Pablo Spinelli[1]
Por ser fim de ano,
época que nossos 24 leitores ficam de férias e acabam por esquecer esse
valoroso blog, fazemos aqui uma pequena miscelânea de sugestões;
1. O livro O Jovem Maquiavel, de Newton Bignotto, merece uma leitura não só
por parte dos já iniciados em Teoria Política ou História, como também serve
como porta de entrada ou de complemento para aquele que começou a conhecer o
pai da Ciência Política a partir da leitura de O Príncipe. Bignotto nos oferece um panorama histórico da Florença
e dos conceitos que forjaram Maquiavel como homem da ação enquanto diplomata e
mais tarde, como escritor de um dos livros mais importantes do Ocidente ou do
Norte Global.
2. A série Round 6 – parte 2 estreou no dia 26. Adepta do sistema de mexer em
time que está ganhando, houve poucas inovações no atacado, mas com certa variedade
no varejo. Assim como na temporada anterior, há arquétipos contemporâneos como
o jovem rapper e o jovem influencer; uma discussão sobre gênero e transfobia e
misoginia. A contundente crítica ao mercado, ao tratamento de párias sociais
para os sem condições econômicas, a questão do endividamento pessoal, a
juventude e a velhice desamparadas estão lá no moinho satânico, usando aqui
famosa metáfora criada por Karl Polanyi. Para quem gosta de Filosofia Política
e afins, há uma provocação: Hobbes e Locke de um lado, Durkheim e Rousseau, de
outro. Individualismo possessivo, competividade, estado da natureza anômico x
solidariedade, cooperação, democracia participativa de onde “pequenos
sacrifícios para um bem maior” é uma bela discussão. Lembremos que a Coreia do
Sul era e é uma das disneylândias do mercado (da educação, do entretenimento).
Mais uma vez, a série mostra os efeitos colaterais da política econômica de um
país que acabou de sair de uma tentativa de golpe de Estado.
3. Clint Eastwood, com 94 anos, dirigiu o
filme “Jurado n. 2”. Mais assustador e espantoso que a política da Warner em
lançar o filme do diretor - que atuou ou dirigiu filmes para o estúdio como “Os
Imperdoáveis”, “Bird”, “Sobre Meninos e Lobos”, “Menina de Ouro”, “Cartas de
Iwo Jima” - direto no streaming (Max), é o vigor do seu trabalho. Uma das
marcas de Clint é fazer filmes com protagonistas no seu limite e com dilemas
morais.
Ele
usa um subgênero tipicamente americano, o filme de tribunal, para um amplo arco
que está inserido a convocação para os eleitores votarem num sistema de voto
facultativo; a questão do judiciário local (tema caro a um pensador do quilate
de A. de Tocqueville) eleito pela cidade e a necessidade do punitivismo para
amealhar votos; o misto de “12 homens e uma sentença” e “Investigação de um
cidadão acima de qualquer suspeita” no enredo que vai para um caminho ético de pesada
reflexão; além de ter um elenco muito afinado e com excelente atuação de
Nicholas Hoult, cujo personagem nos remete ao apóstolo Paulo: “Porque não faço
o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que
não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim. Assim,
encontro esta lei: quando quero fazer o bem, o mal reside em mim.”
4. O filme Witched trata de uma questão de origem: o que fez a bruxa má do Oeste ser má? O filme poderia ter menos 30 minutos para dar conta do seu recado. É mais um filme que se diz infantil, mas é para os responsáveis dos infantes. Há questões como o racismo, na metáfora à segregação a uma jovem verde. Mas vai além. O bode velho que nos é apresentado é um professor de história que fala para os mais jovens acerca do perigo de não se estudar História, pois podemos cometer erros que podem ser irrecuperáveis. A perseguição aos animais docentes é sobre o fascismo, assim como os macacos alados são os drones e câmeras de vigilância. O elenco é dedicado, mas o grande destaque é Ariana Grande que, tal qual Lady Gaga, pode ir longe na atuação.
5. Por fim, o destaque para mais dois livros: A fé e o fuzil (2023), de Bruno Paes Manso. Um livro obrigatório para quem estuda religião, violência e, principalmente, para os cariocas. Salta das páginas a ausência de um pensamento acadêmico unido a uma política pública desde o século passado. A narcomilícia e o Complexo de Israel não surgiram por acaso e nem ontem. O outro livro é Por que a democracia brasileira não morreu?, de Marcus André Melo e Carlos Pereira. Nele, os dois cientistas políticos desfazem mitos sobre uma crise institucional no Brasil nesse século e tem prognósticos poderosos, como a necessidade de um governo de coalizão saber dividir o poder, como na formação de um ministério. Por mais interessante que tenha sido o desenho institucional criado pela Carta de 1988, ele não dá conta da governabilidade. A ética da convicção deve se render à ética da responsabilidade.
Por um ano mais inclusivo, democrático e amoroso para todas e todos.
[1]
Doutorando em PPGCP-UNIRIO e professor da educação básica das cidades de
Saquarema e do Rio de Janeiro.