sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

CINEMA: Opinião

 
Tal Lá, Tal Cá

Por Pablo Spinelli

Dedico à Walkiria Campanha, que sabe o valor da democracia e do amor.

O título acima poderia ser de uma letra de um tango argentino mas é uma proposta de uma análise comparativa da realidade trágica – as ditaduras militares apoiadas por vários elementos da sociedade civil - que se abateu na parte sul da América nos anos de 1970, período embrionário para muitos dos problemas que nos afligem na contemporaneidade.
Há um senso comum midiático e até mesmo acadêmico que aponta a grama do vizinho mais verde. Dito de maneira clara: a ditadura argentina teria dois componentes que nos seus extremos nos fazem inferiores histórica e analogamente – a ditadura argentina foi mais dura, repressiva, violenta que a brasileira, a ponto de filhos de presos políticos serem sequestrados e colocados para adoção a militares que os desejassem (o filme “A História Oficial”, de Luiz Puenzo, 1985, trata do tema) enquanto que a ditadura brasileira foi mais branda pela contagem do número (oficial) de mortos ao se comparar com o caso dos vizinhos platinos, como se o número de mortos fosse determinante quanto à maior ou menor brutalidade ou violência de um governo repressor.
O outro ponto refere-se ao fato de que os governos civis que se sucederam à ditadura – e não é o caso aqui de falar como foi a postura de Carlos Menem a respeito do tema – não foram complacentes com os horrores dos porões e a democracia argentina acabou por punir os seus algozes, algo que os aproximaria dos chilenos e os distanciaria do Brasil que optou por uma solução moderada e extremamente favorável ao enterro da memória do período que foi a Lei da Anistia; lei essa que na sua essência acabou por perdoar tanto os membros da esquerda “subversiva” quanto os opressores do regime. Em suma, enquanto que na Argentina houve uma revisão radical do seu período negro, aqui houve uma transação que permitiu a inatingibilidade da lei sobre os representantes agressivos do Estado brasileiro.
A produção cinematográfica argentina tem ocupado um espaço similar, salvaguardando as devidas proporções, ao que foi ocupado pelo cinema italiano nos longínquos anos 1960 e 1970, no Brasil. Enquanto que as produções brasileiras em sua maioria carregam no tom ensaístico, um olhar sociológico ou antropológico que predomina sobre o enredo, a produção argentina tem uma preocupação mais feliz nos seus roteiros e não deixam de produzir críticas políticas, sociais e econômicas, como se viu em indicações recentes ao Oscar do vitorioso “O Segredo dos Seus Olhos” [2009] e de “Relatos Selvagens” [2014]. No mais recente candidato argentino ao Oscar – isso não quer dizer que a Academia de Hollywood o escolha -, a película de Pablo Trapero, “O Clã” [2015] é mais uma abordagem sobre o tema da ditadura argentina – porém, aborda mais o seu crepúsculo - que de forma tangencial também foi tratada em “Um Conto Chinês”[2011] - do que os seus momentos mais duros como em “O Segredo”.
O filme já provoca um estranhamento quando aparece a figura do ex-presidente Raúl Alfonsin (1983-1989) que faz um discurso sobre como o seu governo democrático iria tratar o sistema de coerção, vigilância e violência criado pelo Estado ditatorial argentino. Esse estranhamento é por conta do apagar da memória das novas gerações, parafraseando “Vai Passar” de Chico Buarque, acerca do processo de redemocratização na América do Sul, algo um tanto desconhecido para aqueles com menos de trinta anos. À época, a redemocratização causa um impacto nos agentes da repressão, pois o mundo deles desabou em efeito similar ao que aconteceu com comunistas ortodoxos com o fim da URSS. O desmantelamento do Estado ditatorial provocou em muitos dos seus artífices o caminhar por senderos nada luminosos.
