quarta-feira, 23 de maio de 2018

ENTREVISTAS: BRASIL 2018 - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES


Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta. Com ampla participação em jornais e revistas associados ao velho PCB, como Voz da Unidade e Presença, na Fundação Astrojildo Pereira dirige a coleção Brasil & Itália, que trouxe para o público brasileiro livros inéditos de Giuseppe Vacca, Silvio Pons e outros. Coeditou, com Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, as Obras de Antonio Gramsci, lançadas pela Ed. Civilização Brasileira. Há vários anos é colaborador regular de O Estado de S. Paulo. Edita as páginas Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) e Esquerda Democrática (https://www.facebook.com/esqdemocratica).


1) O que observamos de diferente nesse cenário de pré-campanha para as eleições presidenciais?

A extrema dispersão das candidaturas, especialmente as do centro político, faz lembrar a primeira campanha pós-Constituição de 1988. De fato, ali também os candidatos “extremos”, Collor e Lula, se beneficiaram do afastamento tucano em relação ao velho tronco peemedebista, da existência de uma candidatura própria do partidão (Roberto Freire) e daquela de um político da tradição, como Brizola, que, fossem quais fossem seus defeitos, tinha a ideia da importância das classes médias.

Vendo o panorama agora, o quadro é ainda mais confuso. À direita não sabemos a real implantação de um candidato que defende soluções autoritárias e que, em todo caso, não convém subestimar. À esquerda, mesmo com óbvios impedimentos legais, o eterno candidato petista ainda não cedeu aos imperativos da realidade ou finge não ceder, o que dá praticamente no mesmo. Ciro Gomes tem potencial eleitoral óbvio, assim como óbvios são os obstáculos representados por algumas de suas ideias “barrocas” e pelo seu próprio “barroquismo” pessoal.

O centro, hoje, é quem mais parece se ressentir destes anos de má política, cooptação e devastação da estrutura dos partidos. Mas seus diferentes representantes já não podem botar a culpa nos outros, no petismo em particular, não em último lugar porque jamais se preocuparam em dar vida orgânica aos respectivos grupos partidários. Os vícios persistem depois de todo o desastre ou, talvez, como expressão continuada de um desastre que parece não ter fim. Por exemplo, há gente nesta área que parece ser candidato porque quer ou porque – vexame máximo! – tem dinheiro suficiente para bancar a própria campanha, embora não tenha a menor viabilidade eleitoral ou capacidade de aglutinação.

Isso para não entrar na questão da composição provável do próximo Congresso. Existe a forte possibilidade de eleição de um presidente com frágil base congressual, dada a possível predominância de partidos “médios” empenhados desde já em eleger bancadas para funcionar como cidadelas corporativas dispostas para um jogo de soma zero. Partidos sem visão nacional nem programa coerente e, por assim dizer, retalhados transversalmente em bancadas “temáticas” – a da bala, a da motosserra, a evangélica, etc. E em certos casos, ainda por cima, comandados por personagens egressos de condenação nos megaescândalos dos últimos anos, o que só se explica pela mão de ferro que impõem sobre os recursos do fundo partidário.

Em outras palavras, um cenário pré-eleitoral de tal complexidade é inédito. Temos algumas situações do passado para comparar, algumas categorias para mapear o terreno, mas não muito mais. 


2) A tática do Partido dos Trabalhadores (PT) de levar a candidatura de Lula até o limite contribui para a renovação da esquerda brasileira?

Desde o primeiro dos dois grandes escândalos da era petista, o comportamento daquele partido foi sempre linear e previsível: defendeu-se atacando. Os alvos são móveis, mas não são muitos: a mídia oligárquica, a justiça de classe, a classe média ressentida e capturada pelas “elites”. Uma cultura de confrontação, portanto, que de resto foi a marca de origem do partido e só esteve suspensa em alguns momentos, como no episódio da “Carta aos brasileiros”, de 2002. Se bem observarmos, a figura mítica e quase mística de Lula povoa o cenário desde as eleições de 1989. Uma esquerda prisioneira de um só nome há trinta anos não contribui para a renovação de si mesma nem do país. Congela a renovação dos quadros, ajuda a bloquear a imaginação política e social. E, naturalmente, acaba por fomentar o surgimento de outros mitos igualmente nocivos, transformando a arena política num cenário de fanatismos que no fundo se alimentam uns aos outros e não vivem uns sem os outros.  

3) Alguns eleitores do PT nas camadas médias estão migrando para o PSOL ou PCdoB enquanto a Direção Nacional interdita o debate do “Plano B”. Esse seria o momento de renovação do ciclo de hegemonia do PT na esquerda brasileira?

Li um dia desses que a esquerda brasileira ficou mentalmente agarrada aos anos 1960. Só isso, aliás, explica o fascínio de Cuba ou da Venezuela, pelo menos antes da tragédia humanitária que se abateu sobre este último país. Evidentemente, aquela mentalidade “revolucionária” era completamente inadequada, visceralmente inadequada, como guia de ação no contexto brasileiro. O PT cresceu, elegeu prefeitos e governadores, ganhou quatro mandatos presidenciais, vale dizer, teve todo o tempo do mundo para entender como uma relação correta com as instituições democráticas, fortalecendo-as e aprofundando-as na vida dos subalternos, não só é algo valioso em si como também atende aos interesses da própria esquerda.

Mas é preciso considerar que, falando de “esquerda”, estamos colocando no singular um termo muito complexo. Sempre haverá esquerdas atrasadas, sectárias, em permanente ânsia de assaltar os céus. O importante é que fiquem na margem do quadro, sem dominar a discussão geral. E sempre haverá situações ambíguas: se é verdade, por um lado, que o PT jamais se comportou como partido revolucionário, por outro lado nunca abandonou uma linguagem desse tipo, sempre coqueteou com os Chávez e Maduros da vida, e só esse coqueteio traz confusão, obstaculiza o diálogo com as demais forças, prejudica o projeto e a ação de um governo reformista, gerando ruídos completamente fora de propósito.
Considerando o peso das ideias na ação política, que nunca é pequeno, acredito que sair do PT e aderir ao PSOL ou ao PCdoB, tais como são, é continuar na máquina do tempo. Já se passaram trinta anos desde a promulgação da Constituição de 1988, era tempo de termos aprendido. A democracia permite e até requer aprendizados longos, mas convenhamos que há algo de repetição, no sentido psicanalítico do termo, neste “novo” rumo que alguns têm tomado depois de se desiludirem com o PT. Com a palavra, Freud, de preferência a Marx.



