sábado, 18 de setembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 5 - HARRY POTTER E O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA


 

                                                  Lord Voldemort e nós

Por Marcio Junior

 

Fenômeno curioso, a literatura costuma ser marcante, por muitas vezes, para o leitor durante toda a sua vida. Alguns personagens são fonte de admiração e sentimento afetivo por muitos no mundo, principalmente se produções vendidas em larga escala, tendo sido conhecidos por leituras feitas em diversas línguas. Por vezes, alegorias e metáforas trabalhadas por autores fazem parte do arcabouço formativo de parte significativa de uma geração, inclusive com adaptações para o cinema.

Vejamos um exemplo: a jornada do vilão Lord Voldemort, construída por J. K. Rownling em Harry Potter e disseminada em boa parte do mundo, inclusive no Brasil. Ao saber que um menino poria em risco a sua busca pela imortalidade, resolve matá-lo, e, ao fazer a tentativa após assassinar seus pais, não tem sucesso e é reduzido à apenas uma parte ínfima de criatura humana e mágica que é. Mais do que isso, termina preso em laço profundo ao menino, que virá a ser o herói em sua jornada (laço este vai sendo descoberto pelo leitor ao longo da saga), sendo formado continuamente para enfrentar o desafio de enfrentá-lo quando estiver pronto, o que põe em evidência a figura do professor. Os próximos anos de “vida” do vilão, assim, são marcados por descobrir e tentar recuperar seus atributos físicos, inclusive o próprio corpo, para dar continuidade na expansão de seu domínio de tudo e todos, enquanto muitos acreditavam erradamente, inclusive, que seu destino fora a morte, libertando o mundo da ameaça maligna. Seu nome, inclusive, não é dito em voz alta.

            O fato é que mesmo a literatura de gênero fantasia, se de qualidade, tem os pés fincados no chão do mundo real, e não há a mágica que encanta a vida sem nosso esforço, sobretudo quanto a resolução dos nossos problemas. Para além dos problemas de longa data, como a imensa desigualdade que podemos ver a olho nu, estamos em apuros e não chegamos à toa neste estado de coisas, resultado de nossos próprios erros.

Tivemos formação social peculiar, fruto de um processo de colonização complexo e estudado em alto nível por intelectuais do Pensamento Social Brasileiro. Não é de pouca diferença, sobretudo quanto aos países vizinhos a nós, nossa face moderna, fruto da proximidade antropológica entre escravas e patrões, por muitas vezes violentas, mas que forneceu equilíbrio aos antagonismos daqueles que vieram de vários territórios do planeta e habitavam os espaços da colônia, a casa-grande, a senzala, a capela, o engenho, o canavial. Demos ao mundo um novo tipo social, o brasileiro: criatura mestiça, indefinida, plástica, emotiva, de guerra e de paz. Um povo.

Sendo assim, dada a pouca idade do país (faremos 200 anos em 2022), refletirmos sobre o futuro é pertinente, porém complexo. A título de exemplo, Sérgio Buarque de Holanda se dedicou, em Raízes do Brasil (1936) a dissertar sobre, entre outras coisas, as perspectivas para o país no capítulo Nossa Revolução, último do livro.

A despeito deste e de outros estudos, desviamos, porém, a rota. O século XX, por exemplo, foi momento de importantes marcações quanto a evolução política do país, como a Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista Brasileiro, ambos em 1922, fenômenos de animação da sociedade no sentido de reivindicar para ela o papel de protagonista no enfrentamento de nossos problemas. Com a Revolução de 30, o Estado elencou para si esta responsabilidade, sendo bem sucedido principalmente na formação do mercado de trabalho do país, fenômeno paradoxal da nossa história.

Já sob a Constituição de 1988, principalmente nos governos do Partido dos Trabalhadores, fez-se leitura próxima: o PT, fruto de animações sociais iniciadas nos parques industriais do ABC durante o regime militar e crítico do fenômeno do Estado enquanto protagonista da vida, cedeu à esta lógica, instrumentalizando os movimentos sociais e os fazendo perder a luz própria, sujeitando-os à política de Estado. Sendo assim, estava aberta a via para as afirmações de interesses, inclusive patrimoniais, e as movimentações da sociedade foram impregnadas pela lógica mercantil em seus modos de operação.

            Assim, a sociedade brasileira cedeu molecularmente à cultura do indivíduo, resultado de experiências outras, na qual a vida social seria determinada pela construção e afirmação da própria identidade. Esse exercício, puramente individual, seria a via de superação das mazelas do passado, sobretudo as desigualdades e diferenças de cor e outras. A partir desta formatação e com a cultura identitária se tornando hegemônica, constituiu-se na sociedade um tribunal da história, a pretexto de, como que em exercício de laboratório, separar o que é “bom” e o que é “mau” e, sob este pretexto, excluindo das salas de aulas das academias grande parte do conhecimento produzido do Pensamento Social.

            Nesse sentido, na conjuntura da condução de Bolsonaro à Presidência da República, a atuação de Paulo Guedes como Ministro da Economia se justifica e se põe como sintomática de um problema maior. Não há direita ou esquerda em Guedes, assim como, na prática, não há nos coletivos que se multiplicam principalmente nas favelas cariocas, havendo somente o indivíduo a se afirmar, principalmente no mercado. Feita a constatação, as dificuldades que estamos enfrentando se mostram mais complexas, de maior duração. Mesmo com a derrota de Bolsonaro no pleito de 2022, muitas dificuldades conjunturais permanecerão, sobretudo educacionais e de formação das crianças e jovens.

Sendo assim, retornamos ao exercício de J. K. Rownling, que pode nos servir de lição: não é porque o mal possivelmente sairá de cena que ele estará morto. Ele pode estar vivo e invisível aos olhos, mas, mesmo combalido, agirá nas sombras, esperando a hora de retornar. A saída, como construiu a autora, deverá ser professoral.

           

sábado, 11 de setembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 4 - VIVA O SUS E O POVO BRASILEIRO!


 Mesa de Abertura da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986)


Viva o SUS, Viva o Povo Brasileiro!

 

Tiago Martins Simões[1]

 

Há algumas interpretações de que, no Brasil, a modernização foi (e é) um processo lento e molecular, sem rupturas no formato de revoluções europeias do século XVIII. Trata-se de correntes que buscam compreender o que há de singular em nossa história e interpretá-la a partir de chaves de longa duração. A história do Sistema Único de Saúde, em sua maior parte, infelizmente pendeu para o lado oposto, como se o mesmo houvesse saído da Constituinte como uma faísca, ainda que nela resida parte importante de sua construção. De outra parte, deixou mal caracterizada sua conformação política nos anos que antecederam esse nascimento, em especial a partir do final da década de 1970.

Recentemente, uma feliz iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira, no contexto preparatório dos 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mobilizou personagens importantes de uma geração que participou do movimento sanitarista na construção do SUS, através de uma videoconferência intitulada “O PCB, o movimento sanitarista e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)” que está disponível ao público, no seu canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=sZSxDDPzGUI). Escutar a história viva, a partir de personagens reais, é um exercício importante para minha geração (nascida na década de 1980) e para as gerações seguintes. De igual importância é a aprendizagem sobre nossa história, despida, na medida do possível, de preconceitos e assuntos mal compreendidos.

