sábado, 1 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - ENSINO MÉDIO NA BERLINDA (RESENHA DE LIVRO)


 O ovo da serpente na educação 

 

Pablo De Las Torres Spinelli 

 

O Estado do Rio de Janeiro teve recentemente mais de 40 dias de paralização da sua rede estadual de ensino por uma greve orientada pelo SEPE/RJ que tinha como metas a defesa do Plano de Carreiras, o pagamento do Piso Nacional do Magistério, a convocação dos concursados e um novo concurso público e a revogação do Novo Ensino Médio1 . A greve não conseguiu a sua pauta e além de ter sido judicializada, sofreu uma derrota política diante de um governador que colocou como entrave o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado e que pedira ao Executivo Federal a retirada da Educação do RRF, logo, o foco da categoria deveria ser para Brasília e não para o Palácio Guanabara.  

 

Dito isso, há uma urgência de um balanço sobre a derrota do movimento por parte da categoria e não só. O campo intelectual pode e deve dar contribuições para o entendimento das sucessivas derrocadas. Aqui cabe uma provocação. A pauta do magistério está em consonância com as demandas societais? É possível ter vitória política numa greve sem a sociedade como parceira? A pauta econômica poderia ter um diálogo com outras pautas tais como unificação do calendário de recesso no meio do ano até à infraestrutura escolar (climatização, água, esgoto, isolamento acústico)?  

 

Em ação inédita, o Presidente da República insta a sociedade a fazer inscrições para o ENEM por meio de redes sociais. As escolas não poderiam fazer a inscrição e ter uma agenda com a comunidade escolar sobre os problemas da categoria e dos alunos na conjuntura pós-pandêmica? Perguntas que são formuladas a partir do lançamento do livro Ensino médio no Brasil e sua (im)possibilidade histórica: determinações culturais, econômicas, políticas e legais, organizado por um grande especialista da área da Educação, Gaudêncio Frigotto, e editado pela UERJ (LPP)/Expressão Popular.  




O livro composto por onze artigos com a colaboração de quinze pesquisadores e profissionais da área da educação abre um amplo leque de diagnósticos a respeito da educação e, em especial, o ensino médio brasileiro, como aludido no título. Com linhas de pesquisa e abordagens das mais diversas há pontos em comum que podemos elencar para os profissionais da área e para o público leigo. 

 

A começar pela análise do capitalismo periférico do “outro ocidente” que é a América Latina, e, em especial, o Brasil, cujo eixo formador da nação trouxe consigo as chagas de uma sociedade escravocrata e de uma elite burguesa moderna que leva adiante a modernização com o setor do atraso, cuja permanência do latifúndio é marca indelével da nossa formação contemporânea. O constructo teórico a partir de textos seminais das Ciências Sociais tem como arcabouço o diálogo entre Florestan Fernandes, Celso Furtado e Francisco de Oliveira, pensadores e analistas de um modelo desenvolvimentista que combina desiguais desde a formação cidadã, perpassando pelo sistema educacional do século passado e que culmina no viés mercadológico na área do ensino desse século, como a valorização da meritocracia, da educação particular, do “espírito” empreendedor nessa América periférica. Pode-se discutir as ausências de Caio Prado Júnior e dentro do pensamento cepalino, o sociólogo discípulo de Florestan, Fernando Henrique Cardoso, mais lembrado enquanto presidente de um governo rotulado como neoliberal, seara que abre discussões se ali começou e se ali se esgotou tal modelo. Foi nesse governo que a educação passou a ser avaliada por um exame nacional que passou a ser a porta de entrada (na maioria, a única) para o ensino superior, além da criação do FUNDEF, cuja meta era capilarizar para os municípios parte do orçamento exclusivamente para o Ensinamento Fundamental, política pública que foi continuada e turbinada pelo FUNDEB no governo seguinte.  


 A abertura de um debate sobre os moldes do capitalismo brasileiro, as lacunas de nomes do pensamento social brasileiro, a ênfase em dualismos classificatórios carregados de uma energia da superestrutura não invalida os acertos da coletânea como as evidências legislativas nos últimos dez anos que prioriza a flexibilização da rede pública de ensino no Ensino Médio e que acaba por adaptar escolas particulares que vivem de ranqueamento e de concorrência de um mercado cada vez mais competitivo. As digitais de setores privados na formulação de políticas públicas - como o Sistema S e o “Todos Pela Educação” - são colocadas à luz das pesquisas. A associação do empreendedorismo com as camadas subalternas da sociedade é equivalente ao que existia desde os idos do Ministério Capanema e que foi exponenciado pelo tecnicismo-fordista da Ditadura Militar. É ainda de grande valia as contribuições para futuras pesquisas para intervenções públicas em uma aliança entre universidade pública e sociedade. Há caminhos férteis para a práxis na educação a partir dos relatórios dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, algo que permitirá um questionamento sobre a atuação de bancadas legislativas na área da educação desde o “chão de fábrica” até a orçamento e gestão; tal qual mais pesquisas acerca do ensino público e suas mazelas diante dos anos pandêmicos, algo que permite políticas preventivas.  

 

A confecção de um livro de tal monta é um tour de force não apenas pelos temas analíticos da sociedade brasileira, das classes hegemônicas, mas, e principalmente, pela sua confecção em anos de chumbo – aqui não como metáfora da Ditadura Militar, mas do peso que o espectro fascista que nos rondou e ronda nos legou -, em ásperos tempos que precisam de intervenção de intelectuais compromissados com a educação pública, com a res pública, com a democracia. Gaudêncio Frigotto nos trouxe à reflexão com Escola “sem” Partido (2017) para o ovo da serpente que ali se chocava e agora com esse seu mais recente livro discute a possibilidade vinda da impossibilidade histórica de um ensino médio público de qualidade e democrático. E aqui temos em Frigotto e seus colaboradores intelectuais desempenhando um papel ativo na organização da cultura democrática nesse país amante da revolução passiva.  