4) A candidatura do Deputado Jair Bolsonaro (PSL) lidera entre os eleitores jovens do sexo masculino. Ele seria o herdeiro das manifestações em favor do impeachment de Dilma?
Este nexo entre os maus ou medíocres governos do PT (e nisso incluo os de Lula, que não têm nada de extraordinário sequer em termos de inclusão social, se colocados em perspectiva comparada com países semelhantes no mesmo período de intensa valorização das commodities) e a ascensão da extrema-direita tem sido ressaltado e é sem dúvida pertinente. Mas seria um equívoco julgar que as jornadas de junho de 2013 e as manifestações pelo impeachment tivessem algum desfecho predeterminado ou inevitável. Elas não foram unívocas nem monopolizadas pela direita política, muito menos pela extrema-direita. Se tivessem sido, estaríamos numa situação ainda mais complicada: teríamos uma agressiva direita “revolucionária”, adepta de uma intervenção militar “constitucional” e com base de massas, o que (ainda) não é o caso.
Bolsonaro explora demagogicamente uma série de problemas reais para os quais o centro político ainda não conseguiu formular respostas abrangentes, como a questão da violência nas nossas cidades, que evidentemente fugiu de controle. Mas suas propostas, como a de relaxar o controle de armas e disseminar seu uso, não só são primárias como também trazem embutido o risco de um perigoso regresso civilizacional. Chegaremos a ter professores armados em salas de aula? As mulheres dispararão contra seus companheiros violentos? Será este o método preferido de resolução de todos os inúmeros conflitos interpessoais?
Faço um desvio aparente. Um lema inteligente de 2013 dizia que país desenvolvido não é aquele em que “os pobres têm o seu carrinho”, mas sim aquele em que a grande maioria, inclusive a classe média alta, usa transporte sobre trilhos. Analogamente, país seguro não é aquele que deixa os cidadãos se armarem até os dentes, o que provavelmente teria como consequência aumentar o número já absurdo de assassinatos com armas de fogo, quem sabe generalizando entre nós o tipo de crime “americano” por excelência que é a matança indiscriminada de inocentes. País seguro sabe prender bem, punindo, em primeiro lugar, os crimes contra a vida. Combate sem tréguas o domínio territorial do tráfico. Assegura para o aparelho do Estado democrático o monopólio da violência (entre outras coisas, a posse das armas de guerra), etc.
Uma constatação óbvia é que os governos petistas nada fizeram sobre segurança pública; e, gostemos ou não, um primeiro passo está sendo dado agora, no malfadado governo Temer, com a criação do sistema único de segurança. Temos de seguir neste caminho, examinando cuidadosamente, por exemplo, a experiência internacional sobre o uso de drogas, que responde por boa parte da violência urbana. Por falar nisso, há quase uma idealização de Portugal neste momento, especialmente por ser um país seguro, com índices baixíssimos de criminalidade. Bem fariam os milhares de brasileiros se, uma vez lá estabelecidos ou mesmo depois de uma simples visita, se perguntassem sobre como a moderna democracia portuguesa trata traficantes e usuários, como lida, afinal, com este imenso problema das drogas. E assim nos ajudassem a mostrar que não há Bolsonaros por lá. O caminho é inteiramente outro, se quisermos ter níveis decentes e civilizados de vida associada.    


5) Em 2002 nós vimos o “Lula Paz e Amor”. Seria possível a invenção do “Ciro Paz e Amor”, ou seja, qual o nível de abertura da campanha do PDT para o centro político?

A candidatura Ciro Gomes é muito competitiva, um dado de realidade que ninguém vai negar. Indultando ou não a Lula (só a Lula?), um Ciro presidente indicaria o ocaso irreversível do petista. Ciro passeia pelos partidos com desenvoltura mais do que preocupante, dando a sua deliberada contribuição pessoal para a miséria do sistema partidário; no entanto, o fato de ter sido governador e ministro, além de estar ocasionalmente alojado no PDT (com sua cultura trabalhista residual e retórica), alerta-o instintivamente para o papel das classes médias, que só uma esquerda muito precária demoniza ou ridiculariza. Mas Ciro, como também já demonstrado abundantemente, pode pôr tudo a perder com uma declaração desastrada e até um gesto grosseiro, ou uma combinação em série de falas e gestos destemperados. Ademais, ele tem este lado “decisionista” declarado, que certamente o levaria a tentar superar eventuais impasses com o Congresso apelando à manifestação direta do “povo”. O risco, aqui, é a emergência de uma perigosa democracia plebiscitária, em que o controle da política “pelo alto” se mascararia com a participação manipulada da população. Nada muito empolgante, portanto. Além do mais, também não se sabe o que seria a politica econômica de Ciro. Um nacional-desenvolvimentismo próximo dos governos Lula II e Dilma? Neste caso, dada a quebra generalizada do Estado brasileiro, poderíamos ver reencenado o “estelionato eleitoral” que vimos em 2014/2015. Ciro, por tudo isso, é muito mais parte do problema do que de uma solução razoável.


6) Geraldo Alckmin (PSDB), Álvaro Dias (PODEMOS) e Rodrigo Maia (DEM) ensaiam atrair partidos fisiológicos do chamado “Centrão”. Quem leva vantagem até a campanha eleitoral? Marina Silva (REDE) não poderia ser o Macron das eleições presidenciais de 2018?

Não há Macrons à vista no horizonte. Aproveitando o tema Macron, é preciso dizer que esta questão do “centro” deve ser mais bem explicada. Não se trata de apontar uma posição intermediária e supostamente mais sensata e razoável. Não é questão de fazer graça com coisa séria, mas o padrão stalinista de ação política consistia, exatamente, em apontar uma direita “traidora” dos princípios e uma esquerda aferrada radicalmente a estes mesmos princípios, de modo que o grande líder sempre aparecia como detentor da chave mágica de leitura do mundo real: dele emanava a “linha justa”.

O centro não pode ser isso. Tem de falar para além das cercas do mundo político e buscar sólidos apoios na vida social, nos empresários, nos trabalhadores, no mundo da cultura. Não pode ignorar esta dramática “questão dos intelectuais”, não de hoje radicalizados à esquerda e, agora, para espanto geral, à direita. Os líderes do centro devem se mostrar inteiramente solidários com a massa de brasileiros desempregados, subempregados ou em desalento. Não é questão só de buscar obsessivamente os caminhos do crescimento, mas também de demonstrar profunda simpatia humana e sentimento de solidariedade, de passar a sensação de “proximidade” com o sofrimento da gente comum. Nada disso é pieguice, comiseração ou paternalismo anacrônico. É algo qualitativamente diverso, é uma expressão do princípio republicano da fraternidade, que deve se juntar à liberdade e à igualdade formalmente garantidas na Constituição.  