Dentre estes, destaca-se a generalizada confusão que o senso comum faz do comunismo. Isso veio à tona mais uma vez em nosso 7 de setembro, com bizarros cartazes propondo o “afastamento” do comunismo de nosso país. Não é algo novo, mas persistente no imaginário de muitas pessoas. É pouco sabido, por exemplo, que a expressão “viva o SUS”, talvez uma das mais bradadas desde 2020, carrega uma profunda herança comunista, que contribuiu decisivamente para um dos mais avançados e democráticos sistemas sanitários do mundo.

Em entrevista concedida ao site jornalístico “Outras Palavras” (https://www.youtube.com/watch?v=WOEXvTeJsak&t=267s), Sônia Maria Fleury Teixeira (importante estudiosa e militante da reforma sanitária, uma das fundadoras do pioneiro Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), ao final da década de 1970) reconhece que, a despeito das concepções e estudos que avançaram para uma compreensão abrangente de uma Saúde Coletiva, inclusive pelo próprio CEBES, a mobilização e organização política para a concretização das propostas ficaram sob a responsabilidade dos integrantes do PCB, mesmo durante os difíceis anos da Ditadura.

O PCB conseguiu, antes mesmo do nascimento do SUS, realizar rupturas moleculares com a pesada lógica previdenciária que regia nossa seguridade: a saúde era, nada mais, que uma prestação previdenciária para alguns trabalhadores urbanos com carteira de trabalho assinada. Os rurais sequer tinham acesso ao sistema previdenciário stricto sensu. Apenas para dimensionar o tamanho dessa empreitada, ao longo da década de 1980, inúmeros quadros do PCB ocuparam postos no Poder Executivo, em especial no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e contribuíram decisivamente para emplacar, parcialmente, princípios estruturantes do SUS, como a universalização do acesso. Abriu-se, por exemplo, uma rubrica no orçamento do INAMPS para que este financiasse as Ações Integradas de Saúde (1983) - primeira ruptura real com a lógica previdenciária da seguridade, mantida a mesma, até então, desde sua origem em Vargas.

Sairia do escopo deste texto abrir essa discussão, através de marcos e personagens. O fato é que o SUS carrega uma história das mais exemplares, especialmente nos dias que vivemos. Comunistas, liberais, conservadores e inúmeros outros atores conseguiram pensar e trabalhar por uma pauta pública, inclusive com políticos dos mais variados espectros políticos no Poder Executivo, no Congresso, na Constituinte. Longe de ter sido um processo pacífico foi, antes de tudo, um marco de nossa democracia e da nossa república, de como elas podem e devem funcionar. Distanciamos-nos disso, mas ainda temos pilares da democracia e da república. Precisamos urgentemente qualificar a política, os partidos, a vida pública.

 

Rio, 9 de setembro de 2021



[1] Professor do Município do Rio de Janeiro


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 3 - OS COLETIVOS E SEU EDGAR


 

A MAIS-VALIA ACABOU, SEU EDGAR

Por Ana Beatriz Camarinha[1]

 

Nos últimos anos, a política brasileira observa um crescimento exponencial de temáticas identitárias como pautas de debates políticos. Os chamados “coletivos” se apresentam principalmente através da internet nas redes sociais no campo à esquerda, atraindo a atenção majoritária dos jovens, no entanto, os mesmos não se posicionam politicamente além do seu individualismo. Com a ausência de uma política efetiva – nesse caso, até mesmo uma teoria política aprofundada – os coletivos apresentam um caráter purista e que beira o pensamento liberal individual. Ou seja, agem como “coletivos individuais”, em que negros se unem para discutir sobre negros para negros, mulheres sobre mulheres para mulheres. O ponto em questão não é a discussão. Como uma mulher, acredito que a pauta sobre muitas questões que versam intolerância e preconceitos que ainda no século XXI esse grupo enfrenta é importante. É ainda necessário, por exemplo, nos posicionarmos em relação ao feminicídio. Ao racismo. Porém, a pauta por si só não impede que mulheres continuem sendo mortas ou negros sofrendo pelo sistema desigual.

O diálogo “eu x os outros” transmitidos por muitos dos coletivos não apresentam a real preocupação com temas da esquerda histórica do século passado, dentre eles: democracia, questão nacional e luta de classes. A identidade sobrepôs os três assuntos que compõe o debate e o choque com o sistema em que a mesma está inserida e diz combater. As apropriações em favor da pauta, logo, se intensificam como uma forma de “politizar” o movimento. Dessa forma, a Frida se torna uma feminista anos após sua morte pelo seu desejo por liberdade sendo uma mulher, um deslocamento um tanto anacrônico. Por sua vez, a parcela ativa como sujeito político da artista mexicana em prol do Comunismo se desmancha no ar. Mais uma vez, o político se esvazia para o identitário prevalecer. 

Diante do cenário trágico do Afeganistão, uma das discussões mais ocorridas nas redes sociais é a opressão das mulheres diante do uso do hijab. Segundo uma reportagem da BBC, veiculada pelo G1, que entrevistou a antropóloga e pesquisadora da USP Francirosy Campos, houve, após a tomada de poder pelo Talibã, um aumento expressivo de preconceito e ataques a mulheres fiéis do Islã no Brasil pelo mesmo motivo. O uso do hijab se constitui como uma obrigação alcorânica, existindo o livre arbítrio e podendo ser enxergado de diversas formas exatamente pela diversidade cultural presente entre os mulçumanos. Algumas mulheres afegãs o enxergam como um artefato religioso, parte de costumes, outras como ato político e até instrumento de empoderamento. Entender a diversidade cultural, mesmo quando através da matéria do costume e do religioso, deveria ser uma questão a se sobrepor à mera luta vendada contra o patriarcado. O machismo, nesse caso, não estaria necessariamente no lenço. Isso me faz lembrar do filme recente da Viúva Negra (2021), dirigido por Cate Shortland e que trata do protagonismo feminino a partir de uma ótica ocidental. As personagens controladas fisiologicamente e emocionalmente são “libertas” por uma mulher vingadora que retorna dos Estados Unidos. Será mesmo que poderíamos afirmar que as afegãs e mulçumanas se sentem manipuladas pelo uso do hijab como se fosse algo implantado à força nelas, sem ouvi-las? Será que o hijab é realmente o ponto mais importante de debate nesse contexto?

Estaríamos tentando preencher a posição de vingadora ocidental?

Mais uma vez, não desconheço a importância de pautas que abordem o feminino, LGBTQI+ ou negros, mas o discurso sem um planejamento, agenda e ação política não gera mudança social efetiva. Ficamos, dessa maneira, restritos a simplificações, a um purismo que desconhece a pluralidade, a discursos que se intitulam decoloniais por modismo e a grupos hermeticamente fechados em si. O esquecimento das pautas de democracia, questão nacional e luta de classes, outra vez, provoca uma esfera política vazia e individualista, puramente militante e carente de formação intelectual no campo político.  Enquanto isso, conceitos como “verdadeira democracia, a liberdade e o Estado de Direito” estão sendo apropriados pela direita que está no poder, a qual repetidamente também utiliza a palavra “povo” em seus discursos, por mais que não reflita essa intenção em suas ações. Mas isso é pauta para outra conversa. 

