Missão Civilizatória
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Estamos diante de uma nova tradução de um livro de
Mariana Mazzucato, que destaca a popularidade com que esta autora está
alcançando nos meios acadêmicos e políticos. Missão economia: um guia inovador para mudar o capitalismo é um
salto qualitativo na carreira da autora: apresenta uma extensão maior, tem grande
profundidade na análise e ambiciona desenhar uma proposta alternativa de política
econômica. Essa característica o diferencia dos dois livros que foram
publicados no Brasil anteriormente: O estado
empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado (Portfolio
Penguin, 2014) e O valor de tudo: produção
e apropriação na economia global (Portfolio Penguin, 2020).
O livro defende a ideia de que, para superar a
crise atual, que começou com algumas distorções anteriores a crise sanitária e
que se aprofundaram nela, é preciso ativar o papel do Estado na economia. Essa
ideia não é levantada de forma geral, mas está comprometida com o
desenvolvimento do Estado com uma política ativa e direta na economia. No
entanto, sua proposta é significativamente diferente, daquelas que se basearam
em intervenções políticas setoriais seletivas, além de utilizar frequentemente
as empresas públicas como referência essencial. Mazzucato articula políticas
seletivas articuladas por meio de missões. Estes podem estar associados a enfrentar
diversos desafios sociais, como, por exemplo, alcançar a seguridade sanitária,
problema que surgiu como resultado da crise do Covid-19 e das crises ambientais,
áreas cada vez mais urgentes e que necessitam de políticas eficazes. Uma característica
essencial dessas missões é que, ao concebê-las, requer uma perspectiva de longo
prazo. Esta circunstância coloca e manifesta o papel dinâmico do Estado,
mobilizando-se para esses objetivos, o que apresentam um segundo plano de problemas,
e que podem não ser percebidos como importantes no momento, mas que se tornarão
muito mais sérios no futuro.
Em suma, as ideias apontadas no livro supõem uma
crítica da teoria e da política econômica dominante nos últimos 30-40 anos.
Além disso, segundo ela, como destacou Keynes (1883-1946) em sua época, é
preciso considerar que o desenvolvimento e implementação de sua proposta enfrentam
a inércia intelectual herdada. Também destaca uma ideia falaciosa, muito
difundida, herdada da escola econômica clássica e repetida pelas visões (neo)liberais,
a saber, que o setor público não gera valor, sendo o criador de riqueza por
excelência o setor privado. Nesse aspecto dedica especial atenção a criticar a
abordagem de falhas de mercado, que se espalharam muito fortemente a partir dos
anos 1970 do século passado. Neste âmbito, a autora aponta que essa
interpretação da ação estatal tem a vantagem de ser muito clara didaticamente,
mas, por outro lado, é incompleta e sofre de um viés ideológico muito forte. Em
particular, pressupõe que o Estado intervém quando o mercado não pode agir.
Essa perspectiva começa da hipótese de que os mercados existem e que, além
disso, é criado espontaneamente, o que é, no mínimo, bastante discutível.
No livro, há também uma crítica ao fascínio da
camisa de força ideológica, como diz André Lara Resende, de que o setor privado
funciona, por definição, melhor do que o público. Esse fascínio resultou, por
um lado, de terceirizar atividades públicas ou privatizar propriedades, pois o
Estado não cria valor e funciona mal. Por outro lado, isso também decorre do
pressuposto de que o Estado deve funcionar (copiar ou imitar), o setor privado.
Além do interesse acadêmico desse livro, há sua
aspiração de influenciar a política econômica real. As crises de 2008 e da
Covid-19 deveriam ter encerrado o período em que se via equivocamente necessário
um modelo de crescimento baseado na financeirização. A aposta de Mazzucato está
orientada para a constituição de novas políticas económicas estruturas que
contribuem ativamente para mudar o modelo de produção. Deste ponto de vista, a
linha de trabalho de Mazzucato merece ser lida e pensada, pois abre uma
discussão em campo paralelo a outras que já haviam começado como aquelas
voltadas para novas formas de gestão dos ciclos econômicos (e o uso de políticas
monetárias não convencionais) e/ou aquelas relacionadas com uma redefinição das
relações do Estado com o bem-estar (discussões sobre desigualdade).
30 & 31 de julho de 2022
[1] Professor do Instituto
Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
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