É preciso ter audácia para resolver problemas reais, concretos. Recordo um episódio bastante triste destes últimos anos, que muitos ainda terão na memória. Vimos o presidente Temer e os ex-presidentes Lula e Dilma “brigando” pela paternidade das obras de transposição do São Francisco, inclusive da parte que foi concluída no governo Temer. Sucederam-se discursos e antidiscursos, inaugurações e anti-inaugurações oficiais. No entanto, audácia política, ali, seria apontar para o grande problema das águas do São Francisco e dos nossos cursos d’água de um modo geral. Isso abriria espaço para a discussão de políticas públicas efetivamente radicais, como o saneamento, a despoluição, a proteção do território. E, diga-se de passagem, abriria espaço também para a mobilização de saberes, muito particularmente das universidades e suas áreas humanas, hoje muitas vezes perdidas em bizantinismos ideológicos, incapazes de incidir produtivamente no mundo real.

O centro, portanto, não deve ser o lugar de infinitas e inconclusivas mediações no interior da “classe política”, mediações que fazem a alegria de quem, como nós, gosta da atividade política mesmo em restrito sentido palaciano. Deve ser bem mais do que isso. Sem negar minimamente o papel da mediação política e, antes, exaltando-a, o centro é o lugar móvel, dinâmico, de onde se podem descortinar os problemas essenciais do país e, ao mesmo tempo, apontar os rumos para sua solução, as forças que é possível convocar, os consensos que se deve promover em cada caso para obter um equilíbrio de forças mais avançado. O esquerdismo pseudoradical mostra-nos o paraíso e suas quarenta mil virgens, esquecendo-se “apenas” de indicar o roteiro viável para chegar até a beatitude. Ao contrário, todos os nomes indicados acima, nesta última pergunta, estão desafiados a reconstruir esta ideia de centro progressista e reformador, mostrando ao mesmo tempo o gato e o guizo.

Diria, para terminar, que a renovação da esquerda passa exatamente por este ponto. Sob pena de continuar a ser meramente uma força de protesto, “um bolsão sincero, mas radical”, uma esquerda de novo tipo, sem deixar de ser ela mesma e de cumprir os compromissos sociais que definem sua identidade, deve ser um fator de ativação do centro político. Neste caso, ela, esquerda, não se perderia em anátemas tolos contra uma “classe média” egoísta e sempre igual a si mesma em toda a história do país, entravando miseravelmente o suposto bonde da história e outros bondes. Diria ainda que esta é uma grande questão de hegemonia no sentido alto e nobre da expressão, longe de qualquer fanatismo e de qualquer reducionismo. Há muitos momentos em que parecemos não estar coletivamente à altura do desafio, mas isso não significa que tenha de ser assim indefinidamente.

terça-feira, 1 de maio de 2018

OS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Educar para a Democracia
Vagner Gomes de Souza

O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais um momento da política brasileira em que a polarização se fez presente ao ponto das “fumaças do passado” começar a circular os quartéis. O resultado não está fundando um caminho para a pacificação na sociedade brasileira. Ao contrário, a “ética da convicção” estaria suplantando a “ética da responsabilidade” como nos ensina o clássico Max Weber. Assim, percebemos o quanto a nossa democracia está carente de uma ampla frente de defesa para que a velocidade dos fatos não acabe por jogar o país num ciclo de ampliação das restrições de direitos.
A Constituição é o farol da democracia. Esse é o teor da coluna de Tereza Cruvinel (“STF menor, crise maior” no Jornal do Brasil de 05 de abril) que muito desejamos ressaltar o voto do ministro Celso de Mello. Ele realmente fez uma aula magna sobre os valores da liberdade consagrados na Constituição, o que nos permitiria a pensar no papel da educação para fazer o cidadão melhor conhecer seus direitos. Muitos brasileiros são leigos no conhecimento de nossos direitos e imaginem no reconhecimento dos princípios fundamentais de nossa nação.

Ulisses Guimarães e Lula

O que dizem um determinado segmento da sociedade quanto a defesa da dignidade da pessoa humana (art.1º, III da C.F.)? Quais longas polêmicas daria ter como objetivo “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III da C.F.)? O que diriam os pré-candidatos a Presidência da República sobre a “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II da C.F.)? Esses são alguns exemplos do quanto nossa Constituição precisa ser mais reconhecida pelo povo. Afinal, como exercer o seu poder desconhecendo os termos da Carta Magna?
A democracia é complexa. Por isso, o atalho da polarização atrai a muitos que desconhecem princípios consagrados na nossa Lei Maior. Todo campo democrático deve levar os termos da nossa Constituição para o debate no dia a dia. A pacificação de nosso momento político passa pela conquista de mentes e corações para as palavras que foram promulgadas há quase 30 anos. A sociedade se educa para a democracia além das eleições. A democracia se fortalece com a solução de problemas no cotidiano e se engrandece com o reconhecimento das posições contrárias na busca de pontos em comum.
Promulgação da Constituição de 1988

As escolas devem ser motivadas a fazer da Constituição como um texto a ser trabalhado em seus projetos pedagógicos. O reconhecimento das contribuições dos povos africanos e indígenas se fez na educação através de uma lei. Talvez seja o momento de criarmos mecanismos legais que permitam aos alunos um melhor acesso a “Carta Cidadã”. Em resposta aos céticos que argumentam que há passagens com palavras difíceis de compreensão, argumentemos que os livros didáticos distribuídos nas redes públicas de ensino publicam o Hino Nacional com palavras do século XIX.
Faz parte da educação enfrentar os desafios do conhecimento em benefício do aprofundamento dos valores democráticos. A massificação do “Título I – Dos Princípios Fundamentais” já seria um primeiro passo no sentido de educar para a democracia. Nesse trajeto, todos poderão melhor compreender ao que Ulysses Guimarães pretendia no seu discurso de promulgação da Constituição ao afirmar: “Eu tenho ódio e nojo à ditadura”.

domingo, 1 de abril de 2018

INTERVENÇÃO DA EDUCAÇÃO

Nada há ainda de relevante no Rio de Janeiro após o Decreto da Intervenção na Segurança Pública Estadual. A Saúde Pública continua um verdadeiro retrato de violência para as classes populares. A cada dia, a política de confronto policial mata duas pessoas. O futebol carioca transformou-se no mais elitizado do país. E a Educação Pública é tratada como gasto ao contrário de investimento da construção de uma cultura democrática de paz e tolerância.
Não nos calemos diante da gravidade da situação que clama por medidas políticas claras para a sociedade. Esse é o espaço do debate que o BLOG VOTO POSITIVO deseja dar continuidade com a entrevista com o professor Jarley Frieb.
Confira e sigamos em frente nesse movimento de reflexão.
 
Professor Jarley: "A opção por lecionar no Ensino Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência intensa das realidades das Classes Populares (...)"
 
1)      O Estado do Rio de Janeiro tem vivido uma sequência de atos associados a violência. Mesmo sob a Intervenção Federal na Segurança Pública, a sensação de tranquilidade da população não existe. Por outro lado, há setores da sociedade que defendem maior investimento social para reduzir os impactos da violência. Como Pedagogo, qual sua opinião sobre esse quadro?
 