Se as agendas políticas dos partidos enfraqueceram, se os coletivos se reduzem a pauta identitária não dialogando com as premissas da esquerda histórica, me pergunto: onde está a política que visa, de forma conjunta e diversificada, o povo? Às vésperas do bicentenário da independência, qual o legado do Brasil como uma nação? Na arena política? Qual será daqui a alguns anos o legado dessa esquerda atual na política? Coletivos que realizam lutas individuais? Uma busca incessante por particularismos? Apropriação de conceitos que deveriam estar no debate progressista pela direita motoqueira? Estamos, sim, vivendo um mal estar escatológico. Assim como Tatooine, um território afegão, precisamos de novas fontes de água-viva sob a sombra de romanzeiras; discussões programáticas sobre emprego, educação e saúde na República que ainda resiste sob os combalidos alicerces da Constituição de 1988.

             

 



[1] Graduanda de História na Universidade Federal Fluminense (UFF)

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

POLÊMICA - O PARTIDO BRASILEIRO


 As Cortes de Lisboa (quadro de Oscar Pereira da Silva)

Você conhece o Partido Brasileiro?

 

Em memória de Ana Carla Magni (1972-2021)

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Sobre as efemérides de 2022 dedicadas ao nascimento do Brasil devesse acrescentar a perseverança e a resistência do Partido Brasileiro (que contou, entre outros, com Cipriano Barata [1762-1838], Muniz Tavares [1793-1876], que haviam participado da Revolução Pernambucana de 1817 e do Padre Diogo Antônio Feijó [1784-1843]) frente à proposta da recolonização do Brasil apresentada nas sessões das Cortes de Lisboa em 1821, pois foi ali que os nativos revolucionários desenvolveram uma das nossas virtudes ao dotar o sentimento da nacionalidade brasileira de uma pluralidade e nunca ter concedido, e não podia realmente conceder, uma unívoca definição de gênero, étnica ou de raça. O que mais se aproximava de sua natureza era o entusiasmo pelo junto e misturado das múltiplas identidades amalgamadas ou não na miscigenação e noutras modalidades de mestiçagens, mas que no final eram as brasileiras e brasileiros que estavam lá e aqui e ponto.

Em parte pelo mito - antigo - e pela realidade - bem mais recente - da miscigenação e mestiçagens no Brasil (de Gilberto Freyre [1900-1987]) e em alguns outros países ibero-americanos, especialmente no Mexico (de José Vasconcelos Calderón [1882-1959]), no Peru (de José Carlos Mariátegui [1894-1930]) e no Equador (de Alfredo Pareja Díez-Canseco [1908-1993], a nacionalidade brasileira e de outras nações da região nunca tiveram uma conotação única de gênero, etnia ou raça que outras sociedades reivindicam, seja desde sua origem ou adquirindo ao longo do tempo.

Isso está começando a sofrer ataques no México, Peru, Equador e Brasil. No Brasil, não tanto pela quantidade de disparates que temos vivido por conta do identitarismo de um lado e pelo resultado eleitoral de 2018 com Bolsonaro de outro, onde ambas as manifestações desejam ver pelas costas o bicentenário do Partido Brasileiro nesse segundo ano pandêmico de 2021 e pela sua ausência de comemorações agora e de sua projeção para 2022, que acabam por anunciar em essência de que nada há a comemorar e os subtextos esdrúxulos que acompanharão essas posturas. Por enquanto, essas manifestações são algo marginal e provavelmente também o serão de curta duração. Se Bolsonaro e os candidatos do identitarismo forem derrotados em 2022, isso não será mais do que um fenômeno passageiro ou um breve pesadelo que felizmente terminará quando todos nós acordarmos.

Mas não vamos nos enganar. Algo de conotação étnica e ou racial na nacionalidade brasileira começa a emergir, como em outros países ibero-americanos, com governantes semelhantes. Não deve ser silenciado ou escondido. O fenômeno não é muito diferente do que aconteceu, por exemplo, na França nos últimos tempos. Muitos intelectuais e políticos franceses ficaram alarmados, ou mesmo angustiados, com a chegada ao país do Iluminismo de estranhas importações da academia norte-americana. Não é tanto sobre o Me Too, que é tão válido e atual na França quanto nos Estados Unidos da América, ou qualquer outro país. Referimo-nos antes aos cultos dos identitarismos, às tentativas de mudar o texto e a gramática francesas para acomodar etnias, raças, gêneros ou outras aspirações ou demandas e, acima de tudo, às diferentes formas de reagir a certas presenças do Islã, por um lado, inegáveis na França, e ao islamismo radical, tão existente e alarmante por outro.

Houve um tempo em que era a academia norte-americana que importava conceitos e teorias de Paris. Talvez primeiro Althusser e Lacan, depois Foucault e Derrida, fizeram fortuna nas grandes universidades dos Estados Unidos da América (e não só por lá), contribuindo em muitas abordagens com construção de conhecimentos extraordinários - ver os pontos de Foucault sobre a prisão, a clínica, a medicina, a sexualidade, entre outras dimensões. Agora é o contrário, mas a qualidade do fluxo reverso não é necessariamente a mesma.

Começa a surgir no Brasil um sentimento que deve preocupar a todos nós. Alguns brasileiros e brasileiras seriam menos brasileiras e brasileiros do que outros, e não porque sejam do Norte ou do Sul do país, porque são ricos ou pobres, porque são migrantes ou de comunidades dos povos isolados como bem pontuou Sebastiao Salgado, mas porque são pardos, mestiços, miscigenados e não identitários, numa palavra, brasileiras e brasileiros. Haveria pelo menos dois tipos de brasileiros e brasileiras: os verdadeiros e verdadeiras e os demais. Isso, além de terrivelmente perigoso, põe em causa um suposto fundamentalismo de identitarísmos à nacionalidade brasileira, com toda a mitologia que se deseja, banindo ad absurdum a miscigenação e a mestiçagens. Sabemos que, essa realidade, pode ter tido um uso político com um que de falso e, talvez, até mesmo tardiamente. Também sabemos que, como uso mítico, tem sido extraordinariamente útil, certamente, para tentar exercer uma forma de dominação doce e poder açucarado, uns dos outros. Mas foi isso que nos permitiu coexistir no que começou a se delinear como nação no final do século XIX ou no início do século XX, em um país que tinha Estado, mas não tinha absolutamente nada como uma Nação. Como diz lucidamente Antonio Risério, é preciso ter cuidado com isso, porque, por mais complexa que tenham sido a miscigenação e a mestiçagem (e o foram como sabemos), é a principal história inclusiva que existe entre nós desde quando nascemos e passamos a existir.

 

1 de setembro de 2021



[1] Professor da Unyleya Educacional e do Instituto Devecchi.


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 2 - QUEM AINDA ASSISTE NOVELA?


