Leituras
sobre o Brasil em Cangaço Novo
Por Vagner Gomes
de Souza
A produção
cinematográfica brasileira na terceira década do, salvo em raríssimas exceções
como observamos em Eduardo e Mônica[1]
e Medida Provisória[2]
(resenhados nesse BLOG), tem se
caracterizado por uma sequência de filmes fracos como se fossem “retratos
fantasmas” de modas e conceitos fraturados. A vocação de frente democrática não
se faz muito forte nesse mercado, pois a resposta do público tem sido muito e
muito pequena em que a “onda streaming” e os efeitos perversos da
individualização na sociedade brasileira estão derruindo em muito a
estabilidade das equipes criativas. Portanto, o melhor da ficção audiovisual
nossa está se apresentando em inúmeras e variados seriados como DOM, Cidade
Invisível, Segunda Chamada, Arcanjo Renegado, Sob Pressão, etc.
Agora o público
brasileiro foi brindado pelo seriado Cangaço
Novo (Direção de Fábio Mendonça) na PRIMEVÍDEO e confirma a qualidade de
roteiros nessa safra que emergem nessa década. Com criação de Mariana Bardan e
Eduardo Melo, a nova produção brasileira conta com Allan Souza Lima (de A
Menina Que Matou os Pais) no papel principal. A primeira temporada que agradou
muito o público brasileiro e se inseriu no contexto do continente africano como
se fosse uma Escrava Isaura do século
XXI. A hipótese do estado de anomia em Durkheim deve provavelmente explicar
esse fenômeno.
O seriado tem 8
episódios que reforçam muitas leituras sobre o Brasil que poderíamos revisitar
com o compromisso de buscar novas interpretações diante dos novos sujeitos
sociais que surgem em destaque nos primeiros dados divulgados do Censo de 2022.
Entretanto, antes que comecemos a enumerar uma bibliografia inspirada no
pensamento social brasileiro, poderíamos lembrar que há um pouco de Roque
Santeiro na volta do personagem Ubaldo Vaqueiro a fictícia Catrará num Ceará
muito distante dos índices de primeiro lugar no IDEB. A comparação não é pela
volta de um herói, mas por causa de uma vida social em torno de uma mitologia
referente ao pai biológico do personagem principal.
Contudo, ainda temos o
tema do exclusivo agrário na trama por conta de uma herança de um sítio sob a hipoteca
do sistema financeiro. O banco é um opressor desde momento que Ubaldo é
demitido como bancário. Em seguida, ele percebe o quanto o peso das
sedimentações passivas do passado ainda se faz presente no mundo contemporâneo.
Então, o telespectador se vê diante de um personagem sem memória sem que haja
uma explicação sobre esse fenômeno. O reencontro familiar se faz com conflitos
e incertezas. Além disso, Ubaldo, apesar de sua primeira resistência a grau da
violência dos “neocangaceiros”, não é um exemplo de ética e uma “sombra” ronda
sobre os motivos de seu afastamento do exército brasileiro o que lhe fazia se mantiver
uniformizado diante de seu pai adotivo.
A presença das forças
armadas em exercício no agreste do Ceará nos anos 90 seria outro momento “turvo”
desse seriado. Os pontos que aproximaram a personagem Zefa (em brilhante
atuação de Marcélia Cartaxo) e o militar que seria o pai adotivo de Ubaldo
Vaqueiro não se elucidaram na primeira temporada. Não seria um pouco de O sentido do tenentismo de Virgílio
Santa Rosa? Muitos que comentam sobre as forças armadas na atualidade pouco têm
noção sobre esse ensaio de 1933 (um nonagenário livro injustamente esquecido).
Aguardemos os possíveis desdobramentos uma vez que as forças armadas em tempos
pretéritos tanto tiveram setores a questionar quanto a incentivar a manutenção
do exclusivo agrário no Brasil.
As leituras de
interpretação de nosso país se abrem em inúmeras possibilidades nesse seriado
que foi produzido entre 2021/22 apesar de vir a público nesse primeiro ano de governança
da Frente Democrática. E as referências bibliográficas esquecidas até em
instituições que deveriam primar pelo estudo do agrarismo no pensamento social
brasileiro. Diante disso, Cangaceiros e
Fanáticos de Rui Facó poderiam ser uma dessas referências, pois atribui aos
fenômenos de Canudos e ao Cangaço um resultado da crise de ordem econômica e
autoridade. O elemento de crise no conceito gramsciano no qual o velho já morreu mais o novo ainda não se sabe fazer presente poderia explicar assim a boa recepção do
seriado mundialmente.
Entretanto, a crise da
autoridade da política se faz muito presente no atrito geracional entre o
Senador e seu filho que é prefeito de Catrára. Suas nuances políticas expostas
no episódio “Tudo é política” marcariam o aggiornamento de Ubaldo Vaqueiro num
contexto social semelhante ao que Victor Nunes Leal observou em Coronelismo, enxada e voto. O poder
político nos municípios não deixam de ser ainda a base de muitas configurações
políticas nacionais e muito bem sabemos que o caminho das verbas orçamentárias podem
levar ao sucesso ou ao fiasco de muitas gestões administrativas. A crise fiscal
é uma “sombra” em Cangaço Novo uma
vez que se precisa de apoio em Brasília para a realização de uma obra pública
(uma estrada) que valorizaria muitas terras ao redor. Esse é o ponto do debate
político sem nenhuma máscara ideologizada.
O tema da violência,
que elege muitas candidaturas que se sustentam na base conservadora do
eleitorado brasileiro, é outra vez provocada pela facilidade dos canais em que
Ubaldo Vaqueiro (ex-militar) teve para conseguir armamentos modernos.
A modernização conservadora em todos seus significados diante de uma realidade
que estudada por uma socióloga esquecida pelas assim chamadas lideranças do “Feminismo
Novo”: Maria Sylvia de Carvalho Franco. Homens
livres na ordem escravocrata ganha grande atualidade param se observar o
crescimento da violência no Nordeste (como observamos recentemente na Bahia em
suas sedimentações do “carlismo”). Por fim, sugerimos que esse é um livro que
muito poderia contribuir para repensar um olhar sobre o novo país que nasce no
crescimento demográfico no Centro-Oeste.