sábado, 11 de setembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 4 - VIVA O SUS E O POVO BRASILEIRO!


 Mesa de Abertura da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986)


Viva o SUS, Viva o Povo Brasileiro!

 

Tiago Martins Simões[1]

 

Há algumas interpretações de que, no Brasil, a modernização foi (e é) um processo lento e molecular, sem rupturas no formato de revoluções europeias do século XVIII. Trata-se de correntes que buscam compreender o que há de singular em nossa história e interpretá-la a partir de chaves de longa duração. A história do Sistema Único de Saúde, em sua maior parte, infelizmente pendeu para o lado oposto, como se o mesmo houvesse saído da Constituinte como uma faísca, ainda que nela resida parte importante de sua construção. De outra parte, deixou mal caracterizada sua conformação política nos anos que antecederam esse nascimento, em especial a partir do final da década de 1970.

Recentemente, uma feliz iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira, no contexto preparatório dos 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mobilizou personagens importantes de uma geração que participou do movimento sanitarista na construção do SUS, através de uma videoconferência intitulada “O PCB, o movimento sanitarista e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)” que está disponível ao público, no seu canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=sZSxDDPzGUI). Escutar a história viva, a partir de personagens reais, é um exercício importante para minha geração (nascida na década de 1980) e para as gerações seguintes. De igual importância é a aprendizagem sobre nossa história, despida, na medida do possível, de preconceitos e assuntos mal compreendidos.

Dentre estes, destaca-se a generalizada confusão que o senso comum faz do comunismo. Isso veio à tona mais uma vez em nosso 7 de setembro, com bizarros cartazes propondo o “afastamento” do comunismo de nosso país. Não é algo novo, mas persistente no imaginário de muitas pessoas. É pouco sabido, por exemplo, que a expressão “viva o SUS”, talvez uma das mais bradadas desde 2020, carrega uma profunda herança comunista, que contribuiu decisivamente para um dos mais avançados e democráticos sistemas sanitários do mundo.

Em entrevista concedida ao site jornalístico “Outras Palavras” (https://www.youtube.com/watch?v=WOEXvTeJsak&t=267s), Sônia Maria Fleury Teixeira (importante estudiosa e militante da reforma sanitária, uma das fundadoras do pioneiro Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), ao final da década de 1970) reconhece que, a despeito das concepções e estudos que avançaram para uma compreensão abrangente de uma Saúde Coletiva, inclusive pelo próprio CEBES, a mobilização e organização política para a concretização das propostas ficaram sob a responsabilidade dos integrantes do PCB, mesmo durante os difíceis anos da Ditadura.

O PCB conseguiu, antes mesmo do nascimento do SUS, realizar rupturas moleculares com a pesada lógica previdenciária que regia nossa seguridade: a saúde era, nada mais, que uma prestação previdenciária para alguns trabalhadores urbanos com carteira de trabalho assinada. Os rurais sequer tinham acesso ao sistema previdenciário stricto sensu. Apenas para dimensionar o tamanho dessa empreitada, ao longo da década de 1980, inúmeros quadros do PCB ocuparam postos no Poder Executivo, em especial no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e contribuíram decisivamente para emplacar, parcialmente, princípios estruturantes do SUS, como a universalização do acesso. Abriu-se, por exemplo, uma rubrica no orçamento do INAMPS para que este financiasse as Ações Integradas de Saúde (1983) - primeira ruptura real com a lógica previdenciária da seguridade, mantida a mesma, até então, desde sua origem em Vargas.

Sairia do escopo deste texto abrir essa discussão, através de marcos e personagens. O fato é que o SUS carrega uma história das mais exemplares, especialmente nos dias que vivemos. Comunistas, liberais, conservadores e inúmeros outros atores conseguiram pensar e trabalhar por uma pauta pública, inclusive com políticos dos mais variados espectros políticos no Poder Executivo, no Congresso, na Constituinte. Longe de ter sido um processo pacífico foi, antes de tudo, um marco de nossa democracia e da nossa república, de como elas podem e devem funcionar. Distanciamos-nos disso, mas ainda temos pilares da democracia e da república. Precisamos urgentemente qualificar a política, os partidos, a vida pública.

 

Rio, 9 de setembro de 2021



[1] Professor do Município do Rio de Janeiro


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