Professor Jarley - Como pedagogo, professor na Rede pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, cidadão... não vislumbro possibilidade de melhora no quadro de violência em lugar algum do mundo, e ainda mais em um país tão desigual como o nosso, que não contemple amplos investimentos – e melhor uso dos que já existem – na Educação e na saúde. Não que a Segurança não precise de verbas – precisa, e muito – mas se as duas primeiras áreas forem prioridades, a violência diminuirá a longo prazo. A curto prazo, penso que  o fim de incursões em Comunidades como prática corrente, as quais colocam em risco a vida de moradores e dos policiais, sem ter resultado nem próximo do esperado, devem ser repensadas imediatamente. Não me iludo achando que a violência acabará, ela está presente em todo o mundo, mas alimentada pela desigualdade social e a falta de investimento público em setores fundamentais, a espiral de violência não tem fim.
 
2)      Sua formação em Pedagogia foi pela UERJ. Como o Senhor se sente ao ver as notícias relativas a Crise da UERJ?
 
Professor Jarley - Triste, muito triste. Tenho amigas, amigos e conhecidos que lecionam nessa Universidade, alguns foram meus professores, outros fizeram graduação comigo e seguiram a carreira acadêmica, e fico horrorizado com o processo de sucateamento de uma Instituição que sempre ofereceu tanto retorno à Sociedade. E não é só a UERJ: quanto ganha um professor de Ensino Médio da Rede estadual??? Há muito tempo lecionar no Estado deixou de ser minimamente atrativo, e com isso temos multidões de alunos que ficam ser aulas em disciplinas importantes para sua formação, com os resultados esperados de tudo isso: não chegam às universidades públicas; não tem perspectiva de bons empregos, e vão engrossar o mercado de mão de obra barata para a Elite, essa mesma Elite que em sua maioria não está nem aí para nossa profissão nem para a urgente necessidade de melhora na Educação no país, pois seus filhos não são usuários de Redes públicas de Ensino.
 
3)      Após sua formação, sua atuação se concentrou no efetivo exercício do magistério nas salas de aula da Rede Municipal e teve uma experiência em Sala de Leitura. Como a prática lhe auxiliou a repensar os problemas da população carioca?
 
Professor Jarley - A opção por lecionar no Ensino Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência intensa das realidades das Classes Populares: desde muito pequeno, não sendo oriundo de uma família burguesa-tradicional, apesar de criado na Zona Sul, conhecia bem os subúrbios, por volta dos 20 anos frequentava a Baixada Fluminense 3 a 4 dias por semana por quatro anos... subindo Comunidade de segunda a sexta, presenciando trocas de tiros entre traficantes e policiais, convivendo com as diferenças econômicas que existem dentro da própria Comunidade, tudo isso formou a visão que hoje tenho da Cida de que NÃO QUERO – a que está aí – mas também me fez refletir sobre as mudanças que quero ver. Quanto ao trabalho com Sala de Leitura, foi uma experiência maravilhosa: conheci os melhores diretores de Escola com os quais trabalhei, reconstruímos a Sala de Leitura , atendia 30 turmas – Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos.
Minha trajetória nessa área começa no entanto em 1994, quando participei por dois anos do Grupo de Contadores de Histórias da UERJ. Até hoje não estou convicto de que ouvir histórias faça de alguém um grande leitor, mas é uma arte maravilhosa, os narradores orais atravessaram a história da Humanidade encantando gerações, eu mesmo tive contato com uma grande contadora – por sinal, analfabeta – em minha infância. E devo a ela, e ao incentivo de meu pai, a paixão pela Narrativa e pelos livros que até hoje me acompanham. Diria mais: que me formaram. 
 
4)      Em ano de eleições, muitos programas citam a importância da Educação Pública para a melhoria de vida. Contudo, os profissionais de educação se sentem sempre colocados num “segundo plano” nas decisões da Gestão de Educação. Como fazer a Educação Pública ser uma verdadeira prioridade?
 
Professor Jarley - Colocando nos cargos de Gestão – a começar pelos que decidem as coisas de fato – professores DE SALA DE AULA. Nós é que vivenciamos diariamente as dificuldades em lecionar no Ensino Público. Claro que o diálogo com as Universidades também é vital, pois ali se pesquisa, se produz conhecimento; remunerar bem os profissionais de Educação, promover formação continuada... novos concursos públicos... e algo que deveria ser primordial em todas as reuniões de pais de qualquer escola pública: explicar como funcionam essas instituições, desde como os profissionais ali ingressam (através de concursos públicos), até quais são as verbas, e de onde vêm, que possibilitam o funcionamento das mesmas. A família tem deveres mas os gestores e professores têm  o dever de informar  que a Escola Pública é um direito de todos e todas, e convocar as famílias a construir o processo educativo conosco é fundamental.

5)      Há Projetos de Lei defendendo que os educadores não desenvolvam temas com uma abordagem crítica. O argumento é de que se trata de uma doutrinação da esquerda estimular uma educação crítica e valorizadora dos Direitos Humanos. Enfim, qual o recado que o Senhor daria para os defensores do “Escola sem Partido”?
 
Professor Jarley - Primeiramente, agradeço todos os dias ao Destino que meu pai não tenha pensado como eles, risos... doutrinação? Ah, tá... bem, para os da minha geração eu perguntaria:  - Ué, se esta existe, como estudei com tantas pessoas que são ultra fãs do modelo capitalista, incluindo alguns de Direita, e eu sou Esquerda?? Eles ficaram imunes à doutrinação dos comunistas e socialistas que nos deram aulas no ensino médio como? E tendo estudado em um colégio bem conhecido e tradicional de Copacabana, onde muitos de nossos professores eram também de esquerda e trabalhavam em outras tantas instituições ainda hoje “de elite”- e que formam alunos que buscarão ocupações que os permitam seguir sendo elite - minha curiosidade sobre como não se “contaminaram” só aumenta KKKKKK... Bem, é direito dos pais querer definir e traçar o destino dos filhos... agora, que sou muito feliz por ter tido pais que naõ influíram  em minhas escolhas ideológicas nem profissionais, disso não tenho dúvida. Para finalizar: nunca conheci um professor que doutrinasse alunos; fico imaginando e não posso evitar o riso ao pensar em como um/uma professor poderia fazer lavagem cerebral COMUNISTA em crianças de 4-10 anos para derrubarem o Sistema Capitalista... agora, doutrinação de Esquerda  não pode, mas a de Direita pode, né??? e ela começa  aonde? Alguns destes pais tão preocupados com a possibilidade de seus filhos virarem adultos progressistas deveriam conhecer mais o processo educacional como um todo, e não verem o professor apenas como um transmissor de conteúdos. Educação é muito mais que isso, mas certamente poucos deles o sabem, pois sua opção profissional não foi lecionar no Ensino Fundamental, e nem cursar Pedagogia nem Licenciaturas, áreas que não atraem as Classes Dominantes. A educação cidadã é necessária a todos e todas, mas se eu defendo um modelo onde vejo conspiração da Esquerda (como se existisse UMA esquerda única, risos) em tudo, onde penso que o Bolsa Família irrisório é um benefício a quem não quer trabalhar, ou que fui bem sucedido por ser mais inteligente, ter Q.I de tanto etc... fica difícil descontruir a desigualdade e sobra um medo, em minha opinião infundado, onde deveria existir o diálogo e o respeito às diferenças ideológicas. Não preciso concordar com alguém, mas como educador devo ouvi-lo e, se necessário, dialogar. Até para entenderem os limites  que um teste de Q.I tem, para o que serve, o que significa “inteligência”...mas será que parte da Elite está interessada em saber disso, ou somente em criar semelhantes em pensamento e atitude? Enfim, a questão é complicadíssima, pois como falei anteriormente, quem vai direcionar a Educação dos filhos, e não poderia ser diferente, claro, pois é um direito delas, são as famílias (viu? Sou socialista mas não defendo que o Estado separe os filhos das famílias para dar-lhes formação maoísta KKK). O problema, a meu ver, é quando não buscam orientações sobre isso, pois em sua maioria, por escolhas profissionais, são leigas no assunto Educação.
 
