Rumo ao centenário de Casa-Grande & Senzala
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Em dezembro de 1933, publicava-se no
Brasil obra fundamental para o conhecimento que até então se tinha sobre a formação
da nossa civilização: Casa-grande & Senzala - formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal, do intelectual pernambucano
Gilberto Freyre (1900-1987). Para marcar os 90 anos deste livro que
revolucionou os estudos sobre nós brasileiros, a Global Editora lança uma
edição especial comemorativa limitada com capa dura desta obra icônica.
Além de trazer os elementos já presentes,
a versão atual traz também a apresentação de julho de 2003 do professor e ex-presidente
da República Fernando Henrique Cardoso e dois cadernos iconográficos. A nova
edição brinda os leitores com um conteúdo adicional especialmente produzido
para ela: um posfácio de julho de 2023 escrito pela professora e historiadora
Mary Del Priore e um terceiro caderno iconográfico, o qual oferece um passeio
imagético pelas obras de pintores e desenhistas que contribuíram para as
diversas edições de Casa-grande & senzala publicadas ao longo de
nove décadas.
A pintura que estampa a capa desta nova
edição é de autoria de Cícero Dias (1907-2003), pintor pernambucano reconhecido
internacionalmente e que foi amigo de Gilberto Freyre. A obra pertence hoje ao
acervo da Fundação Gilberto Freyre. É também de Cícero a famosa pintura do
Engenho Noruega que vem encartada nas edições de Casa-grande
& Senzala da Global Editora.
Ancorado em ampla pesquisa realizada em bibliotecas
e arquivos brasileiros e estrangeiros, Gilberto Freyre construiu uma poderosa
análise sobre os traços e desafios fundamentais da formação da civilização brasileira.
As virtudes e os vícios da nossa colonização predominantemente ibérica no
Brasil, a enorme contribuição das diversas populações indígenas e africanas na
formação da identidade brasileira, tudo reconstituído a partir de uma
perspectiva inovadora: lançando luzes sobre os aspectos cotidianos que
estiveram presentes nas permanências e transformações de uma civilização caracterizada
pela miscigenação.
Nesses vinte anos entre a apresentação do
livro perene de 2003 e o posfácio do castelo de mil portas de 2023, mais de uma
grande quantidade de obras, cuja grande maioria corresponde à trajetória também
internacional dessa obra, foram publicados sobre Casa-grande & Senzala
e o pensamento de Gilberto Freyre. Sobre sua ação como político, constituinte e
deputado ainda a uma longa avenida a ser percorrida. Poucos anos depois do trigésimo
aniversário da sua partida e poucos meses antes dessa edição comemorativa,
buscamos aqui numa série de textos por essa efeméride, aludir ao interesse renovado
e sempre ampliado, nacional e internacionalmente em estudá-la, seguir encontrando
e reencontrando seu lugar e seu significado no desenvolvimento do pensamento social
brasileiro na contemporaneidade, para o qual, como todos reconhecem, deu
contribuições originais e duradouras.
Mas, o que significa isso? O que
significa hoje refletir sobre Casa-grande & Senzala? Nas esferas brasileiras
e ela no planeta é, sobretudo, o testemunho irrefutável do reencontro, cada dia
mais profundo, depois de nove décadas, entre o movimento democrático de uma
civilização que avança para a conquista de sua maturidade política e a direção
das lutas dos outros brasileiros pela sua república, e a memória de mulheres e homens
a quem deve a contribuição fulcral para o nascimento das suas primeiras
organizações civilizatórias, societais e políticas brasileiras, e a ainda
fecunda matriz de uma teoria e de uma orientação estratégica democrática e
republicana na civilização brasileira.
É nesse sentido que o debate decenal rumo
ao centenário de Casa-Grande &
Senzala exige repensar nossas perspectivas e contribuições, confrontando as
tendências atuais globais e as opções civilizatórias planetárias. Porque é no
movimento de reflexão de Gilberto Freyre onde estão, sem dúvida, contidos
alguns dos elementos decisivos da renovação do debate epistêmico, teórico e
político que está em curso. Isto não significa, obviamente, que deixou de ser
relevante e importante seguir com o que já se conquistou anteriormente, mas ao explorar
o território continente Casa-Grande &
Senzala sobretudo em relação à história teremos novas projeções futuras
alicerçadas nas anteriores de conhecimento no caminho de um mundo plenamente democrático.
Rio, 20 de dezembro
de 2023
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.
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