                                                            Nos tempos do “Lacrador”[1]

Por Vagner Gomes de Souza

 

A novela “Nos Tempos do Imperador” (Rede Globo) estaria a despertar uma curiosidade da sociedade? Os sujeitos inseridos nos coletivos de seu roteiro distante da política de mudança e conservação de nossa História. Lembrados ficamos sobre a Lei Euzébio de Queiroz, mas não compreendemos o silêncio em relação a Lei de Terras que também antecedeu aquela época. Portanto, há os proprietários rurais do Recôncavo Baiano, mas por onde andam os “Barões do Café” do Vale do Paraíba? As famosas narrativas, que inviabilizam a “Grande Política” de Frente Democrática diante do individualismo metodológico de Maria do Pilar que deixou para trás sua irmã, acabou por fazer com que D. Pedro II (muito bem interpretado pelo Selton Mello) pareça um “lacrador” das redes sociais. Todavia, ainda circulam no personagem da História o peso do passado de seu pai ainda compreendido como um símbolo da infidelidade que se coroaria com tendências de um anacrônico Rei Sol dos Trópicos.

Pedimos licença aos leitores que se sintam levados quase ao precipício diante das lições de História que se ausentam em muitos lugares principalmente em livros didáticos que deixaram de lado o “lugar de fala” de Marc Bloch. A História para ser investigada sem que se levante um “Tribunal” fazendo juízo entre o bem e o mal. Nos esforços de suavizar a obra da ficção, o Núcleo Cômico não tem sido muito feliz diante da concorrência com o “coronelismo jorgeamadiano”. Lembrai-vos de Ramiro Bastos e o problema do “crime passional” debatido nos tempos da Declaração de Março de 1958 como um bom preâmbulo para se debater a questão agrária no pré-1964. Sejam nas aulas ou se é que há condições para essas aulas, pois as referências dos livros que deveriam se impor as armas aqui se acumulam. Mas como hei de resistir sem estar a ler? Nas salas das reuniões on-line se comentam sobre os Youtubers que silenciaram os escritores diante também do mundo universitário brasileiro que virou a “Jangada de Pedra” em um Oceano de identidades. Então, apesar dos esforços na dramaturgia do ator Guilherme Piva, nos poderíamos relembrar se Licurgo foi ou não foi do “Partido Brasileiro” uma agremiação partidária que esteve nas sombras de “O Novo Mundo” e hoje está nos escombros da memória da análise da política brasileira assim como a Taberna.

O sonho de Dom Pedro II era ter sido Professor conforme as principais biografias do mesmo. Todavia, as dificuldades do processo de educação como formação ainda vai nos acompanhar por muito tempo diante de muitas dificuldades existentes. A primeira geração de profissionais de educação formados no imediato Fora Collor já começaram a se aposentar de suas atividades e ainda não se entendeu que o “FORA” de nada trouxe de lição para o processo educacional de nossa política. Enfim, os educadores da “Era do Real” vão cada vez mais a envelhecer diante de alunos nascido aos sabores do Danoninho para lembrarmo-nos de um Ex-Presidente que se caracterizou por fazer balanços políticos através do cardápio provavelmente presente no cotidiano do brasileiro. Essa fratura do mundo da política por conta do mundo social foi o “carro do ovo” desses tempos de inúmeras serpentes que sem pernas desejam fazer sua marcha sobre Brasília.

 A crise da Democracia na atualidade tem muitos possíveis fatores que demandam um melhor enquadramento da História de nosso país nas proximidades das comemorações do Bicentenário da Independência e também de muitos personagens que ganham “máscaras” anacrônicas em alguns momentos. As quatro linhas da historiografia devem contribuir para que as instituições democráticas se consolidem diante de debates esvaziados da realidade. E que D. Pedro I seja repensado por seu filho nas mesmas linhas do personagem que Tarcísio Meira imortalizou em “Independência ou Morte” (1972) – grande filme crítico da Ditadura Militar, mas pouco visto dessa forma.



[1] Esse artigo é resultado de conversas com meus Velhos Camaradas acrescidas de outras reflexões feitas com meus filhos. 

domingo, 15 de agosto de 2021

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 24


 

Democracia e República: Sem gestão não há solução

Por Vagner Gomes de Souza

 

As instituições democráticas passam por um momento de “teste” na sua capacidade de responder as açãos antisistêmicas exercidas como um projeto político de viés autoritário que permita uma “feira de negócios” em nosso combalido capitalismo. A economia brasileira não oferece sinais de recuperação diante do equívoco na ausência de uma seriedade no combate a pandemia prolongada por variantes e surtos diante de uma campanha nacional de vacinação lenta. Milhões de desempregados, com certeza, não vão retornar ao mercado de trabalho de imediato e/ou com a mesma renda anterior a março de 2020. Enquanto isso, serviços públicos essenciais como saúde e educação estão sob a gestão de Ministros que sempre atuaram em empresas privadas. A situação se agrava com os devaneios de uma Reforma Administrativa (PEC 32) que desmontaria de vez a capacidade de gestão weberiana das políticas públicas, pois servidores públicos sem estabilidade implicam em descontinuidades na gestão das coisas públicas.

A Presidência da República é o aríete dessa movimentação que encaminha o esfacelamento das linhas sociais consolidadas na Constituição de 1988. Uma personificação de uma guerra de movimento da antiguidade com investigações de sobre possíveis ligações com grupos de “centuriões digitais”. Nesse terreno de movimento as forças retrógradas ganham corpo uma vez que não se abalaram com a sequência de mobilizações populares nas ruas organizadas por uma oposição não articulada organicamente num programa. As ruas não fizeram pontes políticas com as instituições partidárias. Pelo contrário, perdeu-se tempo e energia sobre “tapas e beijos” em relação a uma agremiação partidária que surgiu no ano da Carta de 1988 questionando as barganhas políticas do “Centrão”.

A Democracia se arranha pelas ações e discursos que limitam uma prática de oposição em 2021 com um ressentimento por derrotas recentes. Se ganha força no enfrentamento dos passos retrógrados com posturas que ampliem o canal político das forças democráticas através de um debate programático. O ex-Presidente Lula se manifestou nas redes sociais sobre a necessidade de uma reconstrução de nossa Democracia. Concordamos com esse ponto de vista e aprofundamos a ideia do quanto esse será um longo processo de reencontro de nosso país com a formação de quadros para uma gestão pública coordenada. Não se alimenta uma gestão administrativa com gasolinas incendiárias de nosso passado, mas com um compromisso de uma renovação republicana a partir desse momento de debate sobre o bicentenário do começo de nossa formação como Estado Nação.

Não se faz política com calculadoras de coeficiente eleitoral. Essa deveria ser a postura das forças democráticas para melhor enfrentar essas ameaças autoritárias que visam subtrair a capacidade de gestão administrativa do Brasil que ganhou fôlego após 1930. Há anti-Revolução Passiva para todos os gostos nesse mosaico político, mas a política democrática ainda precisa de se firmar com laços e aliados programáticos no centro político. Portanto, a gerência programática é condição para formação de futuros gestores em conexão com a vida pública. Não podemos deixar de reconhecer que há forças de oposição que não compreendem ainda tamanha a importância da moderação da Democracia nesses tempos turbulentos, pois atacam o Presidente da República como se estivessem nas eleições de 2018. Esse trágico ano precisa ser superado não só pela ampliação da Frente Democrática assim como pela introdução de uma nova orientação programática. Esse é ainda o papel de valor dos Partidos Políticos se estiverem, de fato, compromissados com a questão democrática uma vez que formação de quadros se faz numa gestão programática e não com agrupamentos de militantes de um jardim de interesses. Se o Partido Político ainda poderia ser entendido como o “Moderno Príncipe”, a gestão democrática das coisas públicas fortalecerá a luta pela reconstrução das instituições desde que também superemos os anéis burocráticos disfarçados em “narrativas”.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 1 - CENTRÃO E VOTO IMPRESSO

 

                                                                     Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados

Jeitinho do Centrão de ser!