6)      A escola é um espaço em que se convive com a pluralidade nos mais amplos sentidos. Ainda percebemos alunos que se sentem silenciados por sua opção religiosa. Ou melhor, sentem vergonha de se reconhecer como praticantes do Candomblé ou da Umbanda. Como respeitar e valorizar esse segmento na prática do ensino?
 
Professor Jarley - Para começar, o próprio profissional de Educação deveria ser tolerante para com a diversidade. Se acho que minha religião ou posição política é a única a ser respeitada, a coisa já começa mal; por isso defendo uma escola pública laica, sem imagens nem representações religiosas que possam ser objetivo de controvérsias que ali não cabem. Os praticantes das religiões de matriz afro, entre os quais me incluo – sou ogan (sacerdote que não é “tomado” pelo orixá, não cai nunca em transe) confirmado há 29 anos no Candomblé, na Raiz do Jeje mahin,  – devem amparar-se na Lei que proíbe a discriminação religiosa, e devemos estar unidos e dialogando com toda a Sociedade – por isso defino-me religiosamente também como um universalista, vejo Deus em várias manifestações religiosas e também onde elas não existem.  A Sociedade é formada por praticantes de distintas fés e ateus, agnósticos...para contemplar tanta diversidade, só muito diálogo e respeito para com o/a outro/outra, para com sua Verdade.
 
7)      No último ENEM, o tema de redação foi sobre os Deficientes Auditivos na Educação. Sabemos que o Senhor tem dialogado com especialistas na área sobre isso. Conte-nos mais a respeito.
 
Professor Jarley - Durante um bom tempo fiz cursos em uma instituição de referência que atende a portadores de cegueira e baixa visão, o Instituto Benjamin Constant, sem dúvida uma das referências mundiais nessa área. Isso abriu minha visão ainda mais sobre a necessidade da Inclusão de pessoas com qualquer Necessidade Especial, e essa inclusão não está e nem pode ser restrita somente aos educadores e familiares: tem que ser objeto de reflexão por TODA a Sociedade. Dessa maneira podemos participar da construção de um Mundo para Todos. Provocar a reflexão nos jovens sobre esses temas é fundamental, por isso achei a escolha muito feliz.
 
8)      Qual ferramenta o Senhor definiria como indispensável à Educação?
Professor Jarley - O diálogo. Sempre. Conheci poucos profissionais de Educação que ensinem seus alunos a ouvir, a escutar o outro – e isso é possível. Se não ouço, não mudo meu pensamento, não me questiono...não dialogo. O estudo das diferentes técnicas de Escuta (Ativa, Empática etc.) deveria constar no currículo de todo curso de Pedagogia. E acredite: esse trabalho pode começar ainda na Educação Infantil. Outra coisa: a exemplo do que ocorre na Argentina, temos que ter mediadores de conflito nas escolas. Profissionais de educação, pais, membros da Comunidade escolar...que com  treinamento e formação adequada, e partindo também de seus saberes já constituídos, possam atuar dirimindo conflitos tão comuns nessas instituições. Fica a sugestão para que os diferentes municípios e Estados invistam nisso, mas enquanto não tivermos governos progressistas certamente isso não ocorrerá... em tempos de Sociedade brasileira atingida permanentemente pela violência, a Escola tem que ser um ambiente onde se forme uma cultura de Paz – porque fora dela, o que grassa é a violência, a barbárie.
 

domingo, 25 de março de 2018

ANÁLISE - ELEIÇÕES 2018


Teses sobre o processo eleitoral das eleições de 2018
Vagner Gomes de Souza (Sociólogo e Historiador)

1.      As eleições de 2018 é mais um momento na história “zigue-zague”  democratizadora de nosso país. Uma estrutura de mudanças lentas que coabita com muitas facetas conservadoras agora expõe alguns traços autoritários nas redes sociais. Contudo, não nos esqueçamos da durabilidade de nossa escravidão (388 anos!!!) e suas dramáticas consequências para os afrodescendentes. Não nos esqueçamos da existência de dois momentos de regimes autoritários em nossa República. Enfim, vivemos uma democracia ainda em construção. A pauta democrática, mais uma vez, ganha força para lutar pelas mudanças sociais. Temos a oportunidade de um reencontro da política com os novos sujeitos sociais desde que se saiba operar a política das alianças.

2.      Não está ainda claro o quadro eleitoral em que o debate da tese anterior se manifestará. A crise do sistema partidário brasileiro contaminou até as agremiações da esquerda brasileira ao se deixar pautar pela “pequena política” ao se manifestar no limite do cálculo eleitoral. As mudanças reivindicadas em 2013 relativas a Saúde e Educação Pública estão a procura de um ator político que melhor lhe represente. A gravidade da recessão econômica impediu uma maior conexão com a renovação via sociedade civil.

3.      No calendário eleitoral, estamos em tempos de “janela partidária”. Nesse momento, tudo é feito como se fosse uma “feira de legendas” mais identificadas com o “Centrão” na expectativa de continuidade das forças do atraso e do clientelismo político. Os partidos de viés mais do campo democrático devem admitir uma dificuldade na renovação de seus quadros políticos uma vez que não se permitiu um pluralismo das classes subalternas nos anos do “Presidencialismo de Coalizão” sob o comando do PT. Aliás, não foram “anos petistas” ou “lulista” que vivemos de 2003 até 2016, mas uma ampla coalizão com forças do atraso que emergiram após o Impeachment de 2016.