O caso do filme é exemplar. Uma família típica de classe média onde o pai é agente civil do Estado repressor, a mãe, uma dona de casa e professora (!), os filhos, estudantes tenazes e dois deles atletas profissionais, sendo o mais velho um atleta premiado de rugby. Diante dos problemas de ordem econômica que veio como consequência da ditadura militar – como no caso brasileiro – o pai não hesita em melhorar o status quo: usa o conhecimento adquirido nos porões estatais dos generais para sequestrar filhos de classe média alta, inclusive, amigos do seu filho famoso. A partir daí vemos episódios que mostram a permanência da violência instituída na sociedade pós-ditatorial; sequestros, homicídios, chantagens, tudo é feito por Arquimedes Puccio que dizia aos familiares de suas vítimas que tudo era operado por fantasiosos grupos extremistas de esquerda. Qualquer semelhança com o caso do Riocentro (1981) não é mera coincidência. Aos familiares – dos outros e depois para os seus – uma palavra que permeia o filme: “tranquilo, tranquilo”. Palavra que reforça a certeza da impunidade para o Sr. Puccio.
Os sequestros se tornam escabrosos a partir do momento em que mesmo após o pagamento do resgate a vítima é morta. A família Puccio sabia de tudo o que ocorria no porão de sua própria casa, destino dos reféns. O mais jovem acaba por se exilar da família e do país. O jovem atleta é atormentado entre o dever com o pai e o status adquirido e os imperativos morais; a mãe, uma lady Macbeth passiva que no seu silêncio afirma sua solidariedade ao patriarca. A filha mais velha naturaliza o ocorrido como se nada acontecesse. Essa Família Addams seria algo próximo de personagens de um diretor como Tarantino, mas o horror vem de que todos são personagens reais num episódio que expôs a continuidade do antigo regime na democracia política.
Para uma reflexão de paralelos com o nosso país, para além do futebol onde ambos perderam para o mesmo país, a Alemanha, de também triste e tenebroso passado no século XX, na última Copa do Mundo, o antigo regime ainda se fez e se faz presente em ambas as sociedades. Violência e corrupção policial, uma parte da classe média e da classe subalterna que apoia o extermínio dos “indesejáveis” à sociedade, o enraizamento de antigos membros do exército, da polícia e do aparato coercitivo do Estado nas áreas de segurança pública ou privada. O oficial que matou Carlos Lamarca já foi Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, por exemplo. Um capitão reformado do exército, um dos melhores quadros para os interrogatórios e tortura de presos políticos acabou na contravenção como um dos mais famosos “banqueiros” do jogo do bicho, patrono de uma escola de samba e um dos fundadores da entidade privada que organiza os desfiles das escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro (aqui cabe a sugestão de leitura do muito bom livro de Aloy Jupiara e Chico Otávio, “Os porões da contravenção – jogo do bicho e ditadura militar: a aliança que profissionalizou o crime organizado. Editora Record), isso para não falarmos da organização das milícias aqui e alhures.
O epílogo do filme onde mostra os destinos dos personagens principais acaba por desconstruir a tese posta acima que os argentinos foram mais punitivos que o caso brasileiro; pode-se perder de 7 a 1 ou de menos, mas derrota é derrota, cabe a nós, defensores da democracia, aprender e apreender com as realizações do “clã” (uma provocação argentina à família que acabou de sair da presidência algo similar – num outro paralelismo aos “hermanos” - ao que já aconteceu no governo do Estado do Rio de Janeiro, mas isso é outra história) a herança a qual devemos renunciar.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A REPÚBLICA NO MUNDO DE HOJE