Por John Lennon Pereira

 

O voto impresso foi derrotado na Comissão Especial, o governo tomou uma lavada de 23 a 11, se não bastasse, o Presidente insistiu nesse tema, com suas falas atacando as instituições, tudo retórica para abafar o que o Brasil está vivendo. Pelo chamado de mundo real, não é momento para um debate tão ultrapassado.

Mundo real esse com a volta da fome e da miséria, num momento pandêmico, não há um debate "pós-pandemia” sobre a recuperação da economia e trabalho para o povo, mas esse não é o foco para o governo, e sim discutir voto impresso, com falas ameaçadoras de Golpe.

Falas essas que o Bolsonaro dizia que se não fosse aprovada a PEC 135/19 do voto impresso, não iria concorrer a reeleição, até o momento sabemos que o presidente não é um homem de palavra, o mesmo fez uma Live com o objetivo de apresentar provas concretas sobre fraudes nas urnas eletrônica. Outra vez a balela, vimos um showzinho típico do Bolsonaro, nada foi apresentado, como já imaginávamos, e não será espantoso ele concorrer a reeleição com outras retóricas.

Atendendo o gosto do Presidente Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, levou para o Plenário esse ridículo debate, mas é claro que iria levá-lo é do interesse do Centrão ter mais o Presidente Bolsonaro em suas mãos, perdendo na Câmara por um placar elevado, significaria que cada vez mais o governo estaria não só nas mãos, mas de corpo todo para o Centrão, é só analisar, digamos que o governo perdendo a PEC 135/19 do voto Impressso, perderia fácil abrindo um Impeachement, o jogo tem que ser jogado. Sepultou-se a proposta lunática do voto impresso com a “morte sempre anunciada” do Fora Bolsonaro. O placar muito nos diz sobre isso. E o Arthur Lira sabe jogar esse jogo, é óbvio que a maior parte dos deputados não votaram contra a urna eletrônica, por motivos simples, eles estão lá como? Agora, aqueles que votaram SIM foi em com qual preço!?!  Tanto direita, esquerda, centro, pastor, capitão tudo que se imagina, estão lá pelo voto eletrônico, seria muita burrice votar o contrário. Mas houve mais de 200 votos com essa ideia que pode soar sem sentido mas... Há o “jeitinho” do Centrão de sobrevivência nesse retrato do Brasil.

O argumento da base governista é que o povo brasileiro está pedindo o voto impresso. Essa base é o Centrão? O povo brasileiro quer é comida no prato e voltar a viver melhor depois da pandemia. Deseja um gás de cozinha, gasolina, carne bovina, arroz, feijão, mais barato, está tudo caro. A carestia circula nos corredores do legislativo? Os jovens que nasceram no mesmo ano da urna eletrônica (1996) deveriam perceber isso. Quanto vale o peso do saco de batata na política parlamentar de um representante do Centrão? Esse é um debate a se fazer na conjuntura.


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

POLÊMICA - VOLTA ÀS AULAS?

 

Volta às aulas?

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Quanto tempo falta para os encontros presenciais nas aulas para milhões de crianças e jovens da educação básica no Brasil e no mundo? Para o governo federal e alguns outros até já se diz que aquilo que chamam de volta já deveria estar acontecendo. O Ministro da Educação insistiu dias atrás que sim, de que não há perigo de contágio, embora a vacinação das crianças e adolescentes não tenha sequer começado. Da mesma forma, os demais governantes dizem que o retorno será em determinadas condições: escalonado, com distância nas salas de aula, híbrido, para as escolas que atendam aos requisitos de redução de risco, com ventilação, máscaras faciais, álcool em gel, enfim, com tudo que a boa ciência indica e aponta. Só que junto disso se acumulam as bobagens de que dá a sensação de que estamos com o sinal verde para tudo e todos.

As pessoas no Brasil, como em muitas outras coisas, têm sentimentos confusos sobre as políticas educacionais oficiais durante a pandemia e sobre a dita volta iminente às aulas presenciais. Não temos pesquisas que mostrem o que a maioria dos brasileiros deseja. O sentimento equivocado em favor da volta às aulas presenciais parece ser consenso. E a confusão persiste e sua residência na conjunção de presencialmente e à distância é uma constante. Será que vamos mandar nossas filhas e filhos para a escola, ou vamos mantê-los em casa, supostamente tendo aulas online? Aliás, será que se tivéssemos uma pesquisa a respeito do assunto ela revelaria que os pais diriam que seus filhos completariam realmente seu ano letivo online? Por alguma razão, a questão de saber se os pais enviaram ou não suas filhas e filhos para as escolas precisa ser feita para ser uma baliza de ponderação e é tão urgente e necessário em face ao contexto pandêmico e sua difícil relação com a educação e não só.

A confusão é lógica. A dita educação híbrida significa coisas muito diferentes em diferentes níveis de renda, em diversas localidades, em regiões distintas. Com a internet, significa algo mais ou menos real? Se as escolas estivessem em condições sanitárias adequadas, significaria que todas as medidas necessárias já foram tomadas, em colaboração com professores e pais? Alguém realmente acreditaria que isso de fato aconteceria?

Mas também, quando o Ministro da Educação diz que não há perigo de contágio porque as crianças não estão infectadas, isso torna as escolas em espaços saudáveis? Só que elas também não eram no mundo pré-pandêmico em março de 2020, quando se decidiu fechar todas as escolas. Em muitos países - certamente não tanto na Ibero-América - as escolas tiveram tratamentos diversos.

O desafio mais importante, no entanto, é obviamente as resultantes das últimas semanas. Se seguirmos como chegamos onde estamos, ou seja, com patamares na casa das milhares de infecções e de óbitos, é muito difícil para professores, para as crianças, para os adolescentes de 14 e/ou 15 anos e seus pais concordarem em voltar às aulas como indicou o Ministro da Educação e outras autoridades subnacionais. Não voltar é a realidade concreta, pois significa que precisamos superar em muito a situação que prevalecia no mundo pré-pandêmico em março de 2020. Se as ondas das variantes - que são muitas e agora a delta e a gama são as preocupantes - se confirmarem (embora muitos discordem dessa ideia, e consideram que nunca controlamos sequer a primeira, o que as evidências acabam por indicar), e seguirmos como ainda estamos, será impossível a abertura das escolas.

Então está claro que qualquer que seja a decisão ela é delicada, como em muitos países. Bolsonaro não entende nada: diz que no Brasil nada é à força, mas ignora que em nosso país, desde 1914, o alistamento militar se tornou obrigatório efetivamente, inclusive a despeito de sua existência legal desde 1906. É obrigatória para os homens de 18 anos. Mas se não houvesse o perigo de contágio e todos estivessem vacinados, aí sim os encontros presenciais nas aulas poderiam acontecer. Lamentavelmente não é essa a situação prevalecente. Por fim, não cabe nada próximo a dita volta ao status quo anterior. O mundo precisa mudar, e para melhor.

