quinta-feira, 10 de agosto de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 021 - FRENTE DEMOCRÁTICA PARA ALÉM DO MÊS DE AGOSTO

A ousadia da prudência do governo da Frente Democrática

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Daqui a alguns dias a espera terminará e a reforma ministerial terminará e um novo impulso governamental começará. O governo que está à porta traz muitas novidades, representa uma profunda mudança política, promovida por forças políticas construídas em poucos anos.

A nova classe dirigente é filha do processo de modernização reformista que levou à vitoriosa Frente Democrática de 2022, que durante anos foi duramente criticada por posições da esquerda. Com eles se construiu a atual coalizão política, não isenta de atritos internos. Eles estão unidos mais pela necessidade da democracia.

Como bem sabemos, paralelamente a isso ocorreu o suicídio autoassistido de uma direita e extrema-direita com complexo por seu trabalho de destruição, sem vergonha de suas mazelas, sem vergonha dos seus deslizes, em permanente estado de alucinação como se viu em 8/1.

Por sua vez, a direita e a extrema-direita se feriram seriamente ao liderar um governo esquizoide, onde nele se abriu para setores liberais, mas também houve a decantação de uma direita dura com nostalgia autoritária, que acabou por representá-la nas últimas eleições.

Assim, o quadro político que mudara em favor de visões extremas, foi cedendo espaço a moderação do centro e da direita e esquerda democrática que foram paulatinamente sendo reconstituídos.

As últimas eleições legislativas coincidiram com o apogeu dessa polarização e do culto da pureza antipolítica em relação às formações tradicionais.

No segundo turno presidencial, a Frente Democrática, que havia ficado latente e em primeiro lugar no primeiro turno, Lula & Alckmin tiveram o talento e capacidade política para entender que só com sua conformação efetiva venceria se convencesse um setor moderado, não revolucionário e republicano de que, se eleito, iria garantir transformações profundas, graduais e respeitando as regras democráticas. Isso lhe permitiu obter a maioria eleitoral.

Estes sinais permaneceram existindo depois das eleições, e o início do governo da Frente Democrática continuou a mostrar contenção e sentido de Estado alheios a exacerbações identitárias, aproximando mesmo aqueles que se insultavam no passado, moderando a sua visão crítica da transição democrática e demonstrando respeito e talvez até mesmo admiração por seus líderes.

Sem dúvida, a medida mais significativa foi a nomeação de Simone Tebet para o Planejamento e Orçamento. Mas agora trata-se de assumir uma nova disposição governamental e os sinais já não bastam. Chegou a hora de decisões que têm tanto efeitos reais quanto simbólicos. Chegou o momento em que as promessas de governo devem ser confrontadas com uma realidade mutável e muito complexa. Nem tudo o que foi prometido será alcançável, como Goethe apontou nas palavras maliciosas de Mefistófeles a Fausto, “Cinzenta, caro amigo, é toda a teoria, e verde é a árvore dourada da vida”.



O início de inocência será deixado para trás. Como sempre acontece, quem governa de objeto da esperança torna-se objeto da suspeita. Querendo ou não, a Frente Democrática se torna o coração da política, com enormes responsabilidades de liderança, enfrentando dificuldades cotidianas e estratégicas, deve aprender a exercer o poder com ousada prudência e sem perder a alma.

Um elemento decisivo é a convicção democrática do governo, a convicção de que sua legitimidade não advém apenas do ato eleitoral, mas do exercício do poder de acordo com as regras democráticas.

Ter sempre em mente que ao vencer, nem tudo foi ganho e que seus adversários não perderam para sempre. Não fazer isso é estranho à prática democrática. É pensar que alguém possui toda a verdade política. E a verdade absoluta na democracia não existe, é algo típico do autoritarismo e das ditaduras.

Vassili Grossman, o grande escritor soviético de raízes judaicas ucraniana, ensina-nos em Vida e Destino que por vezes a boa vontade, as excelentes intenções e a vontade determinada de fazer o bem podem ter efeitos perversos, porque o mal pode vir de quem quer impor a todos a sua ideia particular de bem.

A democracia é um sistema que coloca barreiras a este perigo através da separação dos poderes do Estado e dos contrapesos do poder, que impedem a sua concentração e asseguram o respeito pelas minorias, permitindo-lhes a possibilidade de se tornarem maioria se os cidadãos assim o decidirem.

Os tempos que virão não serão fáceis para o governo da Frente Democrática. Serão tempos conturbados, os efeitos do passado recente limitarão o nosso funcionamento.

A queda em nosso desenvolvimento econômico e social começa a ser recuperada. Muitas reformas dependerão da saúde de nossa economia e o ambiente geopolítico internacional seguira muito incerto e instável, como mostra hoje a situação no Leste Europeu e alhures. Por isso é boa a reforma ministerial que alarga o debate e se diversificam as vozes, daí a virtude dessa, que se deve ter em conta em vez de ser vilipendiada.

Nenhuma autonomia é absoluta na democracia. O novo elã governamental deverá influenciar as forças que o apoiam no Congresso Nacional, incitando-as a chegar a compromissos e equilíbrios que permitam mudar o tom do atual processo, sem dúvida laborioso, mas muitas vezes surdo e intemperante, e chegar à política que protege a democracia, os direitos sociais do bem-estar, continuidade histórica e que seja aceitável para todos.

Hoje aquela expressão em Ética a Nicómaco que Aristóteles proferiu  “virtus in medium est” (no meio está a virtude) parece fazer muito sentido.

 

9 de agosto de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

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