Mariana & Marianne

 
Ricardo José de Azevedo Marinho
15 de novembro de 2015 - 194º da Independência e 127º da República
 
 
Mariana & Marianne, duas damas, duas mulheres, duas moças, duas meninas que se encontram hoje a chorar conosco os seus. As dores, entretanto, não cancelam a esperança que ambas carregam. Doce é o Rio que as banha em bacia ainda que hoje esteja enlameada de sangue.
Estamos em tempos fraturados onde o que viceja é a escassez de agendas positivas. Olhamos, por toda parte e não encontramos boas palavras para essas horas aziagas.
Aqui, ao contrario, estamos dispostos a seguir em sua busca. E Mariana& Marianne estão conosco nessa labuta. O G20, que começou hoje em Antalya, na Turquia, precisará olhar com os valores humanos do Ocidente a forma de abrigar todos os refugiados e as refugiadas, uma vez que o país anfitrião abriga quase três milhões de sírios fugidos da guerra. Para o momento, Marianne escuta os falcões a convocarem outra guerra. Aquela que começou a se cantar nos idos de 2001.
 
 
Os relatos que nos chegam de viajantes da Europa e da Turquia, é que as refugiadas e os refugiados estão em toda a parte: pedindo esmola nas ruas ou amontoados em campos montados as pressas para eles.
Ou seja: inexiste visão humanitária disponível no mundo Ocidental. E tão pouco no Oriente. Essa era a hora para a concessão de vistos humanitários para as refugiadas e os refugiados e imigrantes.
Não! Aponta-se para a guerra como o caminho a ser perseguido. Se alimentar aquilo que gera o estado de coisas que ai está não pode ser uma proposta a se apostar. A xenofobia é o que alimenta essa visão anacrônica diante dos direitos humanos.
Ao mesmo tempo Mariana também se ressente dos seus que se foi com o rompimento das barragens de rejeitos da Samarco, que destruiu um vilarejo, matou várias pessoas e deixou outras tantas desaparecidas.
Não resta dúvida que foi desastrada e descuidada a forma pela qual os governos (federal e estaduais) lidaram com os efeitos do desastre.
De igual maneira se está adentrando em terreno nada proveitoso a humanidade com as soluções de velho tipo para a hora global.
Por isso precisamos de Mariana & Marianne irmãs nessa hora triste mas também noutras horas alegres da história mundial e suas inspirações não serão apagadas.
 
 


sábado, 7 de novembro de 2015

CONJUNTURA - BRASIL

 
Teses de Novembro sobre a Conjuntura Brasileira
Por Vagner Gomes de Souza

1. Uma grande virada mundial ocorre no mundo contemporâneo como consequência da crise econômica financeira inaugurada em 2008. Nesse momento, o Brasil tem a oportunidade de participar desse processo de modernização desde que empreenda mudanças importantes para a grandeza que a conjuntura se impõe. Os recentes alinhamentos da política externa precisam ser revistos pois reeditam uma ultrapassada orientação do "Bloco dos Países Não Alinhados". Contudo, em tempos pós-guerra-fria.
2. A cultura da paz. A defesa dos Direitos Humanos. As graves implicações dos múltiplos fundamentalismos. A questão ambiental. São problemas internacionais que as forças democráticas tem dificuldades em encaminhar entre a sociedade brasileira uma vez que muitas forças progressistas se confundem no campo de nacionalismo e de um "bolivarismo" sectário.
3. A inserção soberana do Brasil no cenário internacional se fará pela ampliação dos valores da democracia num caminho institucional e humano. Entretanto, nossa viabilidade como referencial dos valores humanos nesse momento são impactados pela gravidade de nossa atual crise política. Trata-se da maior crise desde a redemocratização em 1985, o que impõe novas posturas do campo democrático e progressista.
4. Uma nova geração emergiu em mais de duas décadas de Plano Real alheia ao mundo político. A estabilização da economia gradualmente foi reforçando o afastamento dessa vertente em relação a política. Nossos quadros políticos são netos e filhos de políticos profissionalizados há quase 30 anos. Por outro lado, a esquerda brasileira encontra-se distante de qualquer linha interpretativa renovada para o país. O vazio de lideranças na política brasileira que contribuam para enfrentar a crise é demonstração de que nenhum personagem da "pequena política" esteja disposto a renunciar o cotidiano de sua sobrevivência eleitoral para se tornar um "ator político".
5. Esse diagnóstico poderia explicar esse "mal-estar" com a política que observamos na sociedade, porém ela precisa estar organizada para enfrentar os problemas que se avolumam para os próximos meses. Não se observa uma "luz ao final do túnel" sem que haja forças políticas comprometidas e realizando um diálogo nacional ao redor de um programa de reformas.
6. Seja a "Agenda Brasil" ou "Uma ponte para o futuro". Dois momentos de inspiração em que nada se encaminha de real para a sociedade. Não se pode permitir um silêncio por mais tempo pois presenciamos um perigo para a institucionalidade democrática. Nada se fará sem o centro político. Portanto, devemos zelar para que esse campo não se deixe encantar pelo conservadorismo.
7. Diversas frentes e/ou manifestações de conservadorismo aparecem no meio desse "turbilhão" que é a crise política brasileira. Trata-se de ensaios da ante-sala da volta de um Antigo Regime mais centralizador, ou seja, o pior dos mundos para as forças democráticas e progressistas. Mas, o que dizem essas forças democráticas e progressistas? Nada que tenha grande impacto ou visibilidade para a sociedade. Deixaram a sociedade a deriva nesses tempos de crise pois estão analisando a crise com o "retrovisor" de um Brasil do pré-1964.
8. O capitalismo veio para ficar por um bom tempo. Há décadas. Agora, o capitalismo brasileiro precisa estar comprometido com a democracia. Esse deve ser o elo político renovador de uma esquerda democrática e das forças novas da política. Ou não temem um fantasma "pinochetista"?
9. O debate deve ser para além do apoio ou condenação do "impeachment". O desgaste político é grande pela falta de iniciativa política do Governo e da Oposição em realizar algo mais sensível para a população. Por outro lado, os setores sociais organizados aparentemente empurram essa crise em "banho maria" numa espera de uma solução no "sebastianismo" do Lulismo. Virar a página do Lulismo é fundamental para termos novos sujeitos políticos no campo democrático e progressista.
10. Nesse momento, as eleições municipais do próximo ano parecem numa distância política de séculos porque não estamos respondendo no dia a dia os problemas da sociedade. Esse é um cenário político que exige novos caminhos que não renunciem a nossa democracia. Por isso, cada tempo gasto na reflexão da política atual é um ganho de dias a mais para nossa sociedade que desperte na efetivação de uma "revolução passiva" de baixo para cima.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