 

1 https://seperj.org.br/nova-versao-carta-a-populacao/ 

 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBB 018 - LIÇÕES DA ESPANHA PARA O BRASIL

Lembrai-vos do Pacto de Moncloa

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em 28 de maio, foram realizadas eleições municipais e regionais em quase toda a Espanha. Desde aquele dia não faltaram análises e reflexões profundas que abundam nas causas — igualmente profundas — para os resultados. É o que há depois de um dia de eleição, que aqui não se faz entender desde os engodos revogatórios que se disse por aqui. A surpresa da convocatória que o Presidente do Governo da Espanha fez para as eleições gerais para 23 de julho atrapalhou os relógios políticos e, sobretudo, atrapalhou a festa que a direita pretendia celebrar desde a noite de 28 de maio, quando foram anunciadas as eleições gerais.

Neste pouco menos de mês e meio que falta para 23 de julho, a direita vai continuar a fazer o seu trabalho: encher a Espanha de mentiras. A extrema direita anuncia que a Espanha quebrou nas mãos de Termidorianos. Os quatro cavaleiros do Apocalipse resumidos em um: o Presidente do Governo da Espanha. Com isso a direita tem feito o necessário. Vamos ver se a Frente Democrática e a força de sua união e de a resposta civilizatória. E a celebração dos avanços planetários adiados desde a manhã de 29 de maio e se acertar o passo pelo menos para os próximos quatro anos. Esperançosamente. Mas, desta vez, precisamos deixar claro o que se passou depois da noite eleitoral de 28 de maio, pois ficou transparente — mais uma vez — que a democracia espanhola tem mais fragilidades do que se imaginava.

Numa democracia não deveria permitir um terreno de ilusões do povo, as aspirações de uma sociedade seja uma coisa ou outra dependendo de quem ganha ou perde uma eleição, mas ao contrário, devem vir daquilo todos sabem de onde viemos e o que tem sido feito da nossa herança, e a dignidade de saber para onde se deseja chegar quando colocamos a devida memória daqueles que vieram antes de nós. As urnas nunca poderiam ser um jogo, seja ele qual for.

Tanto a direita quanto sua excrescência, encena há anos uma peça maluca, a Shakespeare, se nos ativermos à célebre frase de Macbeth sobre a vida ("uma história contada por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”): o afastamento de um líder errático e frágil e sua substituição por outro com o talento sintático e o gênio político de um Teletubbies; a espantosa audácia (deixemos de lado ações potencialmente criminosas) de uma baronesa muito poderosa; o desprezo pela saúde pública e pela natureza exibido por seus governos autônomos... Em todos os momentos, porém, eles garantiram que seu público permanecesse crédulo e receptivo ao efeito emocional.



A coalizão do Presidente do Governo da Espanha tem oferecido um trabalho que não é essencialmente ruim, com passagens quase geniais (direitos sociais e individuais, por exemplo) e momentos sombrios (Marrocos, para escolher um) daqueles que exaltam como não poderia deixar de ser, a fúria do público. Mas, ele se valeu completamente da alienação que compõem um repertório que devia combater como indicara Bertolt Brecht. Cada vez que um ator declamava no palco alguma frase como "este governo segue unido", outro se aproximava da plateia para sussurrar "cuidado, lembre-se que todos nós nos odiamos aqui"; em cada monólogo do protagonista brilhava uma mensagem subjacente (“você sabe que estou mentindo, mas estou fazendo certo?”); quando algo desanda significa que o todo fez besteira, o que incita o público a vaiar pelo menos um de seus membros (um, na experiência em questão).

Mas, isso não é a realidade? Ou é um teatro de sombras como disse certa vez nosso imortal José Murilo de Carvalho? O fato é que numa campanha eleitoral não se deveria exigir do público que suspenda a realidade, que esqueça o senso crítico, que participe da ilusão, que desfrute do jogo. Uma Frente Democrática e o público que a sustenta nunca pode se acostumar com a alienação.

Apesar do sistema de Victor d'Hondt e suas consequências na distribuição das cadeiras do legislativo, não importa se os Jacobinos vão às urnas unidos ou separados e que os girondinos interpretam melhor ou pior o papel de partidários coesos. Todos sabem o truque. Os atores já disseram muitas vezes para não confiar neles.

Recordemos duas coisas: que as eleições não podem se referir a um conjunto de ilusões coletivas sobre o futuro do que uma avaliação racional do passado recente, e que o pior resultado aconteceu com a Frente Ampla espanhola ocorrida nas eleições de 2000, quando o Partido Socialista Operário Espanhol e a Esquerda Unida correram juntos em uma coalizão forçada e implausível que, segundo todas as pesquisas a época, perderia por pouco ou perderia por milhões.

Por isso o resultado eleitoral das eleições municipais e regionais de 28 de maio não deixa dúvidas. Uma onda reacionária está chegando e a maioria da mídia espanhola está nadando na mesma direção como ficou claro ontem no Estádio Cornellà-El Prat, em Barcelona. Para tentar evitar o pior só somando numa Frente Democrática.

18 de junho de 2023


[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - CAIO PRADO JÚNIOR E SEU PARTIDO

Retrato do jovem Caio Prado Jr., [1926]
Arquivo IEB – USP, Fundo Caio Prado Jr., código de referência: CPJ-F11-07.

