfeito – o casamento entre imagem e som, o que caracteriza o cinema – como humanamente brilhante – seja o denso roteiro com mais de 100 personagens com diálogos, seja o excepcional elenco – há muito não se via algo similar em Hollywood, ou ainda, a habilidade, a destreza, a segurança de Christopher Nolan, diretor de “O cavaleiro das trevas”, “A origem” e os esquecidos mas excelentes “Amnésia”, “Insônia” e “O grande truque”. 

O filme enfoca o físico Robert Oppenheimer desde a sua formação acadêmica até seus últimos anos como professor, sempre lembrado como “o pai da bomba atômica”, definição que alude à glória da ciência do século passado e à possibilidade da destruição da humanidade pelo uso de um poder bélico jamais visto a partir da fissão do átomo de urânio. O filme perpassa dos anos 1930 a 1950 não só a trajetória do personagem título como parte da história americana – do combate ao nazismo na Frente Política com a URSS ao momento sórdido da caça às bruxas do macarthismo. Dessa pequena biografia americana, Nolan, adaptador do livro que deu origem ao roteiro tem alguns pontos a destacar.


O primeiro, uma homenagem, uma elegia à ciência. Fica clara pelo enfoque à herança educacional herdeira do renascimento do biografado. Seu vasto conhecimento para além da física é de um curioso autodidata – cujo ego vai se permitir lembrar-se disso assim como o diretor, que nunca fez faculdade de cinema. Em um momento que vivemos uma pandemia que houve uma retórica histérica, ignorante e de má-fé, o filme faz justiça ao mundo científico. O segundo, que mesmo tendo esse olhar para a academia, não priva de críticas ao seu funcionamento – professores e pesquisadores vaidosos, teias de competição e de cumplicidade para o bem e para o mal, carreirismo, defesa de uma ciência neutra diante da política. O terceiro ponto é que o filme faz algo que é raridade nos dias de Marvel e DC. Exige uma participação reflexiva do espectador. O dilema moral do “Prometeu americano” é algo que exige do espectador reflexões acerca do pragmatismo do uso da bomba contra o nazismo e dos seus efeitos deletérios, pois quando a técnica não é mais da academia passa a ser do Estado e das forças militares. O quarto ponto, não menos importante, é a estrutura da história - multidimensional e sobreposta como a física quântica, o universo da ascensão de Oppenheimer e a destruição de sua moral a partir de sua relação - e não interação como frisada pela personagem vivida por Emily Blunt – com o comunismo. O quinto ponto, é possível criar uma frente contra o fascismo? Liberais, democratas, socialistas conseguiram se unir para além de compartimentações - termo defendido pelo surpreendente Matt Damon – e o que isso tem a nos dizer nos dias atuais? 

Foi criada uma patética dicotomia entre esse filme e Barbie. O mercado e a crítica não esperavam que esse encontro criasse fusão ao invés de fissão. Ambos são complementares na forma de fazer um filme assim como são convergentes por defenderem uma política democrata raiz – e não a sua forma degenerada que tomou vigor nos anos 1970 em diante que dessa montanha foi parido um Trump. Não é à toa a citação a John Kennedy ao fim decisivo do filme. Ambos os filmes saem de guetos identitários. Barbie faz uma frente política com os Kens contra a Mattel, tal qual os cientistas judeus, não-judeus, de centro, de esquerda, homens, mulheres – uma mulher traída manda seu marido parar de chorar a morte da amante porque tem uma bomba para terminar -, militares se uniram contra a besta fascista. A percepção de Oppenheimer que o mundo novo que viria prescindia de uma governança global em termos rooselveltianos e que haveria uma corrida armamentista que abalaria a democracia encontra ecos nos capítulos do historiador Eric Hobsbawm em “A Era dos Extremos”: o equilíbrio do Terror. Oppenheimer sabia que havia criado a chancela para o Terror e que o mesmo jamais vive em equilíbrio. Ele vive da combustão incendiária de irresponsáveis e de omissos na ação política. Em tempo: Cillian Murphy, em sua espetacular atuação (que em nada parece o cigano ex-comunista e ex-combatente da série Peaky Blinders) e Robert Downey Jr (que tem sua melhor performance desde o fantástico Chaplin que criou) ganharão o merecido Oscar, tal qual o diretor do maior elenco estelar do século.


6 comentários:

Raimundo disse...

Não sou experto em cinema, mas gostei da análise do filme, a análise comparatoria com filme contemporâneo e sua inserção nos momentos em que o filme impacta a história. Maravilha. Parabéns!!!

Anônimo disse...

Vagner, interessante sua visão sobre o filme, sobretudo, os fatos da época.

Heitor Victor disse...

Li a análise logo após assistir ao filme, impecável como sempre em elencar os elementos que não devemos ignorar no longa. Concordo sobre a avaliação inical de que tecnicamente Nolan foi impecável, certamente o campeão de estatuetas do ano. Seguido pelo Scorsese, claro!

José Bezerra de Oliveira disse...

Gostei. Recomendo essa leitura!

Anônimo disse...

Gostei do texto, da análise criativa.
A homenagem a Ana Cláudia foi tocante, fiquei emocionado.
Abraço forte.
Paulo Baía

José Bezerra de Oliveira disse...

Gostei! Ótimo texto!