VAI QUE COLA - UMA OPINIÃO

 
O Macunaíma do Subúrbio
 
Por Vagner Gomes
 
Paulo Gustavo é de uma nova geração de humoristas que surgiram com peças lotadas nos últimos anos. "Minha mãe é uma peça", "Hiperativo" e "220 volts" são exemplos desse sucesso de público nas artes cênicas que também se estendeu ao cinema com "Minha mãe...". Na televisão, sua atuação na série "Vai que cola" garante muitos "cacos" que mantêm a continuidade da audiência num canal da TV por assinatura.
Trata-se de "Vai que cola - o filme" uma iniciativa ousada para que refletirmos nesse momento político. O roteiro, muito bem desenvolvido, permite que vejamos a volta do personagem Valdomiro Lacerda - Valdo (Paulo Gustavo) para a sua cobertura no Leblon. Trata-se de mais uma implicação do mesmo na trama sobre seu envolvimento na corrupção como "laranja" de uma grande corporação de Engenharia que ganha uma licitação para construção de abrigos para idosos.
 Um bom entendedor, perceberá que nem tudo seria mera coincidência no submundo em que o simpático Valdo se envolve. Um "anti-herói" do humor apresenta-se diante do público em pequenas doses que fazem a sátira e pode estabelecer momentos de reflexão sobre a cultura cívica de nosso país.
Além disso, há uma visão inteligente na abordagem sobre a Cidade Partida nesse filme ao vermos uma paródia comparativa sobre a forma de vida no Méier. A Zona Norte carioca é um microcosmos para diversas periferias do nosso país. Contudo, há a visão romântica da formação ética forte nessas localidades mesmo que tenhamos personagens dúbios quanto ao uso da verdade.
Os personagens da pensão de "Dona Jô" lembram muito dos perfis antropológicos de uma sociedade americanizada e muito influenciada pelas redes sociais. Uma antropofagia da Zona Sul é feita no subúrbio de Vai que Cola. Por isso, o filme ganha muito de dramaticidade política pela via do humor como se ilustrou na presença da expressão "delação premiada".