A Estreia de um Dissidente – 90 anos de Evolução Política do Brasil

Vagner Gomes de Souza

 

As celebrações do centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no processo dos 200 anos da independência do Brasil no ano de 2022 ainda se faz necessária diante do necessário debate sobre a nossa interpretação de fundação político como Estado Nação. Distante daqueles que visam fazer da análise do passado como se fosse um “tribunal de inquisição”, entendemos que há uma continuidade/descontinuidade no processo político no quais modismos e oportunismos de ocasião que se arvoram como “nova” (?) historiografia não se cuidam mais em analisar.

O legado do pensador e historiador Caio Prado Júnior é um importante desafio para se perceber o embrião de uma política de Frente Democrática “avance temps”. O jovem bacharel paulista que já tinha uma militância desde a juventude no Partido Democrático (dissidência que fará parte da Aliança Liberal de Getúlio Vargas) e já tinha sido preso por gritar “Viva Getúlio!!!” diante do candidato oficial Júlio Prestes. Entretanto, sua desfiliação ao PD se torna pública em 1931 quando estava com 24 anos. Restaria ao jovem; só se dedicar a vida profissional na área do Direito - o qual se formou em 1928 - ou ser mais um intelectual semelhante aos seus familiares Eduardo Prado e Paulo Prado ou avançar na militância política com uma produção reflexiva.

Os estudos indicam que sua aproximação com o PCB se deu no ano de 1932 num momento em que essa agremiação partidária se caracterizava pelo “obreirismo”, ou seja, o núcleo dirigente valorizava de forma extremada as origens proletárias de seus quadros e com uma atitude desqualificadora dos filiados de origem intelectual como “contaminada” pelas posturas de pequeno-burguesia. Nessa época, dois intelectuais históricos do Partido havia se afastado dos órgãos de direção (Otávio Brandão e Astrojildo Pereira). Nadando contra essa corrente sectária e esquerdista, Caio Prado Júnior se filiou ao que seria um partido extremamente distante da análise da realidade da primeira fase da Era Vargas (1930 – 1934) apesar de ser um herdeiro da família Prado e estar num primeiro casamento com uma herdeira da família Penteado.

Há relatos que os familiares se afastaram dele por causa de sua filiação partidária. Enquanto que sua origem familiar vinculada a elite paulista sempre o colocou como uma “persona” estranha para o núcleo dirigente. Observemos que havia, de um lado, a pressão familiar e, por outro lado, os possíveis embates na luta política interna do partido ao qual irá ingressar sempre visto com cautela e desconfianças.  Sugerimos que Evolução Política do Brasil (1933) é um livro que marca a estreia de Caio Prado Júnior na produção intelectual brasileira, mas também pode ser inserido como um momento de debate interno do ator político o qual estaria filiado por mais de um ano. O livro, que pretendemos analisar em artigos vindouros, guardaria um papel de contribuir no entendimento da realidade nacional pela interpretação da História.

Diante das interpretações de que o marxismo teria se nacionalizado no Brasil pela obra de Caio Prado Júnior, a dinâmica provável estaria numa aproximação da metodologia da pesquisa de Friedrich Engels com as nuances de Lênin. Mas, ele foi um autor que muito buscou se basear em fontes e indicar interessantes citações de um pensamento social brasileiro pretérito. Portanto, um marxismo enraizado em interpretações que qualificariam seu debate até de forma programática.  

quinta-feira, 8 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 017 - DESAFIOS PARA UM PAÍS DE LEITORES

Machado, Nélida e o PIRLS

          Marcio Junior[1]

 

Certa vez, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a saudosa escritora Nélida Piñon teceu o seguinte comentário: “O sistema educacional não estimula a leitura. Não podemos obrigar uma criança a ler Machado de Assis, é um equívoco. Não é necessário ler Machado de Assis a não ser quando você jura que está preparado. Machado de Assis não precisa de leitores, precisa de pessoas que vão amá-lo ao lê-lo. (...) é como amar bem, amar certo. Você vai errando e de repente você entende que domina um instrumento que é quase amoroso.” (Disponível em: https://youtu.be/o3rR0PzKtEI).

          Nélida, de quem tive o prazer de ser amigo, falava de algo que vai além do sentimento único de construir uma relação com um grande autor através de seus textos e personagens; ler bem demanda estudar, assim como estudar bem demanda ler, independente do que se estude. Assim, para que a leitura dê certo e o leitor absorva o conhecimento ali contido, ele precisa ter técnica e disposição que só é adquirida com treinamento. Afinal, não é por ser uma atividade que pode ser absolutamente apaixonante, cativante e enriquecedora que ela é desprovida de método.

          Nesse sentido, não podemos pensar a leitura em termos educacionais, onde os alunos estão aprendendo coletivamente nas escolas, sem levarmos em consideração que é necessário alguém que os ensine, objetivamente, como fazer isso. As crianças precisam não apenas saber ler as palavras, mas serem preparadas para atingir algo mais profundo e sofisticado. Vejamos, por exemplo, a leitura de um romance: mesmo que se possa ler uma frase, sua compreensão demanda domínio, inclusive, das figuras de linguagem, recurso semântico que faz parte dos conteúdos já do Ensino Fundamental e, evidentemente, elencado na arquitetura da BNCC. Uma das maiores belezas dos textos de Machado são as suas refinadas metáforas. Como amá-lo sem ter domínio deste recurso?

          Nesse ponto de vista, não estamos bem. A divulgação do resultado do Progress in Internacional Reading Literacy Study, o PIRLS (Estudo Internacional de Progresso em Leitura), nos mostrou. Trata-se de uma pesquisa quinquenal, nesta edição com 57 países participantes que avalia a compreensão de leitura dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, a partir de amostra. Foi feita aqui sob coordenação do INEP em 2021, segundo ano da pandemia de COVID-19, sendo a nossa primeira participação, o que significa que não temos histórico dessa pesquisa no período anterior à pandemia.

