Lula COP28 — Foto: Lula COP28 — Foto: AP Photo/Rafiq Maqbool
O que há de novo nos repertórios
Ricardo
José de Azevedo Marinho[1]
É verdade que os repertórios constituem
sim um conjunto de conhecimentos e de hábitos,
selecionados pela experiência, que se tornam rotinas quando amplamente compartilhados, e assim forjam
instrumentos de uso generalizado para as diferentes ações sociais. Claro está
que eles não são menos apropriados para enfrentar o ano que se inicia. Muitos
aspectos de 2024 estão bastante condicionados pelo ano passado. 2023 foi um ano
bem complexo com seus azedumes, mas com suas doçuras, não só no Brasil, mas em
todo o mundo. Segundo dados da CEPAL, o crescimento da economia mundial foi
lento e cansativo como a longa COVID. O PIB mundial caiu de 3,5% para 3%, o
comércio internacional estagnou o que, como sempre acontece, incentivou o
simples pensamento dos chefes soberanistas a ressuscitar o repertório
autárquico anacrônico e com ele a existência de um mundo menos adequado à
coexistência pacífica.
Durante o último ano, o Brasil sabiamente
abriu novos repertórios com a reforma tributária, na COP 28 e se prepara para
COP 29 bem como se abriu ao G20, e as nossas taxas de desenvolvimento
permaneceram elevadas e acima do que se viu no mundo, a despeito do custo do
financiamento externo ter aumentado e as economias emergentes receberam menos
fluxo de capitais.
Nossos
vizinhos na América em relação a nós e ao mundo tiveram números um pouco
diferentes, infelizmente não no bom sentido, foram aquém. A região auferiu 2,1%,
e com isso foram criados menos empregos, e os que vieram muitos deles
informais, de má qualidade, e as projeções para os próximos anos não são
alvissareiras, além disso, aumentou a disparidade de género em matéria laboral,
manteve-se a dívida pública, o espaço fiscal foi reduzido, as taxas de juros
subiram, o que naturalmente reduz as possibilidades de desenvolvimento. As
únicas boas notícias para a região foram o Brasil, a queda da inflação e as
suas expectativas.
É claro
que devemos considerar a Argentina uma história à parte, pois como sabemos ela
vive envolta num denso marasmo econômico e político. Quem sabe se a trupe no
comando, encontra uma solução para a inflação que eventualmente pode ser
encontrada sem causar uma catástrofe na tentativa. Isto significaria que, como
diz Dante na Divina Comédia, é
possível desafiar a razão e tentar ver como Gramsci o Paraíso (futuro) sem ter
como prever e antecipar (senão em generosas linhas gerais). Mas os milagres são
raros na economia e a vida na região não é fácil. Consideremos apenas uma
informação: a produtividade do trabalho da região em 2023 foi inferior à de
1980.
Para
completar este esboço, salientamos que o investimento diminuiu mais do que em
outras regiões do mundo. A
CEPAL mostrou que entre 2013 e 2023 tivemos uma nova década perdida, mas
ainda mais grave para a tendência de longo prazo são os seus valores médios que
continuam a diminuir. Entre 1951 e 1979 foi de 5,5%, entre 1980 e 2009 foi de
2,7%, entre 2010 e 2024 será de apenas 1,6%. Com esta situação econômica
infeliz, a queda nos números do desenvolvimento social não é surpreendente.
Entre
2003 e 2013, durante alguns anos de prosperidade económica, os níveis de
pobreza diminuíram, tal como o fosso total da desigualdade de rendimentos. Nos
últimos anos eles cresceram novamente.
Para
piorar a situação, embora não seja surpreendente, tudo isto foi acompanhado por
uma degradação da vida política, um declínio no fortalecimento das instituições
democráticas, se não da democracia "tout-court", a emergência do
autoritarismo à esquerda e à direita e o aumento da desconfiança nos partidos
políticos.
Não à
toa ter aparecido ao mesmo tempo personagens bizarros e messiânicos, nem sempre
em sã consciência, que prometem resolver problemas complexos com um toque de caneta,
com a condição de que os cidadãos renunciem a ser sujeitos políticos.
É claro
que a Nuestra América, apesar dos seus enormes recursos e sem poder culpar
ninguém hoje, está a ser abandonada num mundo que faz poucos progressos exceto
na sua modernização instrumental, que está em completa desordem com a
modernidade marcada mais pelo aumento nas barbáries do que pelo andar
civilizatório, crescentes cenários de tensões geopolíticas.
Quando o Brasil acertou o passo em 2022, sendo uma exceção, fez um 2023 nadando contra a corrente, atingiu níveis superiores face à economia planetária, desenvolvendo-se com sucesso. Nuestra América liderada por governos medíocres e avatares não procurados como a pandemia e outros procurados como o surto social identitário e não só e os outros sonhos psicóticos acabam por estagnar os países, abandonando um caminho gradual, sério e inclusivo.
2023 não foi exceção, pois começamos com o dia 8 de janeiro imobilizado pela discórdia, os seus números nos empurrariam a seguir um caminho semelhante aos dos nossos vizinhos. Mas mudamos o repertório e acertamos um pouco o passo. As projeções para este 2024 devem ser um pouco menores, enquanto a da Nuestra América mal chegará a 1,8%. Sentiremos então ao chegar no final do primeiro semestre a sensação de uma bênção.
É possível esperar uma situação melhor? Claro que sim, mas isso exige uma grande transformação na forma de fazer política tanto por parte do governo como da oposição, especialmente no espírito com que praticam a competição democrática legítima como esperamos para as nossas eleições de 2024, combinando-a com um sentido Republicano, alcançando bases mínimas de acordo. Só isto irá realçar as enormes possibilidades do país e encurralar todos os tipos de fanáticos, aqueles que consideram a política como uma arma de combate para impor a sua verdade absoluta. Mas como o que já foi dito não é fácil conseguir e é melhor fazer o esforço para se seguir o caminho benfazejo aberto, pois assim não colocamos nossos peitos aberto para sofrermos decepções, e seguiremos dando passos no nosso fio de esperança.
Terça-Feira,
9 de janeiro de 2024
[1]Presidente
do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da
Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
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