 

8 de agosto de 2021



[1] Professor da Unyleya Educacional e do Instituto Devecchi.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

TEXTOS DA JUVENTUDE


 A SAGRADA (DES)POLÍTICA DA JUVENTUDE

“Quem vive de verdade não pode não ser cidadão e não tomar partido. Indiferença é abulia, é parasitismo, é covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes”.

(Antonio Gramsci)

Por Lucas Soares

Existem limites para a ação conjunta entre teoria e prática? De que vale a ação sem a análise, ou vice-versa? Reformulo: É possível solucionar um problema de uma dada realidade, sem que tanto o problema, quanto as suas soluções tenham sido geradas pelas contradições existentes entre a própria realidade material e o problema?

 Esta equação que a priori demonstrava-se solucionada no século XIX pela teoria marxiana, hoje desmonta-se no seio da sagrada juventude brasileira a qual afirma “conjurar os espíritos do passado” sob justificativas pseudo-revolucionárias invejáveis aos antigos jovens amantes do Espirito Absoluto. Justificativas que, apesar de ousarem relegar as premissas teórico-práticas que solucionaram os paradoxos que nos introduzem às indagações de escrita deste manifesto, atropelam os mesmos teóricos e intérpretes, de forma a negarem-se da análise tanto das origens de nossos problemas políticos, quanto das intervenções consequenciais dessas origens na conjuntura curta e atual.

Isto posto, miremos ao alvo: A fuga da análise do concreto, dada pelas sandices e desvios de caráter de alguns dos postulantes a preencher o vácuo existente nos espaços de atuação e teorização da grande política, lida e centrada em alicerces de bases reais, assim como em problematizações, teses, hipóteses e manifestações de cunho político e nada mais que isso, apresenta um problema que poderá ser crônico caso não se identifique e trate imediatamente. Problema este é a desconexão da juventude - a qual me enquadro e me identifico - com o real, sob forma de divisões, legendas e bandeiras de construção identitária que buscam primeiramente rotular e identificar o que é a sua tentativa de atuação política, para depois analisar os processos que buscam dar cabo. Quanto a isso, sou otimista, pois na maior parte das vezes a euforia pela identificação ofusca o desejo de entender o fenômeno que acabara de vivenciar e atuar sobre ele.  Além do mais, ao passo da existência de inúmeras frentes de identificação política, estão as rusgas entre as mesmas. 

 Neste sentido, os mesmos quadros tão distantes da realidade e entrincheirados no mundo paralelo de seus respectivos movimentos particulares e sectários, atropelam a possibilidade de constituir uma transição efetiva e bem-sucedida da geração de atores e quadros políticos. Ficamos, portanto, na estagnação. Essa imobilidade, no entanto, não é etária, e sim epistêmica.

De toda forma, quão amante do Espírito Absoluto seria eu se apenas repreendesse o problema da fuga da realidade pela juventude sem, em meio ao processo de identificação do mesmo, buscasse também entender o processo que nos levou a esse problema? É necessário encontrar nele a solução para que sua superação se encontre.

 Portanto, exposta a tese de que existe um abismo na formação de novos quadros políticos; e a antítese da fuga da realidade pela juventude que deveria ser o motor revolucionário e epistêmico de transição da política nacional; torna-se necessário, por síntese, o debate sobre o futuro que este segmento enfrentará. Afastando-se, porém, de qualquer projeção futurista, pitoresca e fantasiosa, nosso foco deve ser problema histórico real: a precarização do trabalho e a superexploração no empreendedorismo dissimulado. É inconcebível a forma pela qual tornaram-se hegemônicas algumas fraseologias e palavras de ordem que esgotam os neurônios de qualquer um que deseja, através delas, compreender a política e construir de forma democrática relações e alianças para a sublevação do cenário de calamidade que se observa. Tais expressões, de maneira oposta a intenção de quem as decora e as reproduz por osmose, esvaziam as discussões e movimentações que deveriam ser realizadas dentro do jogo democrático. Enquanto isso, ao passo de genocídios, negacionismos e fascismos, a movimentação real da política acontece. Nela, os novos atores que tentam sua transformação não são capazes de empreender uma oposição ampla que politicamente debata os estragos da pandemia na vida dos brasileiros, que estanque o sofrimento das famílias de mais de 500 mil vidas ceifadas, e que, posteriormente, pense a vida, a economia, o emprego, a saúde, e a educação pós pandemia. Sem projeto, ficaremos à mercê da terceirização e da informalidade trabalhista. Com fraseologias e sectarismo, amargaremos o desabrochar de um neoliberalismo apocalíptico para os jovens. 

Por certo, uma certeza temos: a festa da democracia se aproxima! Nesta festa, os movimentos reais da política acontecem independente das idealizações do jardim de infância revolucionário. Nos preparativos para tal evento, estou certo também da urgência pela erradicação do esvaziamento político em nossos discursos e em nossas ações. Tomar partido não é transformar a luta pela revolução em identidade. Não ser indiferente é agir de forma concreta para que as vias de acesso à superação do distúrbio neoliberal estejam cada vez mais claras próximas. Tomemos partido, jovens!


sexta-feira, 9 de julho de 2021

FOLHA SECA DO "TITI" - O FUTEBOL NA CONJUNTURA


 

Paixão de jogar bola x Jogar bola, por ser “Patriota”

Por Tiago Bastos de Souza[1]

 

Acho a Argentina ligeiramente favorita pela essência do futebol que eu considero a “paixão de jogar bola”, além disso, ela tem o Messi, maior jogador que assisti e assisto jogar, parece que o clima de vestiário está descontraído e os argentinos não precisam jogar um futebol “bonito” ou “esteticamente bonito” para ganhar, mas o conjunto dentro de campo e trabalho da Seleção Brasileira parece ser melhor.

A Seleção Argentina é apaixonante pela sua “essência” de “vontade de jogar bola” e vejo que alguns torcedores de futebol, querem assistir o Messi ganhar pela seleção principal dele.

O clima dos jogadores da Argentina no vestiário me faz lembrar, algo que observo entre as ligas Argentina e Brasileira da primeiras divisões, acho que os jogadores argentinos, na sua liga e os jovens promissores que vão para Europa tem mais paixão por jogar futebol, que para mim, é uma coisa importante no futebol, aqui parece que os brasileiros jogam mais pelo dinheiro ou pela marca de virar um “jogador símbolo”, como se fosse uma empresa ou clube, nada contra, é uma escolha do “mercado futebolístico”, mas o nosso futebol brasileiro se torna pobre.

Sobre a Seleção Brasileira para essa final de Copa América, eles não queriam jogar, então, estão jogando "forçados", ainda estão preocupados em se provar como ”patriotas”, que para isso, além das falas dos jogadores em algumas entrevistas pela “vontade” de jogar na seleção que são em volta desse “patriotismo”. Neymar postou em sua rede social uma “crítica” que achei deselegante e os componentes do programa da Globo do programa Seleção Sportv no dia 09/07/2021, também, que foi sobre os brasileiros que irão torcer para Seleção da Argentina, então André Rizek, apresentador do programa, em resposta ao post do Neymar, citou e relembrou muito bem, a frase registrada por James Boswell de Samuel Johnson “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

Além da imposição da CBF, para que jogassem a Copa América em casa que não foi bem encarada pelos jogadores também tenho a impressão que os jogadores se sentem melhores em relação a Seleção Argentina devido ao trabalho e conjunto citado no início do texto e pela história da seleção, usando-se o “patriotismo” sendo que as falas dos jogadores parecem em tom de certo cinismo, arrogância e autoritarismo. Isso é perigoso para o futebol brasileiro que eu gostaria que fosse resgatado.