          A medição de proficiência, feita nas línguas vernáculas de cada país (o tema é mais complexo, pois outras sociedades que constituem outros países podem utilizar mais de uma língua para ler, e essas línguas podem variar, inclusive, no espaço) resulta em uma escala de 1 a 1000, tendo o Brasil feito 419, valor considerado, em escala, de nível baixo. Dos 4.941 estudantes avaliados, 38% não conseguia reproduzir um pedaço de informação declarada no texto, ou seja, não dominava a leitura mais básica. Grande parte dos alunos está chegando no 4º ano do Ensino Fundamental sem o conhecimento de leitura que deveria ser adquirido antes, cuja deficiência compromete o conhecimento que podem ter ao longo da vida. 

           Assim, fica um pouco mais clara a tarefa de natureza republicana e democrática que temos pela frente. A perda de gerações de estudantes que a pandemia nos legou se soma à uma situação que já não era boa, e será necessário um esforço enorme para conter os danos que, mesmo com o retorno das crianças às escolas, podem continuar entre nós. Será que temos profissionais de educação, de professores a gestores, em número suficiente, capazes de compreender e responder a este problema de extrema complexidade? Exige trabalho em tempo integral, sem limitação aos muros das escolas e sem aumento de salário por isso. Há coisas que o dinheiro não compra, inclusive o gosto pela leitura e a compreensão ensinada de que ela é necessária para enfrentar a vida.

         



[1] - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

TEXTOS DA JUVENTUDE - VAI NA FÉ PELA DEMOCRACIA


As Trombetas da Frente Democrática diante de Jericho

Por Giovana Freire – Sul do Rio de Janeiro

 

No decorrer dos últimos anos observamos uma “fratura exposta” no segmento religioso evangélico. Provavelmente, seria a visibilidade de diversos discursos de ódio vindouros de muitas denominações que se denominam cristãs quando aos meu ver nem deveriam entrar em um coliseu de ódio no âmbito político a menos que seja para defender suas convicções de doutrina de fé. Lamento que há falas totalmente sem nexo vindo de apoiadores do ex-presidente, causando pânico e repulsão a política em jovens em grande maioria no segmento protestante cristão.

Porém quando falamos em contextos políticos não fechado em apenas uma argumentação sólida, mas sim em uma pluralidade onde “todos, todas e todes” devem ter o mesmo direto de voz e liberdade de expressão.  Vivenciando um atual cenário onde tudo que não se atenda para “orientação política neoreligiosa” numa forma bem leiga designada por quem vos escreve. É considerado discurso de ódio preconceituoso e naturalizam ataques por não ser de alguém da mesma base política ou crédulo religioso que o seu. Na verdade, cresceu entre nosso espaço a mobilização de um discurso de antipolítica muito distante do legado de Martinho Lutero.

Onde as forças retrógradas alimenta um medo sobre uma esquerda como os “cavaleiros do inferno” ou até mesmo os “destruidores das famílias tradicionais conservadoras”. As forças liberais à esquerda vêm com um discurso de forma branda e tentando amenizar os próprios temores e medo de sofrer represálias pelos eleitores do outro lado, que por sua vez são mais eufóricos e “loucos” pelas suas ideias. Aparentemente parece que a cidade de Jericho está sob um cerco aguardando a invasão redentora. Todavia, estamos a sentir a necessidade de abrir caminhos dialógicos com a juventude que se inspire em Martin Luther King Jr.

Já há muito tempo observo minha juventude e irmãos de fé se afastando tanto dos contextos religiosos como dos políticos. Talvez como uma banalização do sistema onde houvesse uma postura autocrata. Sugestões seria que há uma extrema-direita opressora no qual afirma que os jovens, ainda mais os cristãos, devem se portar de maneira neutra, onde todos só têm o direito de falar quando é para defender esses prováveis 49,1% eleitores conservadores.

Nunca me senti totalmente representante por nenhum dos dois lados como uma boa “centrista” diriam alguns, mas por sua vez sinto-me representada numa religião. Tenho anseio por tempos melhores em nossa política nacional, de maneira clara e não opressora que venhamos poder exercer nosso direto de escolha sem um voto por imposição ou até mesmo por constrangimento também, medo imposto pela “anti-imprensa” que distribui Fakenews que só distância e enojam mais os jovens do âmbito político atual.

A juventude está avessa à prática da política Republicana e Democrática, pois os políticos ainda seriam observados como sem legitimidade. Por outro lado, de mãos atadas com medo de uma represália, os jovens que são pertencentes a certas denominações cristãs se calam e consentem, mesmo que direta ou indiretamente seja totalmente contra a forma com que é levada nossa política brasileira. Aonde o Presidente da nação só mereceria respeito se for “aquele que a minha religião elegeu”. Um perigo a se afastar pelo soar das trombetas. De fato, o acesso a verdadeira democracia marcada na carta constitucional de uma maneira totalmente clara nos indicam a importância de nossa pluralidade.

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 016 - A GERINGONÇA DE GUIZOT


 Pintura de Victor Meirelles

A geringonça abrasileirada

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

No Museu Victor Meirelles, em Florianópolis existe uma de suas pinturas muito impressionante que leva o nome A jangada da Medusa. É sem dúvida um estudo da obra-prima inspirada em um naufrágio que comoveu a França no início da Restauração Francesa, que Pierre Rosanvallon apresentou em O momento Guizot.

Foi pintada por Victor Meirelles entre 1857 e 1858 e deriva da tela de 1818 e 1819 de Théodore Géricault, pintor fundamental do romantismo francês.

