segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 15 - CINEMA É HORIZONTE

Contatos Imediatos com o Cinema

Gina Lollobrigida, PRESENTE!

Por  Vagner Gomes de Souza

 

Entrar num cinema é uma diversão cada vez menos associada as camadas populares no aguardo da “Terra Prometida” da picanha e cerveja. As salas de cinema saíram da convivência com as ruas das grandes metrópoles e foram inseridas nos Shoppings Centers como já denunciava uma das temporadas de Stranger Things. Além disso, o avanço tecnológico do audiovisual reduziu as intervenções do homem como se um filme fosse uma obra de arte “pasteurizada” na inteligência artificial. Por fim, o filme foi “uberizado” pelas redes de streeming em ascensão nesses tempos de pandemia. Mais dinheiro, mais tecnologia, mais mercado, morte dos empregos gerados pelo ir ao cineminha. Na residência o telespectador fica isolado do espetáculo do cinema e pode fraturar um filme para cuidar seus outros afazeres. Ganha espaço as séries em episódios de menos de 40 minutos e um filme se fragmenta mais ainda na mente do público. As cenas de ação ganham mais velocidade e menos tempo é dado para longos diálogos ou longos dramas. Não se espera ouvir os personagens ou destrinchar seus sentimentos, mas simplesmente compartilhar um pouco de adrenalina com menos reflexão. Aparentemente, o grande cinema estaria morto pelos novos tempos, que são sombrios, pois devemos refletir mais e nos reeducar a ouvir os outros.

Então, eis que o diretor de Indiana Jones (Steven Spielberg) nos faz o convite para viver a  emoção do cinema numa trajetória de uma família Os Fabelmans deu título ao filme que se apresenta como a frente democrática na resistência as derivas autoritárias que esse mundo sem cinema está fazendo. O diretor não aceitou fazer um lançamento nos streemings, pois deseja que o público vá ao local aonde ele teve seu primeiro contato com a sétima arte. Antes da exibição, nos lembrando de Alfred Hitchcok que aparecia em seus filmes, Spielberg faz um agradecimento ao público que saiu de sua residência para viver um momento de sonho e emoção no cinema. O filme começa em 1952, tempos em que o macarthismo (caça aos comunistas norte-americanos como atividade contra a pátria) desestruturava a vida de muitos artistas e intelectuais que tinham se aproximado da União Soviética por causa da luta antifascista[1].

Os pais levam Sammy a sua estreia ao cinema para o sugestivo filme “O Maior Espetáculo da Terra” de Cecil B. DeMille. A reação do garoto ficou entre o susto, mas o desejo de buscar entender aquele processo como se fosse a metodologia de ensino do incentivo pela curiosidade. Da infância até a fase jovem adulta ele passa por esse processo de luta para buscar adquirir um entendimento do que lhe está ao seu redor o que lhe fez descobrir segredos na própria família. Os olhos de Sammy se abriram para uma tradução da realidade naquilo que poderia ser somente uma expressão artística. Arte, técnica e ciência são os ingredientes que o personagem principal agrega ao “modus operandi” do filme. Aqueles que assistiam ao drama familiar ou autobiográfico do cineasta na verdade estavam sendo apresentados ao horizonte de um mundo em que o Sonho Americano tinha suas contradições. Por exemplo, nos alertar para a força do antissemitismo na Califórnia dos anos 60 ainda antes do Governo do Cowboy Ronald Reagan.

Consequentemente, os personagens não são apresentados como  paradigmas da essência tóxica, mas se abrem para que o espectador busque compreender suas motivações. Está em aberto muito do que se assiste para que se pense muito. Até que nos aproximamos aos momentos da belíssima interpretação de David Lynch que merece destaque por muito bem caracterizar um John Ford entusiasmado com o olhar para frente. Spielberg realiza uma justa homenagem ao diretor de Rastros de Ódio (1956) e nos brinda com Lynch magnífico sob a sua direção. Enfim, tudo como o bom velho cinema nos ensina a ser para sempre como espaço democrático de convivência.


[1] Há inúmeros filmes em Hollywood sobre esse período, sugerimos  Trumbo – Lista Negra direção de Jay Roach (2015).

Um comentário:

Mateus Reimão disse...

Muito boa a análise, Professor.