4.      As forças do atraso chegaram ao Governo em 2016, mas não conseguem se fazer hegemônicas. Esse é o ponto o qual se explica o sentimento de “vazio de Centro Político”. Entretanto, esse é um setor político que será reconstruído pelas forças democráticas com adesão da própria esquerda. Nossos liberais estão reféns do economicismo na política e poucas figuras de natureza pública rompem com o discurso da flexibilização irresponsável.

5.      Estamos em tempos de formulação de um programa que evite colocar a esquerda democrática no “gueto” do sectarismo político. A situação do Rio de Janeiro é um importante “laboratório” para a intervenção da política da frente. Não devemos esquecer que a recomposição de uma “centro-esquerda” no segundo colégio eleitoral do país permitiria melhor possibilidade para a passagem das forças modernizadoras da política. Contudo, a tarefa não é simples diante dos cálculos de grupos da esquerda ressentidos com a ideia da renúncia de alguns projetos imediatistas.

6.      Não há nada consolidado quanto a existência da polarização entre Esquerda e Direita. O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais é de uma força política que sempre disputou as eleições presidenciais no Brasil desde 1989. Ora ficando em segundo lugar ou ora ficando em primeiro lugar. O segundo colocado nas pesquisas é um “aggiornamento” no conservadorismo brasileiro que se sentiu abandonado na fragmentação do PSDB e DEM. Nas devidas proporções, trata-se de uma “Terceira Via” à direita com a hipótese de se esvaziar ao longo do processo eleitoral.

7.      A “Fakepolarização” alimenta um debate sobre a necessidade um Centro Político, porém, na verdade, trata-se de segmentos da burguesia brasileira pleiteando a sua pactuação em torno de candidaturas próprias na perspectiva de uma unidade adiante. PSDB, DEM e MDB ensaiam candidaturas próprias em nome do mesmo programa. A dosagem de liberalismo que lhes faz diferir é imperceptível diante dos graves problemas de distribuição de renda que vivenciamos em nosso país.

8.      Temos tempo para se fizer valer um Pacto de Forças Políticas comprometidas com a implementação da Constituição de 1988. Nela está a política moderna do Brasil. A atualização do marco constitucional não implica na sua descaracterização e limitação de suas conquistas sócias. Pelo contrário, há uma constante necessidade de redistribuição social no Brasil tanto na renda quanto no acesso de serviços públicos. O Centro Democrático será reinventado pela inspiração das forças sociais mais a esquerda.

9.      Na disputa eleitoral para a Presidência da República, todas as vertentes políticas aguardam o “Plano B” ao Lula. Contudo, a tarefa democrática desse momento é abrir núcleos de defesa dos valores civilizatórios que estão consagrados na Constituição de 1988. Além disso, formular uma pauta democratizadora que convoque a sociedade para renovar nossos legislativos com candidaturas modernas. Os Núcleos devem ser um Movimento da Sociedade Civil de renovação política programática.

10.  Nada nos permite em ficarmos presos a conjuntura em nomes sem que fiquemos atentos a formulação da política democrática. Ela deve partir de baixo para cima em diálogo com as forças política partidária.

11.  A Democracia Brasileira tem a oportunidade de abrir um novo ciclo político em 2018. Entretanto, as forças políticas democráticas não podem continuar reféns de um cálculo da polarização. Esse é o momento de se autotransformar.

quarta-feira, 21 de março de 2018

MODERNISMO DAS MARGENS - ENTREVISTA COM JESSÉ ANDARILHO


O BLOG VOTO POSITIVO tem um compromisso com a formação de um público leitor que contribua para a formação de uma cultura democrática. A entrevista com Jessé Andarilho é a oportunidade de apresentar ao nosso público um carioca, criado na favela de Antares, que fez da literatura uma possibilidade de redenção. Seus livros Fiel (2014) e Efetivo Variável (2017) apresentam um lado da cidade do Rio de Janeiro pouco reconhecido nos meios de ficção. Fazemos votos de esperança que muitos leitores entrem no efetivo dessa literatura que ousaremos de chamar “Modernismo das Margens”.

Jessé Andarilho - Foto: Custodio Coimbra (O Globo)
 
1)      Em seu primeiro livro, Fiel (2014), você coloca um personagem da periferia que nasceu numa família evangélica.  Fiel, além de outros aspectos, retrata essa transição religiosa da sociedade carioca para o protestantismo. Você considera que o fator religioso inibe a criminalidade?
 
Jessé Andarilho - Conheço vários evangélicos traficantes. A religião sem educação é tipo aquele lance de fé sem ações.
 
2)      O personagem Felipe em Fiel tem uma fixação pelo futebol. Muitos jovens da periferia brasileira tem hoje o sonho de ser um “novo” Neymar não só quanto ao talento, mas também quanto a conta bancária. Esse desejo pela ostentação monetária seria um fator negativo?
 
Jessé Andarilho - Como nós não vemos muitos médicos pretos que vieram das favelas, não vemos muitos professores que vieram da favela, não vemos advogados que vieram das favelas, é mais fácil se apegar na ideia de que vencer na vida é ser pagodeiro ou jogador.
 
 
3)      Qual foi o impacto literário de Fiel na sociedade carioca? Temos a impressão que seus livros são mais lidos pelos paulistas. Seria possível fazer um comentário sobre essa percepção?
 
Jessé Andarilho - Não sei como você chegou a essa conclusão, pois os cariocas adoram meus livros( pelo menos é o dizem na minha frente rsrs)
 
 
4)      Efetivo Variável (2017) seria um livro pacifista? Você é favorável ao fim da obrigatoriedade do alistamento militar?
 
Jessé Andarilho - Efetivo Variável é uma história literária. Consegui colocar algumas críticas sobre o processo sem ser pesado. Pessoas militares gostam tanto do livro quanto pessoas que odeiam o militarismo. Com relação à minha opinião sobre o serviço militar... Acho que não deveria ser obrigatório, nem o alistamento e nem o voto.
 
 
5)      Seu segundo livro, apesar de ser de 2017, pode ser um prenúncio da “militarização” da questão da Segurança no Brasil. O que você acha?
 
Jessé Andarilho - Comecei escrever o Efetivo Variável em 2012. O Exército vive fazendo ações aqui no RJ e não imaginei que fosse rolar essa “ocupação”. Acho desnecessário isso tudo. Essa intervenção tem base numa violência que sempre existiu. Acho que a violência não tá pior do que antes, acho que recebemos mais informações o tempo todo através dos celulares conectados. Isso dá uma sensação de insegurança muito maior do que antes.
 
6)      De 2014 (Fiel) até hoje, qual o balanço que você faz sobre o incentivo à leitura para os jovens moradores da periferia?
 
Jessé Andarilho - Mano. Não sei te responder essa pergunta. 
 
