quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 030 - A EDUCAÇÃO POLICROMÁTICA DO POVO BRASILEIRO


Batalhas da Educação e os números do Censo de 2022 

“(...)“as identidades são benções ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como dizer quando um se transforma no outro.” 

Zygmunty Bauman, 2005

 

Vagner Gomes de Souza

O censo demográfico brasileiro, pelas circunstâncias do acaso, se fez no bicentenário da independência do Brasil. Foi também o centenário de Darcy Ribeiro que nos brindou com O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil (1995) – um livro que está merecendo ser lido pelos gestores do Ministério da Igualdade Racial na perspectiva de destravar a política de Frente Democrática nesse segmento.

Os números que agora vem a público informa que a sociedade brasileira se reconhece “parda” na classificação por cor ou raça. Pela primeira vez na história, o número de pardos supera aqueles que se declaram brancos naquilo que um autor polêmico, Antonio Risério (que é do estado da federação que mais se declarou de cor preta) poderia classificar como a vitória de uma mestiçagem.

Todavia, os números surgem numa época de polarizações nas redes sociais.  Muitos desavisados da “revolução passiva” sempre constante na sociedade brasileira correm para somar pardos e pretos numa ansiedade pelo reconhecimento da identidade afro-brasileira acima da pluralidade de cores de nosso país. Esse atalho pela via das narrativas faz emergir leituras mais próximas da modelagem da identidade num mosaico de grupos fragmentados. A liberdade avança sem que se reconheça uma história de políticas públicas com suas bases na educação.

Voltemos ao mesmo Darcy Ribeiro que foi senador (1 de fevereiro de 1991 a 17 de fevereiro de 1997) com suplência de Addias Nascimento. Darcy tinha uma preocupação com a formação política de seu Gabinete através da revista “Carta” que ainda mereceria estudos no mundo acadêmico. Na segunda metade de seu mandato, o intelectual-provocador de debates cede espaço para um articulador político. Assim, em 1995 assumiu a relatoria da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Era uma oportunidade de levar seus estudos para o mundo real.  O Brasil ainda engatinhava em uma nova ordem constitucional na Carta de 1988 – que merece ter uma Semana de Celebração nas Escolas Brasileira. A LDB seria o alicerce para a alfabetização, o cultivo dos jovens, a qualificação profissional, a formação superior. A assumir a relatoria do projeto de LDB, ele surpreendeu a todos com um substitutivo que praticamente reiniciava todo o debate consolidado em sete anos e foi muito criticado por segmentos de uma esquerda refém do corporativismo na educação. A LDB seria o alicerce para a alfabetização, o cultivo dos jovens, a qualificação profissional, a formação superior[1].

A educação brasileira ganhou então um pouco do perfil do pensamento social exposto no livro de Darcy Ribeiro de 1995. Está seria nossa primeira hipótese para vislumbrar que os avanços nos índices educacionais em quase três décadas da LDB nos permitiu a ascensão dos pardos nos números do IBGE uma vez que a legislação permitiu uma diversidade ao ensino brasileiro incluindo e destacando em seu primeiro artigo: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”

Na sequência, o sociólogo Florestan Fernandes, então Deputado Federal, batalhou pela mudança na LDB que fez surgir a Lei 10.639/2003 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. A lei foi promulgada em 9 de janeiro de 2003, como se fosse um presente da transição de governo do também sociólogo Fernando Henrique Cardoso (autor de Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata no Rio Grande do Sul em 1962, um instigante livro para ser lido em comparação com os números atualizados do Censo referentes aos gaúchos de onde surgiu Vargas) para o primeiro mandato de Lula uma vez que todo debate legislativo ocorreu anteriormente.  

Em mais de 20 anos dessa lei, que foi modificada pela Lei 11645/2008 em atendimento ao reconhecimento dos povos originários, não se fala mais no acerto do executivo em seu veto ao parágrafo terceiro que defendia uma “cota curricular” na disciplinas de História e Educação Artística como se lê:

“§ 3o As disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino médio, deverão dedicar, pelo menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à temática referida nesta Lei."

A mensagem de veto é uma aula de gestão pública nos princípios republicanos e democráticos ao se referir num base nacional curricular “o referido parágrafo não atende ao interesse público consubstanciado na exigência de se observar, na fixação dos currículos mínimos de base nacional, os valores sociais e culturais das diversas regiões e localidades de nosso país” (extraído da mensagem de veto).

Portanto, em dois momentos de mudanças na educação brasileira, em que temos a presença de intelectuais com contribuição ao pensamento social brasileiro, podemos perceber avanços nesse território que permitiu o reconhecimento da ascensão dos mencionados pardos. Não foram as mudanças gramaticais e muito menos as polêmicas em torno de temas linguísticos que teriam moldado esse ponto de inflexão no censo demográfico de 2022. Nesse momento, temos que seguir atentos para o resgate da educação depois de anos deixada alheia de um debate que se faça ouvir aquilo que ainda restou de intelectualidade na vida pública. Pois, as leituras hipermodernas poderão ser usadas contra nossa democracia. 


[1] Fonte: Agência do Senado https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/09/darcy-ribeiro-o-legislador Consultado em 26 de dezembro de 2023. Reportagem: Guilherme Oliveira

 

10 comentários:

Pablo De Las Torres disse...

Importante lembrança sobre as ofensas que determinada esquerda fazia nas faculdades à LDB e sobre o esquecido Florestan deputado, que no artigo não teve o partido citado. Bom texto de resgate do "socialismo moreno"

José Bezerra de Oliveira disse...

O povo está, finalmente, se enxergando?

Mateus Reimão disse...

Muito bom o artigo, professor.

John Lennon disse...

Muito bom artigo, curti os personagens, da para fazer boas pesquisas, e a cutucada no final, foi a cereja no bolo.

Anônimo disse...

Muito bom o artigo

Isabella Souza disse...

Excelente artigo!

Anônimo disse...

Muito bom, gostei. Uma educação perfeita* melhora a qualidade de vida, eleva auto estima, melhora a educação social e política do País. China, vem fazendo isso há muito tempo.

Letícia disse...

obrigada

Anônimo disse...

👏🏾👏🏾👏🏾

Bárbara disse...

👏👏👏👏👏👏