Em 2 de julho de 1816, a fragata francesa Medusa encalhou e como o número de botes salva-vidas era bem menor que a tripulação (como se daria anos depois com o Titanic), os que não conseguiram ocupar os botes construíram uma grande jangada para se salvar. Após 13 dias de medo e miséria, dos 147 que ocupavam a jangada, apenas 13 sobreviveram, a grande maioria pereceu por descaso e irresponsabilidade.

A aprovação do Projeto de Lei de Conversão Nº 12 na passagem do dia 31 de maio para o 1º de junho, onde foi estabelecida a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, não tem, evidentemente, o drama e a irreversibilidade desse trágico naufrágio.

Muitos democratas não gostaram do resultado porque o considerou distante de certo equilíbrio de forças que teria facilitado o diálogo e o debate visando fortalecer e conformar os princípios pactuados como espinha dorsal da nova administração, de modo a obter uma lei capaz de ser ao mesmo tempo democrática, social, moderna e protetora dos direitos e deveres da república.

Seria um erro, porém, pensar que o resultado daquela aprovação, realizada de forma legítima, coloca o Brasil no quadro de Victor Meirelles, em situação de extremo perigo para a convivência democrática.

Felizmente, o tom tanto do governo da Frente Democrática quanto dos chefes dos partidos do Centrão responsáveis por essa aprovação em suas intervenções após o resultado não teve um caráter apocalíptico e disruptivo quando se referiam ao futuro.

O esforço para continuarmos no esforço para chegar a um acordo razoável sobre a questão governamental e não deve parar por aí e ao projetarmos o que aconteceu devemos vê-lo como uma oportunidade da formulação abrasileirada da "geringonça" que concedeu a Chico Buarque o Prêmio Camões.



Isso requer uma disposição positiva e muito determinada tanto dos envolvidos diretamente que tiveram forte apoio quanto dos que tiveram uma participação indireta, que deve ser expressa na vontade de produzir acordos.

Isso implica a necessidade de os partidos governantes modificarem realisticamente suas aspirações prioritárias na atual correlação de forças. Para isso, o governo deve abandonar sua ambivalência e ambiguidades e jogar a cartada social-democrata e gradual com coragem e, sobretudo com convicção, mesmo quando isso significar fortes tensões com os setores mais obtusos de seus partidários.

A direita tradicional, cujo eleitorado marcou sua posição após a derrota da sua vertigem da tentação radical, embora soe contraintuitivo, deve confirmar uma identidade moderada e não apostar na radicalização, praticando assim uma racionalidade que tira lições do que aconteceram noutras partes do mundo. É claro que o ambiente político negativo que o país viveu acelerou todos os processos em curso.

O desânimo e desconfiança com a política se refletiu como, também, felizmente, afastou os organizadores da antipolítica. É bem verdade também não ter havido tempo para quem, de posições reformistas progressistas, levantasse a necessidade de reformular naquele espaço uma forte vontade de existir em dialogo, sem o qual não tem como dar bons frutos.

Esta última permite uma dupla interpretação, a de quem pensa que é um novo início da centro-esquerda e outra, ainda mais importante, que faz parte do corajoso início de um longo caminho junto com as novas expressões políticas do Centrão para construir esse espaço de reforma que o Brasil tanto precisa.

Naturalmente, em certa esquerda, florescerá o eterno pensamento de que quanto pior as coisas, mais próximo chegará o momento mágico da revolução, o fogo purificador que nos levará a nos submetermos aos seus sonhos, que até hoje, historicamente, sempre terminaram em insuportáveis pesadelos.

Parece que aqueles de nós que passamos anos dizendo, contra todas as probabilidades, que o prudente avanço com o qual construímos a democracia depois da ditadura, com todos os seus limites, não só era a trajetória acertada e é o melhor caminho a seguir. Os rumos em busca ao desejo da perfeição democrática, embora nunca perfeita, dá-se por passos mais sólidos que longos.

Como esse caminho foi perdido 4 anos atrás, há poucas notícias boas e muitas notícias ruins. No final, depois de empurrar tanto o país para a direita, acabou por aparecer uma extrema direita obscura de semblante internacional. Entretanto, isso criou um descontentamento generalizado com os rumos do país, com uma sinalização Duas-Caras, onde ao lado dos que supostamente constroem operam os que destroem que abarrotam o seu próprio governo de reivindicações insatisfatórias e caminhos de desenvolvimento marcados por uma confusa doutrina de quem abunda em emoções e slogans e falta de pensamento.

A mudança de rumo de 2023 não significa abrir mão do horizonte de uma sociedade mais justa, significa fazê-lo com base em amplos acordos. Mas acima de tudo, tendo como prioridade as necessidades da geringonça abrasileirada advinda da Frente Democrática.

Em primeiro lugar, recuperar o que perdemos a segurança dos cidadãos, a paz social, uma convivência ordeira, diga-se de passagem, democrática e baseada em direitos e deveres. Todo o esforço deve ser dedicado a isso, não pode haver Democracia se não houver Estado, se não houver regras e se não for aplicada a força quando for necessário para fazê-las cumprir, no norte, centro e sul do país.

Educação e saúde de qualidade e provisão, trabalho e pensões dignas. A democracia para viver e se desenvolver exige convicção em seus princípios, mas também resultados concretos e estes precisam estar funcionando. Não há outra maneira de reconstruir a confiança. Chega de dar espaços prioritários a besteiras que só respondem a devaneios tribais. Ou nossa democracia é capaz de ser justa e eficiente ou corre o risco de se desgastar, esvaziar-se e definhar.

