domingo, 25 de fevereiro de 2018

CORRIDA AO OSCAR: A Forma da Água

 
O MUNDO LÍQUIDO DE GUILLERMO DEL TORO

Em homenagem ao centenário de Nelson Mandela

Por Pablo Spinelli
Autores emblemáticos das Ciências Sociais, Norbert Elias e Zygmunt Baumann, ganharam apelo popular e uma demanda mais juvenil a partir de inserções de parte de seus trabalhos nas últimas provas do ENEM. Ambos tiveram seus trabalhos reconhecidos na Academia quando já estavam numa idade bem madura. Algo semelhante ocorreu no campo da literatura com o português José Saramago, autor que convocaremos mais abaixo. O polonês Baumann e o alemão Elias trouxeram, cada um de forma específica, uma herança de outro “maldito” na Academia, Georg Simmel, hoje, bem mais popularizado que Sartre ou Durkheim no mundo universitário. Em todos os citados – à exceção de Saramago – há o problema da “questão judaica” como um obstáculo para seus nomes terem figurado em Universidades europeias. O que isso tem com a resenha de um filme? - o ansioso leitor ou a inquieta leitora pode se perguntar. O tema da modernidade que causa distância, o avanço do mundo urbano que cria isolamento, a polidez dos costumes e das pulsões dos indivíduos que em troca, recebem isolamento, o avanço dos direitos com a permanência dos outsiders. Todos esses pontos foram abordados – cada um com sua ênfase -  por Simmel, Elias e Baumann.


Pois bem, esses são os temas da belíssima fábula “A forma da água”. O mundo líquido aparece das mais distintas formas da vida rotineira e sem sentido da personagem vivida por Sally Hawkins. O líquido e o tempo. Tempo para acordar, para cozinhar ovos, para o prazer solitário no banho. Vítima da orfandade, cabe a essa subalterna que não pode falar, ser a guia da cooperação, tema caro a um outro  cientista social, Richard Sennett. Uma muda que fala mais do que todos, pois fala pela emoção e pela razão. A sua política é na defesa da humanização daqueles que são desumanizados nos anos 1960 em plena Guerra Fria – ambiente de The Post – os outsiders dos EUA que nos são tão próximos: uma mulher subalterna muda que é vítima de assédio; uma negra que convive com um machismo da classe subalterna; um idoso homossexual recolhido à nostalgia dos musicais; um espião soviético em território hostil. A unidade desse grupo ganha força e músculos quando decidem olhar o outro e perceber o quão ele pode ser humano se houver aquilo que é caro para outro “querido” do ENEM – o filósofo alemão Jurgen Habermas – a relação dialógica em tempos de intolerância. Esse grupo seria “Os Vingadores” do mundo das coisas reais.
 
A fábula de Guillermo Del Toro tem endereço certo: a intolerância e a violência personificada pelo competente Michael Shannon, cujo personagem militarista que estimula a indústria automobilística dos EUA com um carro azul-petróleo de forma sutil evidencia os patrocinadores do atual mandatário estadunidense. Além da aparecerem o racismo contra os negros e a homofobia.
O fato de o monstro aquático ter sido capturado na Amazônia em uma suposta ação frustrada de uma exploração dos EUA no petróleo da região nos evoca de Monteiro Lobato e a criação da Petrobras ao “bolivarismo”. A personagem feminina principal quer amizade, companhia e amor. Com isso, desbrava obstáculos e se aproveita da invisibilidade que as profissões subalternas têm para fazer a sua política de salvação do Outro- sob os auspícios de Carmem Miranda, uma das várias citações da música latino-americana no filme que lembram o que esse subcontinente contribuiu para a cultura mundial.
O cineasta dá indícios desde o início de como terminará sua fábula. O nome do cinema que cita o mito de Orfeu é claro. Além do mito de Orfeu, Del Toro, como bom representante da América Latina, nos coloca como filme do cinema vazio “A história de Rute”, a mesma que liberta Malon da sua pedreira, segundo a Sagrada Escritura.
 

