quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - LIÇÕES SOBRE AS AUTOCRACIAS NA DEFESA DA DEMOCRACIA

O tempo de união

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

A vingança do poder: como os autocratas estão reinventando a política do século XXI com estratégias para enfraquecer os alicerces da democracia, do venezuelano de Moisés Naím. São Paulo: Editora Cultrix, 2023.

 

2023 encontrou sua passagem e fez passar 2024. Um conjunto de livros nos legou. Vários passaram despercebidos. Um que foi saudado pela Madeleine Albright, a 64.ª Secretária de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) e que nos deixou Fascismo: Um alerta. Trata-se de A vingança do poder: como os autocratas estão reinventando a política do século XXI com estratégias para enfraquecer os alicerces da democracia, do venezuelano de Moisés Naím, colunista e membro ilustre do Carnegie Endowment for International Peace em Washington.

Nos quatro cantos do mundo, as sociedades livres enfrentam um novo e implacável inimigo. É um adversário que não tem exército nem marinha; ele não vem de qualquer país que possamos - apontar em um mapa. Está em toda parte e em parte alguma, porque não está lá fora, mas aqui dentro. O parágrafo que acabo de transcrever é o primeiro que o leitor encontrará, assim que abrir o livro.

Para Naím, existem três “Ps” que estão a reinventar a política do século XXI: o populismo, a polarização e a pós-verdade. O populismo não é desconhecido, ainda que nem sempre bem compreendido em suas variantes e contextos. A polarização é a sociedade que luta. E tudo isso atua em meio a propagandas ao arrepio da veracidade, que hoje chamamos de pós-verdade. Esses três 'Ps' combinados adquiriram um poder e formas de interagir que não tínhamos visto anteriormente.

O populismo se confunde com uma ideologia e até pode se passar por uma, mas não é. É uma caixa cheia de artimanhas, truques e ardis para ganhar poder e não largar dele, baseada na clássica ideia de dividir para conquistar. A grande divisão é entre as pessoas maltratadas e uma classe diretiva abusiva que as maltrata ainda mais. No meio deles sempre aparece uma figura supostamente mítica providencial que oferece ao povo a possibilidade de não ser mais maltratado e assim chegar ao poder. Essa divisão é agora o produto de polarizações de todos os tipos. As sociedades estão polarizadas de forma paralisante, devido a polarizações improdutivas e quase sempre tóxicas que não aceitam que os rivais tenham direito à possibilidade de governar. Essas são as polarizações que vemos nas democracias de hoje. Essas polarizações são influenciadas pelas pós-verdades. Antes falamos sobre propagandas. As pós-verdades as inclui, mas transcende-as ao tentar criar um mundo de narrativas fantasiosas, diferentes, ao serviço do poder, fazendo da mentira um instrumento da política, a mentira como ferramenta fundamental. A grande mentira faz parte do arsenal utilizado pelos populistas. Essa batalha se vencerá erradicando a impunidade dos mentirosos.

Historicamente, os ditadores foram militares que se juntavam a outros militares, davam um golpe contra o estado de direito e diziam que era o poder. Agora já pode não acontecer através de um golpe nesses moldes, mas sim com um processo em que, pouco a pouco, os elementos que definem uma democracia são minados. Isso é feito de forma invisível para as pessoas normais, colocando o seu povo no Poder Judiciário, comprando parlamentares do Poder Legislativo, aprovando leis na noite de sexta-feira. Isso tem acontecido na última década. Segundo Moisés Naím, em 2011, 40% da humanidade vivia num regime autocrático, em 2021 era 70%. O número de países que são democracias diminuiu. O surgimento das redes sociais, com a sua imensa influência na sociedade, o surgimento de todo o tipo de narrativas, tudo isto envolvido em truques que estavam sendo feitos para enfraquecer a democracia.

Somos consumidores de um mercado político como os ingênuos empreendedores de Schumpeter. Hoje é infinitamente mais fácil enganar as pessoas, manipulá-las. Tudo isso agora é potencializado pelas redes sociais e pelas novas tecnologias. Além disso, existe uma necrofilia política, que é o amor por ideias passadas e mortas, que foram cantadas repetidas vezes e seguem fantasiosas. A necrofilia política está em pleno andamento. Basta ler e/ou ouvir sobre as campanhas eleitorais de 2024 no México e nos EUA. As eleições municipais brasileiras esperamos que estejam já imunes desses males.

A política é uma colcha de retalhos em que a polarização e a pós-verdade dividem as sociedades entre o povo, a sociedade política e todos os tipos de individualidades. Essa afiliação das pessoas e às suas individualidades precisam estar unidas pela democracia e o seu país. Essa é a batalha que precisamos vencer.

 

Quinta-feira, 4 de janeiro de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

8 comentários:

Anna Beatrice disse...

Show ❤️❤️

José Bezerra de Oliveira disse...

Compartilhando!

Anônimo disse...

Ótimo texto!

Gil Carlos Teixeira disse...

Bravo

Anônimo disse...

Excelente a iniciativa. Sucesso!

Sandrinha disse...

Otima leitura feita dos tempos atuais! Que venham as eleições municipais.

Anônimo disse...

Uma forma mais difícil de combater agora as chamadas fake news. O correto não existe. A moral é vista de vários angulos, Muitas verdades, poucas credibilidades. Pessoas querendo ser e não ser pessoas simplesmente. Tempos difíceis.

Anônimo disse...

Gostei do conceito de "Necrofilia Política".
Isso é um fato.
Creio que para entender o Brasil do Tempo Presente é urgente ler o livro A Biografia do Abismo de Felipe Nunes e Thomas Traumann.