O futebol envolve a paixão do torcedor e cada um escolhe o que irá se apaixonar, por isso torcerei pela Argentina nesse momento, tem o maior jogador que vi jogar e acho que a essência do que eu acho, o que é futebol, está com eles. Mas, que vença o melhor e que cada um torça para o que quiser, futebol para mim, é torcer com consciência da sua escolha ou se foi escolhido, sabendo que pode se recusar da sua predestinação.



[1] Sou Tiago Bastos de Souza, tenho 22 anos, Professor de educação física, atualmente sou estudante de Educação Física no oitavo período em bacharel. Filho de professores e apaixonado por futebol desde a minha primeira Copa do Mundo, em 2002.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 23


 Imagem retirada desse site https://www.brasildefato.com.br/2021/06/18/ardendo-igual-fogueira-de-sao-joao

A Questão da Juventude

Para minha filha Frida: que nunca se cale!

Por Vagner Gomes de Souza

 

A imprensa alinhada ao posicionamento liberal, como O Estado de São Paulo, tem feito um esforço para empreender uma análise mais smithiana a questão da juventude no Brasil. O arauto do pensamento da grande burguesia paulista deve ter noção do quanto o segmento juvenil 15 – 29 anos serão fundamentais para uma possível mudança do cenário político nas próximas eleições. A questão da juventude poderia realinhar as forças de um centro liberal em favor de uma candidatura mais competitiva uma vez que o “voto de fúria” no atual Presidente em 2018 não trouxe ganhos políticos, sociais ou existenciais. Portanto, é importante acompanhar os editoriais desse diário sobre o tema uma vez que há uma “crise” na formação de novos quadros na faixa mencionada. A demanda liberal da juventude é facilmente “capturada” nas linhas dos Editoriais. A ideia de mercado é hegemônica até nas mentalidades daqueles que se pronunciam como “esquerdistas”, porém manifestam seu livre direito de manifestação de suas ações individuais num terreno imaginário em “coletivo”. As demandas dos jovens trabalhadores estão ausentes uma vez que o impacto do desemprego é mais grave nesse segmento e muitos sonham com o “neoludismo” que seria tentar desprecarizar um mercado de trabalho já estruturalmente se consolidando na automação e digitalização. Mais Inteligência Articial e menos empregos para a juventude num momento em que o mundo sindical assume um perfil do último baile de Terceira Idade.

Vamos começar em ordem cronológica aos comentários sobre três Editorias do porta-voz da Faria de Lima como alguns dizem. No dia 9 de junho foi publicado “Fuga de Cérebros” que faz uma abordagem sobre a situação dos “jovens altamente qualificados que buscam no exterior, especialmente em países que mantêm programas de atração de talentos, postos de trabalho que não conseguem ter no Brasil.” Em suas linhas, o problema é apresentado sempre preservando a gestão da economia em “cortar gastos públicos”. A redução de 87% nas bolsas de Doutorado e Pós-Doutorado é atribuída ao “negacionismo”, mas esse seria a manifestação da imposição de um programa que continua defendendo o “Teto de Gastos”. A gestão desastrosa precisa ser mais bem atribuída tanto ao ultraliberalismo do Ministro da Economia quanto a omissão do Ministro da Educação. Os números de “Fuga de Cérebros” são assustadores, mas também ficamos assustados com o silêncio nessa atribuição de responsabilidade. Além disso, não outra forma de manter essa mão de obra qualificada em C&T sem a ampliação dos gastos públicos nas Universidades que foram colocadas à deriva por um Ministro da Educação que “aparelhou” o MEC para um segmento religioso empreendedor na educação. No lugar da palavra “genocídio” deveria voltar ganhar força nos debates da juventude a palavra “exploração”, pois formamos uma juventude praticamente condenada a ser “exército de reserva” do mercado de trabalho no infinito.

No dia 12 de junho, “Retrato da Juventude Brasileira” faz uma abordagem do o levantamento da FGV Social Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas. Numa base de 50 milhões de brasileiros é muito estranha a falência das juventudes partidárias na mobilização desse potencial político. E o sucesso dos YouTubers como formadores de opinião deslocou em muito os índices de ativismo a partir do que se leu. O Retrato dessa geração já se expõe na frase: “EU VI NUM VÍDEO QUE....” Diferente de décadas no passado que fazia-se a frase: “EU LI NO JORNAL OU NO LIVRO QUE...”. Uma mudança na antropologia de uma juventude que se diz mais insatisfeita. Onde estão as organizações da Juventude? Alguns diriam que estimulando o “Parque das Diversões” do ativismo com fortes graus de aprisionamento aos domínios do mercado até em níveis existenciais. O ator político é um incômodo para uma geração que sofre a “coletivização” de Hayke com se fosse bandeiras libertárias. O Editorial destaca o empobrecimento da juventude sem essas nuances da política. Simplesmente o ingrediente da preocupação não estaria formando uma Frente Democrática na juventude, mas a deixando a deriva sob perigosas influências. “(...)O levantamento mostra que o jovem brasileiro confia menos nas instituições do que a média mundial.(...)”.

Contudo, observamos a grande preocupação do órgão oficial da Avenida Brigadeiro Faria nessa passagem: “O fenômeno é global. Até 2060, o porcentual de jovens deve diminuir 95% no mundo. Isso significa menos força de trabalho e mais gastos com saúde e previdência. O Brasil precisa pensar agora em políticas para lidar com essa transição. Os gastos com educação devem diminuir, mas o sistema previdenciário precisará de reformas periódicas.” Nada sobre a geração de empregos ou sobre o entendimento que a política social poderia ser aprofundada sem receios com os gastos públicos. A transição demográfica para o envelhecimento da população seria uma fatalidade para alimentar novas reformas. Mas para não dizerem que lemos apensa pontos negativos, concordamos que o otimismo da vontade da juventude de fato precisa se expressar na necessidade de colocar esses jovens na vida pública. Uma tarefa que muito motivou um pensador sardo antes do advento do fascismo na Itália.

Agora, encerremos nossa breve resenha sobre esse olhar da questão da juventude pelo viés da burguesia de São Paulo ao comentar “O País que Queremos Ser”, de 28 de junho. Esse seria a terceira parte desse esforço programático sobre o tema, que chama a atenção para uma juventude se afastando do país. Não seria esse um jornal crítico do Estado Nacional? Então, a ideia de jovem do Brasil convive com o desalento da linha editorial do jornal, pois não reconhece os limites do liberalismo em tempos de pós-pandemia. Não se espanta que estejamos com jovens que não acreditam no progresso através do trabalho num momento em que as sequelas da Reforma Trabalhista se expõem no cotidiano. Redução na cobertura de direitos sociais poderia estar nessa resposta da juventude. Outro momento que nos obriga a chamar a atenção para a ausência dos atores políticos.