 
 

7)      Qual o balanço que você faz do Centro Revolucionário de Inovação e Arte (C.R.I.A.)?
 
Jessé Andarilho - Não sei como anda o CRIA, Não tenho informações desde 2015 quando criei o marginow e decidi investir todas as minhas energias pra fortalecer a cultura da galera que veio das margens.
 
8)      Quais seriam os outros escritores inovadores para a juventude brasileira nos dias atuais?
 
Jessé Andarilho - Gosto de maior galera. Tanta gente que os nomes não vão caber nessa matéria!

terça-feira, 6 de março de 2018

ELEIÇÕES ITALIANAS - ENTREVISTA - PROFESSOR ALBERTO AGGIO

Professor Alberto Aggio 
 
1. A polarização entre a Centro-Direita e a Centro-Esquerda aparentemente se encerrou com a emergência do Movimento 5 Estrelas na política italiana. Depois da Eleição de 4 de março, seria possível afirmar que a “antipolítica” é a tendência que ganhará hegemonia nos próximos anos?
 
Alberto Aggio  - É verdade que um dos aspectos significativos dessa eleição foi a superação do bipolarismo, o que não quer dizer que não há mais esquerda e direita. Também é verdade que o grande vencedor, o M5S, tem como principal característica uma marca antipolítica muito forte. Contudo, agora, vitorioso, numa situação bem especifica em que não há maioria e não há mecanismos em que o eleitorado defina uma eventual maioria, o jogo será jogado pelas forças em cena. O problema é que aqueles que venceram, M5S e Liga, não obterão facilmente o apoio daquele que perdeu, especificamente o PD de Matteo Renzi, embora esse tenha renunciado um dia depois dos resultados eleitorais serem conhecidos. A situação é de impasse para a formação de um novo governo. A tendência geral da antipolítica existe, é um fenômeno mundial, mas é difícil saber qual será precisamente seu futuro.
 
2. As três maiores forças políticas (Centro-Direita, Movimento 5 Estrelas e Centro-Esquerda) não conseguiram a maioria absoluta nas últimas eleições ao Parlamento Italiano. O Senhor avalia que é possível construir um acordo político entre Centro-Direita e Centro-Esquerda semelhante ao que ocorreu na Alemanha de Angela Merkel?
 
Alberto Aggio - A situação italiana é muito diferente da alemã. Na Itália, há uma clara oposição entre três polos e isso se expressou nas eleições. São três polos que não levam uma política de aproximação, com um centro político fazendo esse papel. Na Alemanha há já uma inclinação à “grande coalizão” porque se chegou ao um impasse histórico entre o partido de Merkel e os socialdemocratas. O risco na Alemanha é o crescimento espantoso dos neonazistas. De certa forma, nessa eleição italiana isso também apareceu, de maneira muito forte. Ou seja, há um clima de extremismo que precisa ser enfrentado. Não sei como as forças políticas italianas irão compor um novo governo. Mas seguramente não há disposição de composição entre direita e esquerda. Com a vitória da Liga, pode-se dizer que não há mais centro-direita na Itália porque Berlusconi foi derrotado. À esquerda, a derrota do PD também tem consequências sérias para qualquer composição. As únicas possibilidades seriam um governo guiado pelo M5S, o que é difícil uma vez que De Maio pensa que o PD é o seu mais forte interlocutor, mas o ataque que o M5S fez ao PD na campanha talvez inviabilize essa alternativa. Para o M5S o PD era o partido que significava o poder que precisava, no seu entendimento, ser derrotado. É difícil agora construir uma coabitação governamental.
 
Silvio Berlusconi e Matteo Renzi: os derrotados
 
3. A coalizão da Centro-Direita teve a Liga como a força política mais votada (em torno de 18%) em relação a Força Itália do Ex-Premiê Sílvio Berlusconi (em torno de 14%). Isso sugere que haverá uma guinada para o extremismo político na Itália? A questão dos imigrantes foi o fator decisivo nas eleições? 
 
Alberto Aggio - Essa é efetivamente a mudança mais expressiva à direita. A derrota de Berlusconi significa o fim de sua carreira política e talvez do próprio partido, a Força Itália. A Liga deixou de ser identificada apenas como Liga Norte, inclusive eliminou a localização geográfica do nome. Contudo, sua votação mais expressiva tenha sido no Norte da Itália, enquanto o M5S venceu ao Sul. Como disse, o extremismo foi muito forte e os ataques à democracia representativa, à política tradicional, enfim, ao poder instituído, mesmo que ele seja democrático e reformista, como tem sido nos últimos anos na Itália. Ele, seguramente, permanecerá se exprimindo. Por isso, as instituições e os atores democráticos devem construir consensos para garantir estabilidade e funcionalidade do sistema. Mesmo os extremistas da Liga e do M5S terão que moderar o seu discurso e se institucionalizar. A questão dos imigrantes foi, certamente, transformada num embate que enfraqueceu o partido do governo, o PD, e fortaleceu o extremismo.
 
4. Há a possibilidade de a Itália encaminhar um processo de saída da União Europeia após as eleições do último domingo?
 
Alberto Aggio - Creio que nem mesmo o eleitorado que deu o seu voto a quem fazia o discurso antieuropeísta não estará disposto a apoiar a saída da Itália da UE. Na campanha eleitoral já estava clara a mudança. Tanto M5S quanto a Liga moderaram seus discursos contra a EU. O comparecimento da população às urnas foi em torno de 73%, num país onde o voto é facultativo, o que mostra que há interesse na participação eleitoral na Itália e que há consensos básicos entre os italianos. Um deles é de ser europeísta. Lembremos que em 2014, nas eleições europeias, o PD teve 40% dos votos; o M5S elegeu eurodeputados e eles estão lá realizando o seu trabalho (claro que estão num grupo fortemente crítico ao governo da UE, mas estão lá).
 
 
5. Como o Senhor explica o declínio eleitoral da coalizão de Centro-Esquerda? A liderança política de Matteo Renzi sai abalada com os resultados eleitorais do PD?
 
 Alberto Aggio - A derrota do PD e de Matteo Renzi é dura e vai gerar mudanças. Inclusive, Renzi já renunciou ao cargo de secretário geral do PD, embora deva ficar até a realização da Assembléia Nacional do partido e das prévias para a definição e um novo secretário. Acho que a liderança de Renzi jogou o PD numa nova fase e redefiniu o PD. Alguns ex-comunistas se afastaram do partido, como era inevitável e formaram um novo partido, “Livres e Iguais”, que também não foi bem nas eleições. Algumas lideranças do antigo PCI, como Massimo d’Alema, que não foi eleito, sofrendo uma derrota vergonhosa, finalizaram sua carreira política nessa eleição. A questão para o PD agora é definir se apoiará um possível governo M5S ou não. Se o fizer, será a escolha de um caminho cujos resultados, para seus apoiadores, não se sabe as consequências. Se não o fizer, estabelecerá que o caminho é a reconstrução a partir da oposição, assumindo um outro papel. Há muita especulação e muita confusão também. Alguns dizem que o M5S é comparável, em termos de base social, o PCI de Enrico Berlinguer, grande líder do comunismo italiano da década de 1970. Há mais do que um exagero nessa avaliação. Mas há também informações que, de fato, mais de 1 milhão de eleitores que eram do PD, votaram no M5S, o que explica muita coisa e merece uma análise mais profunda.
 
