O
Pálido Olho do Horizonte
Pablo Spinelli[1]
Dedicado à
lembrança dos trinta anos das chacinas da Candelária e de Vigário Geral – o ovo
da serpente carioca.
Os acontecimentos em
Brasília no dia 8 desse mês abre um leque de questões que o espaço não permite,
mas ao vincular com o filme em questão, podemos abrir uma seara importante seja
como análise do passado, seja como proposta de intervenção no porvir. Qual a
faixa etária dos manifestantes de 2023? Haveria uma relação com uma parte da
sociedade que aos 25, 30 anos participou dos movimentos de 2013? E os
cinquentões, será que colocaram o verde e o amarelo nos rostos enquanto
“cara-pintadas”, movimento que trouxe à luz uma liderança da UNE na época? E os
militares, tanto os do Exército, como os policiais, que tipo de ensino há nas
academias? O ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional do Governo
Bolsonaro foi alinhado ao Ministro Sílvio Frota, um dos líderes da “linha-dura”
do exército que foi enquadrado pelo então Presidente Geisel na transição da
“Ditadura Escancarada” para a “Ditadura Derrotada” iniciada após o falso
suicídio do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto nas instalações do II
Exército, em São Paulo, sendo que este nunca defendeu a luta armada como
Marighella; mas a luta pela política, com a defesa pela Frente Democrática.
Essas perguntas sobre a
cultura política na formação do seio militar são importantes porque não houve
em nenhum momento desde a redemocratização o diálogo para uma revisão acerca de
termos e conceitos da Guerra Fria, como por exemplo, a permanência da Doutrina
de Segurança Nacional que tinha (e tem) como princípio a busca pelo inimigo
interno, anacronismos conceituais que perpassam gerações de soldados a futuros
generais e coronéis da AMAN, dentre outras instituições. Além disso, as
irrupções da massa nas ruas sem a política – ou com a sua carnavalização com
adesão às paixões extra-institucionais – desde os anos 1990 em diante não
sofreram uma contribuição crítica nas escolas, nos sindicatos, nos partidos
políticos ou pela mídia tradicional. Com as mudanças estruturais – e a
estrutura sempre fala -, houve um brado, um grito de caráter individualista,
ególatra, iconoclasta (a destruição do patrimônio cultural em Brasília com a
visualização nas redes sociais sem se preocupar com o amanhã demonstram o
paroxismo desse brado) no último dia 8.
A pedido do oficial
Hitchcock (sim, bela homenagem em um filme de suspense com muitas loiras), a
investigação caberá ao bem afamado Augustus Landor (que tem a religião no nome),
interpretado pela excelência costumeira de Christian Bale, que carrega em cada
ruga a tristeza da tragédia familiar do personagem. Em um cenário de cores
frias e paixões e sangues quentes, com uma fotografia de muitos, muitos azuis, o
investigador Landor tem o apoio do jovem cadete Edgar Allan Poe (aquele que
será o autor americano mais conhecido do mundo gótico, sombrio, romântico e que
é o patrono da escola de Wandinha), vivido com competência e sensibilidade por
Harry Melling, “primo” de Harry Potter.
A narrativa é de um
filme lento, mas não entediante, que acaba por envolver o espectador mais na
relação entre o investigador e o jovem poeta do que na resolução do crime em
si. Como de hábito, após um cadáver haverá outros. O isolamento do lugar com um
serial killer à solta nos remete ao icônico O
Nome da Rosa (1986). Cumpre chamar a atenção para o binômio que Landor
enfrenta e discute: o fanatismo religioso – instrumentalizado para interesses
egoístas – e o militarismo (similar às críticas de Stanley Kubrick em alguns de
seus filmes). Da boca de Landor/Bale surge a pergunta: “que tipo de homens vocês (militares) estão formando aqui?”.
Levando-se em conta a faixa etária dos cadetes e que o filme se passa em 1830,
aqueles jovens foram formados para serem os generais no mais sangrento conflito
estadunidense: a Guerra de Secessão (1861-1865). Essa pergunta também está
presente no filme A Fita Branca
(2009), assim como está ecoando na nossa conjuntura. O que foi formado até
aqui? O que será formado adiante? Seria o caso de parafrasear o corvo do poema
de Allan Poe e diante do ocorrido dizer:
“Nunca mais! Nunca Mais!”. Não adianta um manancial de boas intenções sem a
práxis democrática universalista. Do contrário, tudo será pálido e cinzento,
como no final do filme.
Pálido Olho Azul (2022)- disponível: Netflix
Direção: Scott Cooper
Roteiro Scott Cooper
Elenco: Christian
Bale, Harry Melling, Gillian
Anderson
Um comentário:
Uma excelente, refinado e corajoso texto. Será que nossos governantes e militares terão essa coragem tão necessária?
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