sábado, 11 de abril de 2015

SÉRIE: DIÁLOGOS SOBRE A CONJUNTURA NACIONAL

A IRRESISTÍVEL TENTAÇÃO DO GUETO POLÍTICO
                   Luiz Eduardo Soares
 
A onda conservadora no Congresso, sob a batuta do que há de pior no PMDB --que ocupou o espaço deixado vazio pela desmoralização do PT e do governo--, ameaça tanto as conquistas sociais e os direitos civis e trabalhistas, quanto a crise provocada pelo bonapartismo arrogante e obscurantista de Dilma. A pauta reacionária no Parlamento inclui a consagração da terceirização, a redução da idade de imputabilidade penal e a revogação dos avanços no controle de armas. Por sua vez, os efeitos da crise econômica podem vir a dilapidar a redução das desigualdades e o aumento da renda dos mais vulneráveis, gerando desemprego e decepções em larga escala.
Tão dramático quanto este quadro é o seguinte: a miséria herdada mais imobiliza do que potencializa a participação cidadã e política; mas a perda do que se conquistou estimula a mobilização, com frequência, regressiva, ressentida, tendente a deixar-se capitalizar pelas forças mais conservadoras, quando não propriamente autoritárias. À direita, mais provavelmente, mas também à esquerda.
Por isso, em vez de frentes de esquerda sectárias, estreitas, enamoradas do chavismo e dos populismos autoritários, trata-se, e com urgência, de contribuir para a tessitura de uma frente ampla democrática --mais ao nível da sociedade do que dos partidos--, capaz de defender as conquistas e os direitos. A frente estreita esquerdista que está sendo construída é composta por lideranças e partidos que não foram capazes de enxergar aonde nos conduzia a política econômica desastrada de Dilma, ao longo do primeiro mandato, e que tampouco compreenderam como e por que a adesão do governo e do PT aos métodos políticos tradicionais, e sua tolerância com a corrupção, aprofundariam o descrédito da política, atingindo o coração da democracia.
Essa frente de esquerda não só é impotente para barrar os assaltos reacionários contra os direitos, como reduz as chances de que se constitua um arco de alianças suficientemente amplo em defesa das conquistas e dos direitos ameaçados, seja pela ação parlamentar conservadora, seja pela crise econômica. A frente esquerdista, entretanto, interessa ao bloco no poder, sobretudo a Dilma e ao PT, porque reproduz o discurso e o simbolismo da bipolarização. Isso é tudo o que o PT quer, reeditando a tática que aplicou na campanha. O dualismo do tipo guerra fria, em que o outro não é alvo de crítica e divergência, mas de condenação moral, em que o adversário é inimigo, em que o contencioso opõe povo e elites, bolivarianismo e neoliberalismo, este falso dualismo salva o PT e Dilma, tornando-os o eixo em torno do qual vão girar as alianças possíveis.
De meu ponto de vista, quem sustenta que a saída da crise é pela esquerda não entendeu rigorosamente nada sobre nosso passado e nosso presente, e está brincando com nosso futuro. A saída é uma ampla coalizão em torno dos direitos e das conquistas, em diálogo com as ruas, envolvendo a mobilização não aparelhada da sociedade, disputando o justo sentimento de indignação e evitando que ele seja capturado pela direita. O horizonte, isto é, o futuro a buscar é uma governança transparente, rigorosamente refratária à corrupção, aberta à participação, respeitando os direitos históricos dos trabalhadores, comprometida com a pauta humanista, os direitos humanos, os direitos dos indígenas, com a sustentabilidade e a redução das desigualdades, e refratária a improvisações irresponsáveis de efeitos destrutivos, sob a forma de um capitalismo de Estado ou de um projeto populista desenvolvimentista.
Não está na agenda histórica socialismo nenhum. Está na agenda a defesa dos direitos duramente conquistados e a disputa pelos setores de classe média --e não só-- que o PT empurrou para a direita, com seu apetite despolitizado pelo poder. As classificações simplistas e maniqueístas servem à bipolarização e ao governo e seus sócios, no Congresso. Não servem para pensar, dialogar e fazer política de novo tipo, cuja hora chegou.




sexta-feira, 10 de abril de 2015

ENTREVISTA - VLADIMIR PALMEIRA COM A PALAVRA!


 
"O PT APODRECEU."
 
Vladimir Palmeira é sempre lembrado como a liderança estudantil que fez história na luta contra a Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil. Na redemocratização pós-anistia, ele foi um destacado dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT). Entretanto, em 2011, com o reingresso de Delúbio Soares ao Partido, ele pediu sua desfiliação. Nos dias atuais, tempos de crise, a voz de Vladimir é coerente com seu passado à esquerda de muitos. Nessa entrevista para o VOTO POSITIVO, colhemos alguns momentos que vão incendiar a reflexão dos leitores. Vejam a seguir...

 
VOTO POSITIVO. Para onde vai o Brasil com essa Crise? A crise atual se assemelha a alguma anterior?

VLADIMIR PALMEIRA. Não se sabe. Não se assemelha a nenhuma anterior.
 