 

4 de junho de 2023


[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.




domingo, 21 de maio de 2023

A DOCE POLÍTICA DO CINEMA - NÚMERO 18 - O CPC EM BARACK OBAMA


 A Inteligência Artificial vai chegar, Seu Edgar[1]

Por Rayssa Thimoteo Teles[2]

 

Ao se tratar de Trabalhar, até onde podemos refletir e impulsionar nossos atos perante as necessidades cotidianas?  Como cidadãos, é notável e imprescindível que em algum momento de nossas vidas estaremos inseridos no Mundo do Trabalho, seja por Dinheiro, Vocação, Distração, ou simplesmente conseguir atingir objetivos e superar obstáculos, como resultado da aquisição de novos conhecimentos e de interações sociais. Na série, Barack Obama retorna às telas em uma série documental produzida pela Netflix, o ex-presidente americano se apresenta como um explorador do mundo do trabalho nos Estados Unidos a partir do livro Working de Studs Terkel.



Studs Terkel foi um incentivador da cantora gospel Mahalia Jackson que cantou "Take my hand, Precious Lord" no funeral de Martin Luther King Jr


“Nesta série, falo com trabalhadores americanos de diversas indústrias, desde hotelaria e tecnologia até atendimento domiciliar, para compreender seus trabalhos e esperanças para o futuro”, explicou Obama no Twitter. Atualmente, vivemos em uma época de fugacidade, onde muitas das vezes nos desconectamos das coisas que realmente importa como família, amigos, lazer, dentre outras coisas primordiais. Independente da classe social, é indubitável que todos os indivíduos que se mantem no mercado de trabalho, contribuem para a movimentação econômica do país, todavia, devemos acima de nossas obrigações, pautar como está nossa saúde mental e física.

Diversas profissões são responsáveis por transformar a sociedade como um todo, e dentro desse viés, devemos impor respeito a todos que se sobrecarregam dias e noites em busca além das realizações pessoais, a sede incansável da transformação social em que vive. Eis o ensinamento do primeiro episódio da série chamado “Prestação de Serviços”. A empatia faz parte e falta dentro desse universo competitivo e hierárquico que é o Trabalho, porém, muitas pessoas ainda acreditam que é falsa a esperança que o trabalho possa ter algum sentido maior, ou até mesmo trazer felicidade. Elas acreditam que não haverá maiores ganhos financeiros, e que as oportunidades de crescimento raramente vão surgir. Dessa forma, passam o tempo todo desmotivadas no trabalho, esperando que algo aconteça para que elas comecem a melhorar.


Barack Obama no quarto episódio da série questiona aos chefes sobre as oportunidades no trabalho nos dias atuais

O que precisa ficar claro a todos os trabalhadores, seja qual for a atividade que executam, é que o sentido ao trabalho quem dá é você mesmo. Cada um atribui um significado para aquilo que faz, e esse significado vai determinar o quanto de dedicação você vai colocar para executar as atividades. Se o significado do trabalho for grandioso, você se comprometerá verdadeiramente com sua profissão.

Pesquisas já informam que, em algumas atividades, o brasileiro trabalha até 48 horas por semana, ou seja, além do acarbouço constitucional de 1988 e em situação precarizada. Então, se não encontrarmos um sentido valioso para o trabalho, passaremos pelo menos 1/3 da vida desanimados, desmotivados e sem esperanças. Dar sentido ao trabalho não significa ser obcecado por ele, ou seja, ser um workaholic (viciado em trabalho), que só dá atenção ao trabalho e esquece as outras áreas que compõem a vida. Quando você tem grandes motivos em sua vida, ou seja, metas pessoais, sonhos e realizações para alcançar, o trabalho pode ser um meio de conquistar o que deseja. 

Dessa forma, o trabalho terá um sentido muito mais amplo. Um trabalho sem grandes significados faz com que a rotina distancie você de seus sonhos. Então, procure visualizar seu trabalho como uma missão, como uma forma de ajudar os outros, de servir a outras pessoas, de ser útil e importante naquilo que você faz. Quando damos sentido ao nosso trabalho não existe preguiça ao acordar cedo e não há resistência para nos dedicarmos um pouco mais às nossas atividades, ao final do dia. Um trabalho com sentido forte faz com que aquilo que foi iniciado seja concluído. Pessoas que enxergam um sentido no trabalho, o fazem com entusiasmo, dedicam-se a fazer o melhor em cada momento.


[1] Esse título foi sugerido pela Equipe de VOTO POSITIVO inspirado no texto A Mais-Valia vai acabar, seu Edgar de Oduvaldo Vianna Filho que buscava unir teatralidade e didatismo.

[2] Graduanda em Agronomia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) estreia em VOTO POSITIVO com 17 anos.

sábado, 20 de maio de 2023

SÉRIE ESTUDOS - GILBERTO FREYRE E OS CAMINHOS DA CIVILIZAÇÃO ( I )

90 Anos de Casa-Grande & Senzala

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em 1981 Italo Calvino no ensaio Por que ler os clássicos que acabou por dar título a um dos seus livros dirá: É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

A história de como um clássico como Euclides da Cunha se transfigurou em Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre merece esse ponto de partida das comemorações de seus 90 anos, na sequência das comemorações dos nossos 200 anos.

Como seria doravante um personagem chave de quem Gilberto voltaria a ele em Perfil de Euclides e outros perfis (José Olympio, 1945), para se tornar o grande brasileiro debelador da civilização brasileira.

A civilização brasileira também sofreu uma alquimia em Gilberto e no Casa-Grande & Senzala desde a sua primeira aparição em 1933, meses após da também estreia de Caio Prado Jr. com o seu Evolução política do Brasil. Ensaio de interpretação materialista da história brasileira. A civilização brasileira que vive em seus grandes livros, além de Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos (1936), Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem (1937), Ordem e Progresso (1959) e Além do apenas moderno (1973) entre tantas outras, é uma grande saga aberta.

