sábado, 6 de agosto de 2022

SÉRIE ESTUDOS - SOBRE O LIVRO "MISSÃO ECONOMIA"


Missão Civilizatória

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

Mazzucato, Mariana. Missão economia: um guia inovador para mudar o capitalismo. São Paulo: Portfolio Penguin, 2022. 240 págs.

Estamos diante de uma nova tradução de um livro de Mariana Mazzucato, que destaca a popularidade com que esta autora está alcançando nos meios acadêmicos e políticos. Missão economia: um guia inovador para mudar o capitalismo é um salto qualitativo na carreira da autora: apresenta uma extensão maior, tem grande profundidade na análise e ambiciona desenhar uma proposta alternativa de política econômica. Essa característica o diferencia dos dois livros que foram publicados no Brasil anteriormente: O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado (Portfolio Penguin, 2014) e O valor de tudo: produção e apropriação na economia global (Portfolio Penguin, 2020).

O livro defende a ideia de que, para superar a crise atual, que começou com algumas distorções anteriores a crise sanitária e que se aprofundaram nela, é preciso ativar o papel do Estado na economia. Essa ideia não é levantada de forma geral, mas está comprometida com o desenvolvimento do Estado com uma política ativa e direta na economia. No entanto, sua proposta é significativamente diferente, daquelas que se basearam em intervenções políticas setoriais seletivas, além de utilizar frequentemente as empresas públicas como referência essencial. Mazzucato articula políticas seletivas articuladas por meio de missões. Estes podem estar associados a enfrentar diversos desafios sociais, como, por exemplo, alcançar a seguridade sanitária, problema que surgiu como resultado da crise do Covid-19 e das crises ambientais, áreas cada vez mais urgentes e que necessitam de políticas eficazes. Uma característica essencial dessas missões é que, ao concebê-las, requer uma perspectiva de longo prazo. Esta circunstância coloca e manifesta o papel dinâmico do Estado, mobilizando-se para esses objetivos, o que apresentam um segundo plano de problemas, e que podem não ser percebidos como importantes no momento, mas que se tornarão muito mais sérios no futuro.

Em suma, as ideias apontadas no livro supõem uma crítica da teoria e da política econômica dominante nos últimos 30-40 anos. Além disso, segundo ela, como destacou Keynes (1883-1946) em sua época, é preciso considerar que o desenvolvimento e implementação de sua proposta enfrentam a inércia intelectual herdada. Também destaca uma ideia falaciosa, muito difundida, herdada da escola econômica clássica e repetida pelas visões (neo)liberais, a saber, que o setor público não gera valor, sendo o criador de riqueza por excelência o setor privado. Nesse aspecto dedica especial atenção a criticar a abordagem de falhas de mercado, que se espalharam muito fortemente a partir dos anos 1970 do século passado. Neste âmbito, a autora aponta que essa interpretação da ação estatal tem a vantagem de ser muito clara didaticamente, mas, por outro lado, é incompleta e sofre de um viés ideológico muito forte. Em particular, pressupõe que o Estado intervém quando o mercado não pode agir. Essa perspectiva começa da hipótese de que os mercados existem e que, além disso, é criado espontaneamente, o que é, no mínimo, bastante discutível.

No livro, há também uma crítica ao fascínio da camisa de força ideológica, como diz André Lara Resende, de que o setor privado funciona, por definição, melhor do que o público. Esse fascínio resultou, por um lado, de terceirizar atividades públicas ou privatizar propriedades, pois o Estado não cria valor e funciona mal. Por outro lado, isso também decorre do pressuposto de que o Estado deve funcionar (copiar ou imitar), o setor privado.

Além do interesse acadêmico desse livro, há sua aspiração de influenciar a política econômica real. As crises de 2008 e da Covid-19 deveriam ter encerrado o período em que se via equivocamente necessário um modelo de crescimento baseado na financeirização. A aposta de Mazzucato está orientada para a constituição de novas políticas económicas estruturas que contribuem ativamente para mudar o modelo de produção. Deste ponto de vista, a linha de trabalho de Mazzucato merece ser lida e pensada, pois abre uma discussão em campo paralelo a outras que já haviam começado como aquelas voltadas para novas formas de gestão dos ciclos econômicos (e o uso de políticas monetárias não convencionais) e/ou aquelas relacionadas com uma redefinição das relações do Estado com o bem-estar (discussões sobre desigualdade).

 

30 & 31 de julho de 2022


[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

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