 
VOTO POSITIVO. O Governo Dilma tem condições de superar a Crise?
 
VLADIMIR PALMEIRA. Dificilmente, a crise foi criada pelo próprio governo, que continua a mudar de posições a cada momento. Apesar de proclamada autoritária, a presidente nunca teve rumo certo. Daí a falta de confiança dos agentes políticos e econômicos.
 
 
VOTO POSITIVO. Qual o papel da Oposição nesse momento?
 
VLADIMIR PALMEIRA. Que oposição? A oposição do PSDB é lamentável. Não há efetiva oposição de esquerda.
 
 
VOTO POSITIVO. Para atravessar o ano de 2015, qual seria o melhor conselho político?

VLADIMIR PALMEIRA. Que as principais autoridades renunciassem: Presidente da República, vice-Presidente, e os presidentes das duas casas do Congresso.
 
VOTO POSITIVO. O Senhor foi Dirigente do PT, como analisa a situação desse partido no cenário político atual? A Esquerda ficou órfã?

VLADIMIR PALMEIRA. O PT apodreceu. Não quer dizer que vá acabar como partido, mas perdeu inteiramente seu rumo.

VOTO POSITIVO. Será o PMDB, mais uma vez, o fiel na balança da política brasileira?

VLADIMIR PALMEIRA. Está sendo. O problema é que não se sabe para que lado balança.
 
 
VOTO POSITIVO. Alguma força política seria capaz de assumir um protagonismo semelhante ao "Podemos" na Espanha  ou o SYRIZA na Grécia?

VLADIMIR PALMEIRA. Não. Pelo menos por enquanto. Só um amplo movimento de massas pode gerar uma nova organização política.
 
 
VOTO POSITIVO. Por que a "Terceira Via" a polarização PT X PSDB tem dificuldades políticas para se consolidar nos movimentos sociais?

VLADIMIR PALMEIRA. Quem seria a terceira via? O PSOL apoiou Dilma, a Rede apoiou Aécio.
 
VOTO POSITIVO. As manifestações desse ano influenciarão nas eleições do próximo ano? Particularmente, o PMDB na Capital carioca ainda tem condições de se manter no Poder?

VLADIMIR PALMEIRA. É cedo para dizer.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

ENTREVISTA - PROFESSOR ALBERTO AGGIO

Alberto Aggio
 
"CREIO QUE O PT REALMENTE PASSA POR UMA CRISE PROFUNDA."
 
 
No dia 30 de março o Professor Alberto Aggio teve seu artigo "O bumerangue e o 15 M" publicado em O Estado de São Paulo (leia o artigo nesse link http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2015/03/alberto-aggio-o-bumerangue-e-o-15m.html ).
 
No artigo, o historiador chama as manifestações de 15 de março como o 15 M brasileiro para esclarecer que as ruas foram ocupadas por manifestações que não podem ser comparadas a nenhum momento histórico anterior. Nosso BLOG, atento ao debate sobre a atual conjuntura política, entrevistou Alberto Aggio e colheu novas interpretações sobre a nossa situação política. Leiam abaixo:
BLOG VOTO POSTIVO- Para onde vai o Brasil com essa Crise? 
        
É difícil dizer. Por agora está havendo um desgaste muito grande da presidente da República e do seu partido, o PT. O que é evidente pelas manifestações de rua e pelas pesquisas. A crise depende dos desdobramentos da operação Lava-Jato. Ela pode atingir políticos de diversos partidos, além do PT. Inclusive, o principal partido da Câmara que é o PMDB. Como muitos não creem no impeachment da presidente, se suspeita que uma das alternativas para a crise seja um grande acordo, uma espécie de novo transformismo com o PMDB no papel dirigente, o que não é o mesmo PMDB nem da transição democrática, nem o protagonista das sombras dos últimos governos.
 
BLOG VOTO POSTIVO- O Governo Dilma tem condições de superar a Crise?
 
A crise afeta muito o governo, inclusive para a reposição de suas peças principais, com a saída de alguns ministros, mas ainda não jogou o governo no chão. Ele está, por assim dizer, nas cordas, mas não caiu. E é óbvio que pode se superar. Mas não dá sinais claros qual o caminho que adotará para isso. Ao que tudo indica navegará lentamente tentando suportar a tormenta. A sua dependência em relação ao PMDB, que tem a presidência da Câmara, do Senado e a vice-presidência da República faz com que seja desaconselhado um caminho solo para o PT e Dilma superarem a crise, mesmo com um protagonismo forte de Lula.
 
