Uma década de saudade de Eric Hobsbawm
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Eric Hobsbawm (1917-2012) morreu em 1º de outubro
aos 95 anos, foi o mais proeminente historiador do século XX e um defensor da
justiça social por toda a vida. Já o conhecia de leitura de longa data, mas
pessoalmente só por ocasião de seu tour
de lançamento no Brasil de Era dos
Extremos em 1995.
Nascido em Alexandria, Egito, filho de pai
britânico e mãe austríaca, foi educado em Viena e Berlim. Seus responsáveis o
levaram para Londres em 1933 quando Hitler chegou ao poder e ele viveu o resto
de sua vida na Inglaterra, onde lecionou por muitos anos no Birkbeck College de
Londres.
Quando adolescente, Hobsbawm não apenas testemunhou
a ascensão do nazismo, mas esteve presente em 1936 na massiva manifestação
popular em Paris que celebrou a vitória eleitoral da Frente Popular. Os
acontecimentos daquele período turbulento o levaram a se filiar ao movimento e
partido comunista e permaneceu filiado até seu desaparecimento na década de 1990,
principalmente, escreveu ele, por respeito à memória de companheiros que
sofreram perseguição ou morte por suas crenças políticas.
Os escritos históricos de Hobsbawm trouxeram uma
análise sofisticada que via o conflito de classes como uma força motriz da
mudança histórica, mas rejeitava as estruturas teleológicas. Como o próprio
Marx, Hobsbawm via o capitalismo como um sistema social global, que precisava
ser analisado em seu conjunto, e rejeitava noções de inevitabilidade histórica.
Ele insistia que as pessoas deveriam se esforçar para vislumbrar uma ordem
social mais humana, mas que a história não tinha uma trajetória predeterminada.
Seus escritos sobre a história do trabalho britânico ajudaram a lançar a “nova
história social” que dominou os estudos históricos na Grã-Bretanha e nos
Estados Unidos da América nas décadas de 1970 e 1980. No entanto, ele sempre
pontuou que os estudos sobre a ação de pessoas comuns, tão importantes para
expandir o elenco de personagens históricos, devem ser colocados no contexto
mais amplo de como as relações sociais e o poder político é exercido.
Os livros de Hobsbawm cobrem uma incrível variedade
de assuntos. Ele ganhou destaque na década de 1950 com sua contribuição para o
que era então um debate animado sobre a “crise geral” da Inglaterra do século
XVII. Juntamente com E. P. Thompson (1924-1993), os escritos de Hobsbawm
ajudaram a inspirar a expansão da história do trabalho, dos estudos dos
sindicatos ao exame da vida dos trabalhadores, e desencadearam um interesse em
banditismo, anarquismo rural e outras formas do que ele chamou de protesto
“pré-político”.
Hobsbawm ficou mais conhecido por sua magistral
série das Eras, que juntas contam a história mundial desde o início das Revoluções
do século XVIII até o fim do século XX. Muito antes da atual moda de
“internacionalizar” o estudo da história, Hobsbawm insistia que o capitalismo é
um sistema global, que deve ser estudado em um contexto global. Os livros se
basearam em eventos em todas as regiões do mundo e em fontes e estudos em
vários idiomas. Hobsbawm sentia-se à vontade para discutir assuntos tão
distantes da Grã-Bretanha quanto os eventos que deram fim a colonização na
Ibero-América, a Restauração Meiji no Japão e a ascensão ao poder global dos
Estados Unidos da América, mas foi capaz de mesclar detalhes locais em um
relato coerente da política global, mudanças econômicas e sociais. Os relatos
também abordam arte, cultura, ciência, tecnologia e outras questões da
criatividade e experiência planetária. Esses livros seguem sendo o ponto de
partida para quem busca uma história abrangente do mundo moderno.
Um polímata, Hobsbawm também foi um notável crítico
de jazz, por muitos anos escrevendo críticas musicais sob o nome de Francis
Newton. Ele era um ensaísta talentoso sobre assuntos atuais, cujos escritos
tinham um amplo público entre os interessados em política. Em qualquer gênero,
suas obras eram lúcidas e poderosas, e sempre carregavam uma inflexão ética.
Pessoalmente, o conheci e troquei breves palavras
naquela noite de 16 de agosto de 1995 na palestra que fez no auditório de O
Globo, no Rio de Janeiro. Hobsbawm era uma pessoa gregária, de mente aberta e
generosa, cujo grande círculo de amigos abrangia todo o espectro político e
social. Sua vida e seus escritos servirão por muito tempo de inspiração para
aqueles que acreditam que o conhecimento da história é essencial para entender
o mundo atual e para a luta por criar um mundo melhor.
19 de agosto de 2022