Luigi Di Maio: Uma nova "estrela" do Movimento 5 Estrelas?
 
6. Muitos analistas sugerem que o impasse político se prolongará até convocarem novas eleições. O que o Senhor acha desta hipótese?
 
R: É possível e até provável que isso aconteça. O presidente da República, Mattarella, deve chamar os líderes partidários ou suas direções para conversar sobre a formação de um novo governo. Isso deve tomar algumas semanas. Como disse, há um impasse e todos sabem disso. Por outro lado, convocar novas eleições tem um custo político muito grande, para vencedores e para quem foi derrotado. Mas, hoje não se pode saber muito bem o que irá acontecer.
 
Matteo Salvini: O Fantasma do Extremismo de Direita
 
7. A esquerda brasileira a partir dos anos 60 (movimento aprofundado nos anos 80/90) sofreu influências do debate político italiano com a recepção das obras de Gramsci. Como o Senhor avalia o quadro político/intelectual da esquerda brasileira que segue, se ainda assim podemos dizer, essa tradição?
 
Alberto Aggio -  Acho que a esquerda brasileira passa por um processo de esgotamento depois do desastre petista. Na sociedade, a identidade de esquerda é vista hoje com muito desconfiança. O petismo foi muito tóxico. Há que se abrir uma espécie de “canteiro de obras” para repensar o ideário de esquerda num mundo como esse, de transformações imensas, de contradição velhas e novas, de idas e vindas, marchas e contramarchas em termos políticos e culturais. Há muito a se rever e a própria “tradição gramsciana”, como você sugere, deve fazer parte desse debate, desse repensar, revendo-se a si mesma.
 
8. Enfim, quais seriam as possíveis lições das eleições italianas para os brasileiros no ano das eleições gerais de 2018?
 
Alberto Aggio - Brasil e Itália tem muitas diferenças e alguma proximidade. Nós somos presidencialistas e a Itália é parlamentarista. Essa não é uma diferença pequena. A nossa cultura democrática é mais rarefeita e o nosso debate político bastante pobre, em comparação com o italiano. Vemos crescer aqui também um certo extremismo que é preocupante, para dizer o mínimo. A nossa esquerda, como disse, está em frangalhos depois da experiência lulopetista, e volta-se para si mesmo, procurando manter o apoio das corporações que lhes dão sustentação, especialmente as estatais. Uma nova esquerda, moderna e democrática, só teria passagem hoje em aliança com setores de centro, mais moderados e democráticos, e me parece que essa seria, de imediato, uma alternativa de perfil necessário, mas mínima. Em suma, em uma leitura da realidade brasileira, eu diria que o Brasil precisa ser reconstruído depois do desastre petista e seria bobagem uma atitude de “gladiador romano”, ilusória em nossa realidade.






domingo, 4 de março de 2018

CORRIDA AO OSCAR: Três Anúncios para um Crime

 
Três Anúncios para a Democracia
Por Vagner Gomes de Souza

O tema da violência não deve se limitar ao combate ao tráfico de entorpecentes em clima belingerante. A violência é um problema que está no cotidiano do ser humano em atitudes que ilustram o quanto os valores cristãos (“Amai-vos uns aos outros assim como vos amei”). Essa é uma possível reflexão para quem sai do cinema ao assistir Três Anúncios para um Crime que concorre ao Oscar de Melhor Filme entre outras categorias. O filme tem um roteiro que testa o lado vingativo do público. O senso comum pode nos levar a conclusões antecipadas sobre como reagir a um trauma. Contudo, o desenvolvimento nos impõe depois um novo olhar sobre o tema.
A protagonista do filme é Mildred, vivida pela atriz Frances McDormand (indicada para melhor atriz), teve a filha vítima de violência sexual numa pequena cidade do Missouri. Trata-se da típica cidade do Meio Oeste Americano que formou a base eleitoral de Donald Trump. Porém, não espere uma revanche eleitoral entre Democratas e Republicas nesse filme uma vez que todos vivem seu cotidiano com seus dilemas, erros, acertos e limitações. Frances empresta pela sua interpretação um talento que supera até quando venceu o Oscar por Fargo em 1997.
Mildred não é uma “Mãe Coragem” de um Bertold Brecht, mas faz da iniciativa uma forma de fazer o jogo estar ao seu favor. O Xerife reconhece isso numa passagem do filme. O uso da publicidade dos Outdoors em tempos de redes sociais é um desafio aos pós-modernos da comunicação política. O que incomodava os três anúncios vermelhos colocados numa autoestrada sem grande fluxo? Esse mistério é maior que o desfecho do crime.
 
Sam Rockwell  e Frances McDormand em cena
 
Em primeiro lugar, o exercício da liberdade de expressão que faz uma crítica a atuação da chamada “inteligência investigativa” da polícia local. O detetive responsável é racista, homofóbico e, acreditem, anticomunista (atenção ao diálogo sobre o nome do anunciante, Red) . O oficial Jason Dixon (interpretado por Sam Rockwell – Leão de Ouro de ator por Confissões de uma mente perigosa) leva o público ao extremo do sentimento de ódio pelo personagem. As raízes de um fascismo meio enlouquecido por um trauma na perda paterna e tutelado pela mãe. Um bom exemplo para os amantes de a psicanálise fazerem uso de suas leituras. Enfim, a “inteligência” não existe!
 
Em seguida, uma manifestação que poderia alimentar outras fraturas numa comunidade aparentemente sem conflitos. Todos apelam para uma conciliação na retirada dos anúncios. Nesse instante a Ética da Convicção ganha força, mas alimentada pelo ódio que cega as ações dos sujeitos da trama do filme. Por fim, ao se alimentar uma luta contra o extremismo com atitudes extremadas cai num desfecho importantíssimo no aprendizado da política. A aliança pode vir de quem se menos espera.
As cenas finais do filme faz o público jovem, mal acostumado com o filme padrão norteamericano, achar que não acabou. Entretanto, um filme ele se encerra muitas vezes nas diversas interpretações que podemos lhe conferir. Três Anúncios para um Crime é um manifesto político pela liberdade ao demonstrar que não é correto se deixar guiar pelo ódio sectário. A Democracia ela ganha muito com os grandes gestos da renúncia no tempo certo de uma viagem política.