É o mundo que também se resume e não só no aforismo de Casa-Grande & Senzala: os antagonismos em equilíbrio, a marca da nossa cultura política.

A civilização brasileira de Gilberto Freyre consagrada ao longo dos anos, por outro lado, faz parte da grandeza histórica do Brasil, aquele país que tateia seu caminho saltando de tempos em tempos: da Independência à República.

A alquimia da civilização brasileira em Gilberto não é menos grandiosa.

Em Casa-Grande & Senzala, a escravidão é o animal imprevisível e violento que faz Gilberto pensar em nossa trajetória e de como fizemos para que pudéssemos fazer valer o nosso compromisso civilizacional de erradicá-la.


Esse compromisso que esteve presente desde o nosso nascimento será de seus balizadores como Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha entre tantos outros que trabalharam pela Abolição. Para aqueles que abraçaram esse movimento por algumas vezes avistaram a morte pela bala passar por seus olhos. Não foi uma luta de apenas flores e votos como mostrou Angela Alonso e outros estudos daquele momento em nossa história.

Claro está que quando Gilberto foi para a Constituinte de 1946 e a Legislatura que nasceu da redemocratização no pós-Segunda Grande Guerra, fez ele um mandato político de responsabilidade, regido pelos valores da eficiência e de resultados, mas também foi também um mandato político de convicção, capaz de soerguer uma fundação que carrega um dos nomes de suas balizas éticas e morais, um quase político no seu dizer que escolheu a cultura como espaço para exercer os seus poderes, e que só cresceu nessa área, ligando culturalmente a sua cidade ao país e ao mundo, talvez como nenhum dos seus outros filhos.

Por isso em nossa civilização, dadas as condições herdadas da origem – uma  colônia de exploração portuguesa que logo recorreu ao trabalho escravo –, os “caminhos para a civilização”, não nos foi natural e necessitaram da ação pedagógica que nos trouxesse da barbárie às luzes do ideário do liberalismo político do legislador da hoje bicentenária constituinte de 1823, na luminosa análise de Euclides da Cunha em ensaio famoso Da Independência à República, do livro À margem da história que se encontra na bibliografia de Casa-Grande & Senzala.

Desta forma, o perfil de Euclides para Casa-Grande & Senzala é o símbolo da nossa busca permanente da grandeza civilizatória.

Como se vê, a história de 90 anos desse clássico indica a necessária volta a esta fascinante alquimia, que o faremos com o passar do ano.

 

Rio, 15 de maio de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 015 - NEM SÓ DE VOTOS VIVE A DEMOCRACIA


 

A Frente Democrática tem que continuar

Em memória de Rita Lee

Por Vagner Gomes de Souza

 

Há uma hipótese otimista que nossa preferência musical pelo samba em comparação com as movimentações do Tango nos afastou de muitas soluções finais na prática da política. O sambar no pé espanta a tristeza ou se é doente da cabeça ou doente do pé escreveu a sabedoria nacional popular. Assim o repertório do Show “Samba de Maria” em turnê feita pela cantora Maria Rita nos faz melhor refletir sobre os descaminhos dessa transição democrática de novo tipo ao qual se impôs na política brasileira. Em memória a Aldir Blanc e Elis Regina, a força de O Bêbado e a Equilibrista nos ensina que a política da Frente Democrática precisa continuar e até aprofundar.

Os valores da República e da Democracia foram atingidos em um mandato presidencial através da mobilização da sociedade brasileira pelas redes sociais, o que construiu uma hegemonia antissistema que acompanha uma onda política internacional. Olhai para os resultados políticos na Europa ou olhai para os políticos que emergem na América do Norte. Considerem os ventos de quaresma na América Central ou se previnam com as armadilhas que nos rondam na América do Sul. Vivemos tempos assustadores diante da autocracia feita pelas multidões de eleitores que votam em desqualificar e colocar sob ameaça a Democracia.

O uso de metodologias de avaliação da dinâmica do Congresso Nacional estariam defasadas ao se comparar com duas décadas atrás. Não temos mais os atores partidários em exercício pleno na política. O individualismo da sociedade nos faz perceber “Blocos” políticos que articulam interesses individuais de parlamentares. O “afunilamento” da cláusula de desempenho dos Partidos Políticos na redução das legendas tem reforçado os mandatos individuais de parlamentares encastelados no mundo digital.

 Não há debate programático diante de um mosaico em busca da lacração e dos “likes”. Não há uma educação da política democrática e muito mais se aprofunda esses problemas diante da baixa qualidade educacional da sociedade e de muita militância. A formação política é feita como se fosse um “reality show” de seguidos “paredões” eliminatórios de adversários, portanto sempre se tem a impressão de estar num ambiente polarizado. Todavia se alimenta uma dinâmica de “jogo político” aonde os analistas de conjuntura seriam aves raras a cair ao meio do grande “Coliseu da Política”.

Perdemos politicamente na vitória eleitoral apertada no segundo turno de 2022, porém não nos parece que se extraíram as consequências políticas dessa lição. E parece que ou se está em 2003 ou, pior, num 1968 de inovadores maoístas em busca de uma reeducação política da militância. Não falemos de conjuntura, mas alimentemos as narrativas e lugares de fala cercados por uma grande onda de forças políticas retrógradas. Aplaudir dentro de uma “bolha” que possa eleger parlamentares individualizados. Pois o importante não é formar militantes nos partidos de esquerda, mas engajar meus seguidores nas redes sociais. Ainda dizem que seriam de uma Esquerda essa postura fragmentada e muito apropriada para as feiras medievais. São os “Burgos” em forma de “coletivos” e a juventude se diz militante, mas com um olhar para o retrovisor.