BLOG VOTO POSTIVO-  Qual o papel da Oposição nesse momento?
 
O papel da oposição é se manter ativa, de preferência, nas ruas, protestando, buscando sua rearticulação, renovando sua política e sua cultura. Como não se deve esperar uma saída rápida para a crise, a oposição também tem que buscar um ativismo no interior da mudança do quadro partidário que se esboça no país. A reforma política deverá exigir a fusão de partidos no campo da esquerda democrática, o PSDB deve buscar um caminho de renovação da sua política e abrir-se mais à sociedade, e novos agrupamentos políticos estão surgindo ou se legalizando oficialmente, como a REDE, o movimento RAIZ, etc.
 
BLOG VOTO POSTIVO-  Para atravessar o ano de 2015, qual seria o melhor conselho político?
 
Manter-se atento e ativo, interessado nos acontecimentos da política; procurar participar com responsabilidade, agregando o maior número de pessoas para aquilo em que se acredita. Mas é preciso ter paciência e compreender que a política não é um resultado mecânico nas nossas vontades. Ela é um mundo complexo já que a nossa sociedade também é uma sociedade complexa e governar a complexidade não é uma questão simples.
 
BLOG VOTO POSTIVO-  Como analisa a situação do PT no cenário político atual? A Esquerda brasileira acabou?
 
Creio que o PT realmente passa por uma crise profunda. Na verdade, uma crise que revela muito do que ele realmente é e estava oculto, ofuscado. Ele sempre foi um partido que agregou interesses de diversos setores. No poder passou a lidar com isso de maneira mafiosa, criminosa. E mesmo assim, ou até por conta disso, adotou uma linguagem é uma missão de polo excludente. Esse modelo evidência agora sua crise parece que é terminal. Mas não por isso o PT irá desaparecer, apenas não se sabe muito bem o que resultará disso. Só se sabe que o passado das suas origens retóricas, de marcas dramatizadas da luta social, isso não voltará mais a convencer o conjunto da sociedade.
 
BLOG VOTO POSTIVO-  Será o PMDB, mais uma vez, o fiel na balança da política brasileira?
 
Não tenho dúvida disso. Perdeu-se muito tempo na discussão da polarização entre PT versus PSDB e não se atentou devidamente para os limites mas também as virtudes de um partido de centro como o PMDB. A rigor, o PMDB nunca levou uma política que atentou contra a democracia da Carta de 1988, muito ao contrário. É um partido moderado que tem setores ideológicos que percorrem todo espectro político. Não é um centro político com projeto de sociedade definido, de cunho ideológico. É isso o favorece como negociador. Mesmo porque a polarização PT X PSDB não é também uma polarização ideológica, com projetos à esquerda e à direita; ambos seriam moderados em suas pretensões. O PT leva uma política de polo no sistema político, mas não é um partido que leva uma política revolucionária; o PSDB é uma partido do liberalismo democrático no Brasil, bastante aberto a uma política de conciliação e só não faz isso pela política de rechaço que adota o PT. Nesse quadro tudo parece estar empastelado e de difícil manejo. A cena brasileira, portanto, necessita de muita arte política e o PMDB parece estar numa posição mais confortável para fazer isso.
 
BLOG VOTO POSTIVO- Alguma força política seria capaz de assumir um protagonismo semelhante ao "Podemos" na Espanha  ou o SYRIZA na Grécia?
 
Creio que não. Nem mesmo os novos agrupamentos políticos que citei acima em outra resposta. E diga-se de passagem que a experiência do Podemos e do SYRIZA estão ainda por se efetivarem. É preciso observá-las com maior atenção para extrair um bom diagnóstico delas.
 
BLOG VOTO POSTIVO- Por que a "Terceira Via" a polarização PT X PSDB tem dificuldades políticas para se consolidar nos movimentos sociais?
 
Imagino que seria pelo fato de que os movimentos sociais devem atuar de maneira menos partidarizada. Nem PT, nem PSDB ou qualquer outra força política deve ambicionar controlá-los, e sim conviver, dialogar e construir alternativas positivas junto com eles.