Se a insatisfação com o Governo Federal é elevada na juventude, o sentido da  responsabilidade das atividade políticas devem se fazer presente para superar um universo de individualização nas manifestações de rua. O Palanque dos Discursos políticos cederam espaço para os cartazes nas mãos dos indivíduos. O que está se formando politicamente com essa dinâmica? A questão da juventude precisa ocupar os programas formando palanques que reintroduzam a política com “P” maiúsculo. Afinal, teremos uma longa transição pela frente. O desafio é que os cartazes nas mãos dos jovens virem um debate programático. Para isso leitura e escrita se faz fundamental para essa geração dos caracteres do Twitter. O desafio é muito maior para o campo democrático, pois requer incomodar uma sensação da política como resultados eleitorais e espaços conquistados. Há muitos jovens afundando no Titanic Brasil sem a boia da política que seria o papel do “ator”.


quinta-feira, 1 de julho de 2021

NOTA SOBRE JANUÁRIO GARCIA (1943 - 2021)


 

Januário Garcia: O que aprendi?

Por Vagner Gomes de Souza

 

Na longa  transição democrática, iniciada com a vitória da oposição em 1974, teve uma grande contribuição da TVE (TV Educativa) se renovou como um espaço crítico até do Governo Federal. Uma rede de televisão educativa que não se fechava na condição de ser “chapa branca” para ser transformar numa possibilidade de espaço de comunicação aberto e de produção de grandes reflexões. Financiados pela Rede Globo e produzidos pela TVE, surgiram dois bem sucedidos seriados da teledramaturgia infantil: Pluft, o Fantasminha (1975) e Sítio do Picapau Amarelo (1977).

Flávio Migliaccio, com o personagem “Tio Maneco”, fui conhecer a partir de 1981 através dessa sua participação nessa rede de TV pública. Muitos outros estavam na TVE como Osvaldo Sargentelli com sua voz no programa “O Advogado do Diabo” (programa proibido com o advento da Ditadura Militar). Ziraldo que chegou a entrevistar o saudoso Bussunda. E não poderei esquecer-me do sucesso do programa “Sem Censura”, que era um programa de entrevistas com uma bancada de moderadores convidados sob a apresentação de Lucia Leme

Minha recordação de Januário Garcia vem do programa “Sem Censura” que foi um programa que ocupou o segundo lugar em audiência vespertina em 1987. Era uma época em que tínhamos um Nelson Mandela ainda nas prisões do Aphartheid e aquele fotógrafo que falava em nome do IPCN me chamou muito a atenção. Sua fala, para mencionar um verbo versátil na língua portuguesa, era possível para que todos assumissem. Ouvir as entrevistas ou as participações de Januário Garcia era uma oportunidade para se aprender como a “mineirice” celebrada num artigo de Gilberto Freyre poderia explicar uma característica desse personagem carioca que me parece que nunca recebeu o título de Cidadania da Cidade Maravilhosa no qual ele veio morar após a morte de sua mãe em 1955.

A importância das culturas negras num mosaico que integra a história do Brasil foi um impacto em minha adolescência ao assistir o “mineiro/carioca” pela TVE. E estávamos próximos das comemorações do Centenário do 13 de maio de 1888. Januário Garcia marcou uma firme posição pela importância da data nas efemérides do Movimento Negro no âmbito da percepção da importância das instituições e da negociação política numa conquista maior. Então, era fundamental reconhecer no 13 de maio um grande dia para aqueles que pensávamos em fazer a militância do movimento sempre ampliando em espaços diversificados e incluindo todos.

Hoje soube da despedida de Januário Garcia. E essas minhas lembranças que compartilho me faz pensar o quanto um processo de transição política faz emergir muitos educadores pela via da cultura. Sempre tive o desejo de conhecê-lo pessoalmente, mas não foi possível. Entretanto, aqui fica esse registro do quanto fui um pouco seu aluno quando contribui modestamente na fundação do Centro de Divulgação das Culturas Negras (CEDICUN) no bairro de Campo Grande em 1988.

terça-feira, 29 de junho de 2021

NOTA SOBRE ARTUR XEXÉO


                                                                       Adeus, Xexéo

Aos 85 anos de Oduvaldo Vianna Filho (in memorian)

Por Pablo Spinelli

O jornalista, dramaturgo e amante do cinema Artur Xexeo nos deixou no início dessa semana, dia 27 de junho. Pertencente a uma geração de jornalistas forjada na Ditadura Militar, Xexéo fez da cultura e da cidade do Rio de Janeiro a sua trincheira de luta na transição do regime. Crítico sem sectarismo à televisão, ele muito contribuiu para a análise da transição da televisão dos anos 1980 aos 1990 onde imperou os realities shows e uma decadência da qualidade das produções televisivas.

Porém, a maior contribuição das colunas dominicais de Artur Xexéo com os seus “17 leitores” e a “Dona Candoca”, personagem alter ego que era uma senhorinha crítica de TV, reside no tema da memória. Entusiasta - pela formação e contingências familiares, como escreveu em várias colunas, - dos anos 1950 e 1960, Artur Xexéo de certa maneira dialogava com dois grandes cronistas da cena carioca que o antecederam – Sério Porto e Antonio Maria, mais o primeiro do que o segundo. Cronista do cotidiano dessa época, Xexéo mostrou como o Rio de Janeiro era uma cidade amante do cinema, onde Cinelândia era um nome com a sua razão de ser por conta de mais de uma dezena de cinemas na região, assim como Copacabana que serve, dentre outros motivos, como termômetro da decadência da cidade a partir do fechamento das salas do cinema Roxy, algo que Xexéo provavelmente escreveria, ainda mais como morador do bairro.

O jornalista sempre teve como grandes referências da memória cultural as mulheres como Bibi Ferreira, Hebe Camargo, Janet Clair, Sonia Mamede, Wanderléa, dentre outras. A sua análise de filmes, mesmo que discordante em vários pontos com esse signatário, era importante pelo uso da linguagem coloquial chegar ao grande público e por ter como referência uma indústria do cinema que tem que ser mantida pela memória, algo similar ao que fazia Rubens Ewald Filho.

Coube à história uma ironia. Artur Xexéo se foi no mês que se comemora o cinema brasileiro. Uma data difícil de comemorar quando se percebe uma política de sucateamento e destruição da memória a partir do fechamento da Cinemateca em São Paulo cujo acervo tem mais de 10 mil filmes que incluem longa-metragem, curta-metragem, cenas do Canal 100 e da participação dos bravos soldados da FEB antes e após a vitória sobre os fascismos. Segundo o jornalista do UOL, Ricardo Feltrin, funcionários que foram demitidos – a Cinemateca está sem funcionários e os filmes sem manutenção, o que pode gerar um incêndio pior do que o do Museu Nacional ou ainda, a deterioração natural dos filmes – relataram que já perdemos cerca de 600 a 1000 filmes pelos motivos expostos. A Cinemateca, que ia ser dirigida por aquela que foi sem nunca ter sido, agora está sendo malhada a ferro frio pela indigência mental que ocupa a cadeira mais importante da área cultural no governo federal. A nossa torcida é que as crônicas de Xexéo sejam lidas pelo resgate da memória da cultura nacional pelo viés da democracia.