Viva
o SUS, Viva o Povo Brasileiro!
Tiago Martins Simões[1]
Há algumas interpretações de
que, no Brasil, a modernização foi (e é) um processo lento e molecular, sem
rupturas no formato de revoluções europeias do século XVIII. Trata-se de
correntes que buscam compreender o que há de singular em nossa história e
interpretá-la a partir de chaves de longa duração. A história do Sistema Único
de Saúde, em sua maior parte, infelizmente pendeu para o lado oposto, como se o
mesmo houvesse saído da Constituinte como uma faísca, ainda que nela resida
parte importante de sua construção. De outra parte, deixou mal caracterizada
sua conformação política nos anos que antecederam esse nascimento, em especial
a partir do final da década de 1970.
Recentemente, uma feliz
iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira, no contexto preparatório dos 100
anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mobilizou personagens importantes
de uma geração que participou do movimento sanitarista na construção do SUS,
através de uma videoconferência intitulada “O PCB, o movimento sanitarista e a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS)” que está disponível ao público, no seu
canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=sZSxDDPzGUI). Escutar a história viva, a
partir de personagens reais, é um exercício importante para minha geração
(nascida na década de 1980) e para as gerações seguintes. De igual importância
é a aprendizagem sobre nossa história, despida, na medida do possível, de
preconceitos e assuntos mal compreendidos.
Dentre estes, destaca-se a
generalizada confusão que o senso comum faz do comunismo. Isso veio à tona mais
uma vez em nosso 7 de setembro, com bizarros cartazes propondo o “afastamento”
do comunismo de nosso país. Não é algo novo, mas persistente no imaginário de
muitas pessoas. É pouco sabido, por exemplo, que a expressão “viva o SUS”,
talvez uma das mais bradadas desde 2020, carrega uma profunda herança
comunista, que contribuiu decisivamente para um dos mais avançados e
democráticos sistemas sanitários do mundo.
Em entrevista concedida ao site
jornalístico “Outras Palavras” (https://www.youtube.com/watch?v=WOEXvTeJsak&t=267s), Sônia Maria Fleury Teixeira (importante estudiosa
e militante da reforma sanitária, uma das fundadoras do pioneiro Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), ao final da década de 1970) reconhece
que, a despeito das concepções e estudos que avançaram para uma compreensão
abrangente de uma Saúde Coletiva, inclusive pelo próprio CEBES, a mobilização e
organização política para a concretização das propostas ficaram sob a
responsabilidade dos integrantes do PCB, mesmo durante os difíceis anos da
Ditadura.
O PCB conseguiu, antes mesmo do
nascimento do SUS, realizar rupturas moleculares com a pesada lógica
previdenciária que regia nossa seguridade: a saúde era, nada mais, que uma
prestação previdenciária para alguns trabalhadores urbanos com carteira de
trabalho assinada. Os rurais sequer tinham acesso ao sistema previdenciário stricto sensu. Apenas para dimensionar o
tamanho dessa empreitada, ao longo da década de 1980, inúmeros quadros do PCB
ocuparam postos no Poder Executivo, em especial no
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS),
e contribuíram decisivamente para emplacar, parcialmente, princípios
estruturantes do SUS, como a universalização do acesso. Abriu-se, por exemplo,
uma rubrica no orçamento do INAMPS para que este financiasse as Ações
Integradas de Saúde (1983) - primeira ruptura real com a lógica previdenciária
da seguridade, mantida a mesma, até então, desde sua origem em Vargas.
Sairia do escopo deste texto abrir
essa discussão, através de marcos e personagens. O fato é que o SUS carrega uma
história das mais exemplares, especialmente nos dias que vivemos. Comunistas,
liberais, conservadores e inúmeros outros atores conseguiram pensar e trabalhar
por uma pauta pública, inclusive com políticos dos mais variados espectros
políticos no Poder Executivo, no Congresso, na Constituinte. Longe de ter sido
um processo pacífico foi, antes de tudo, um marco de nossa democracia e da
nossa república, de como elas podem e devem funcionar. Distanciamos-nos disso,
mas ainda temos pilares da democracia e da república. Precisamos urgentemente
qualificar a política, os partidos, a vida pública.
Rio, 9 de setembro de 2021
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