Então, não se pode permitir que as diversidades dos atores políticos do Centro sejam cobradas como se fosse uma “máquina registradora” do supermercado da política. A refundação política do Centro político não se faz em uma sequência de dias ou através de Ministérios em busca de votos no Parlamento, mas por uma política de debate programático atuante nesse momento na proposta de PLDO e nos debates do PPA. Esse é o momento de outra vez compreender que nosso liberalismo político sempre esteve no seu lugar. Contudo, ainda nos sentimos num andar por um deserto a procura da Terra Prometida.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 014 - A CONJUNTURA NO PAÍS DOS BANGUELAS


George, a dentadura e o SUS.

 

Marcio Junior[1]

Para minha musa Lavínia, que logo será uma dentista exemplar.

 

No livro Os dentes falsos de George Washington (Companhia das Letras, 2005), o historiador e ex-diretor da Biblioteca de Harvard Robert Darnton conta que, ao visitar a propriedade de George Washington em Mount Vernon, se deparou com as dentaduras de madeira utilizadas pelo primeiro Presidente dos EUA. As decisões tomadas por essa figura importante da história norte-americana e mundial, seus momentos de maior responsabilidade, eram transpassadas pelo impacto da peça de madeira dura contra as gengivas ao mastigar. Além da dor que, convenhamos, era costumeira. O mesmo historiador salienta que, ao ler um volume relativamente grande de cartas que datam do século XVIII, era comum encontrar reclames de dor de dente que, à época, só era sanada pela breve tortura que era a extração. A dor de dente transpassava as gerações e marcava o modo de vida e os costumes.

Com a publicação da Lei 14.572, de maio de 2023 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14572.htm), e a tardia incorporação de diretrizes para uma Política Nacional de Saúde Bucal à Lei Orgânica da Saúde, advinda do Projeto de Lei de autoria do Senador Humberto Costa, aquilo que foi iniciado como o Programa Brasil Sorridente (na gestão do próprio Humberto no Ministério da Saúde do primeiro governo de Lula) se transformou em uma alteração do arcabouço legal do SUS, que agora tem a saúde bucal nas suas linhas. A principal consequência disso é a exposição dos desafios para o atendimento à população em grande número. Ainda tínhamos, por exemplo, pouco material quantitativo para a compreensão, inclusive epidemiológica, das patologias que os brasileiros e brasileiras apresentam na boca e a relação destas com outras, já que a boca é inseparável do resto do corpo. Teremos mais? Sem eles não é possível desenhar políticas públicas, mas é visível um esforço empreendido no Ministério da Saúde conduzido pela socióloga e ex-presidente da Fiocruz Nísia Trindade, com discussões em formato de Webnários no canal do DATASUS (https://youtube.com/@DATASUSAOVIVO).


Porém, vejamos com lupa o desafio: Gilberto Freyre bem percebeu, ao seu modo e em seu tempo, que em todo médico há um pouco de sociólogo. Como não haver? Condição econômica, trabalho, residência, etc., são matérias de sociologia, e as diversas patologias, inclusive orais, não são passíveis de diagnóstico preciso e intervenção bem-sucedida sem compreender o paciente como um indivíduo que é dotado de um corpo biológico, mas também é partícipe em um grupo social que, em uma leitura durkheimiana, pode estar em funcionamento anormal. Nesse sentido, é razoável tanto pensar em uma sociologia da medicina orofacial e suas especificidades, algo completamente diferente (porém dialógico) da odontologia social, quanto pensar que a ausência de orientação sociológica na base da formação odontológica deixa uma lacuna que, já no seu tempo, Gilberto percebeu não só quanto aos que se ocupam das ciências médicas, mas aos profissionais liberais que tendem a centralizar seu ofício nos indivíduos e só, hoje dito potenciais clientes. Lições de antropologia social seriam, decerto, mais úteis para a compreensão da realidade que se apresenta do que o dito empreendedorismo que está em muitos desenhos curriculares dos cursos de graduação.

Nesse sentido, estarão os profissionais aptos a pensar com competência na saúde bucal como uma questão de saúde pública? Por exemplo: políticas relacionadas à odontopediatria são estratégicas como prevenção à tratamentos de maior custo ao longo da vida. Um acompanhamento bem-feito das crianças acarreta, ao longo do seu crescimento, em ausência de patologias bucais que teriam custo mais elevado. Dito isso: como fica a educação básica? Temos condições de fazer dela espaço de disseminação a partir de políticas de saúde bucal para as crianças nas escolas? E os pais? Eles foram algum dia também educado para cuidar bem da boca? Não deveriam também participar? Sendo ainda mais radical: ainda temos educação básica ou, com ou sem saúde bucal, estamos em apuros? O ponto fundamental é que, depois de resolver esse problema maior obviedade que era a ausência da saúde bucal no arcabouço legal do SUS, a partir de agora que o trabalho se inicia de fato, e há muito o que fazer. 

Quando George Washington usava sua dentadura de madeira para mastigar a comida e ajudou a fundar os EUA, o Brasil ainda não existia; ele não viu o nosso nascimento, pois morreu anos antes. Porém, apesar da nossa idade menor do que a do país que ele foi Pai Fundador, fizemos mais do que eles em termos de assistência à saúde, em todos os níveis de atenção. Podemos fazer muito mais, mas para que tal tarefa seja bem-sucedida havemos de formar gente para dar conta e ter orgulho dela. Somos o país com mais dentistas no planeta, então potencial temos. Tudo que os brasileiros e brasileiras querem é poder sorver, sem dor, com saúde e dignidade, o arroz e feijão que ainda não sabemos se um grande número da população terá no futuro próximo, quiçá no mais distante. Se para muitos ainda mal há recursos para comida, haverá recursos para pagar um consultório ou clínica privada?



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.