Destacamos outra questão da película: como se inserir numa sociedade onde a tecnologia pode diminuir com o poder da arte individual e prefere a reprodutibilidade técnica como produto? Essa é a temática do embate entre fotografia e a ilustração. De forma sutil, é o embate do cinema vazio com os serviços de demanda cinematográfica doméstica. O cinema vazio é a demonstração da falta de sociabilidade tal qual o personagem que só consegue viver do passado mítico através da nova tecnologia: a televisão.
A presença feminina é importante. Enquanto em “O Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago, uma mulher conduzia a todos à liberdade, em “A Forma da Água” cabe a outra mulher, vítima de uma violência infantil que a deixou muda buscar o diálogo. Ressaltamos o papel do personagem coadjuvante espião comunista. Através dele temos uma noção do horror que foi a Guerra Fria, uma advertência para os saudosistas de “dias de um futuro esquecido”. A URSS da época da Crise dos Mísseis (enquanto The Post desconstruiu a imagem positiva de Kennedy, aqui o mesmo acontece a Kruschev) não era o “Paraíso Perdido”.
Por fim, a tragédia de uma Eurídice dos tempos modernos acaba por dar uma  volta no parafuso das teorias de Baumann. Será a liquidez, o fim dos tempos ou há espaço para a democracia, diálogo, leveza e amor quando houver a imersão da cooperação e da solidariedade em nossas mentes e corações?

domingo, 18 de fevereiro de 2018

CORRIDA AO OSCAR - The Post: a guerra secreta



THE POST: O RESGATE DO SOLDADO SPIELBERG
Em homenagem às três décadas da Constituição brasileira
Por Pablo Spinelli 
Steven Spielberg teve uma trajetória ziguezagueante na sua produção cinematográfica de quatro décadas. Foi rotulado nos anos 1980 como diretor para crianças e adolescentes a partir de filmes dirigidos ou produzidos por ele, tais como E.T., Indiana Jones, De Volta para o Futuro; Os Goonies, dentre outros clássicos da cultura pop daquela época. Esse rótulo acabou por diminuir algumas pérolas do cineasta. Antes de Ghost, um grande sucesso nos anos 1990, Spielberg já havia dirigido uma história de um fantasminha camarada (Além da Eternidade); dirigiu um dos mais belos filmes que associam o tema da escravidão com o protagonismo feminino (A Cor Púrpura) e expôs fantasia e guerra antes do filme italiano “A Vida é Bela” em “Império do Sol”. Nos anos 1990, cansado do rótulo de um desdém da Academia e da crítica ao conteúdo da sua obra apostou na temática judaica na II Guerra, apelo que sensibiliza sempre a Hollywood. Aí temos o clássico “A Lista de Schindler” e seu Oscar como diretor. Poucos anos depois encontra aquele que será seu melhor cúmplice como ator, Tom Hanks, no extraordinário “O Resgate do Soldado Ryan”. Apesar de um sucesso de bilheteria como Jurassic Park, seu público ou envelheceu ou lhe deixou de ser fiel, assim como a crítica já não lhe era mais benfazeja como se viu em filmes como O Terminal, Prenda-me se for capaz ou Guerra dos Mundos.
Após filmes de certa polêmica como Munique e As Aventuras de Tintim, o diretor enveredou para temas duros, sem se preocupar mais com o público e se desloca do centro político para um olhar de esquerda moderada, uma volta às suas origens de simpatizante declarado do Partido Democrata. Com o denso Lincoln (2012) quando sua história é a clareza de um Maquiavel que vê a política sem moral (moral sem a conotação do bem ou do mal, para deixar claro). Eis que o diretor volta à cena e dá um Oscar ao seu ator. Naquele filme Spielberg mostra o outro lado do “fim justificar os meios”. É esse o caminho que ele nos dá em A Ponte dos Espiões – ritmo lento, histórico, com densidade psicológica, silêncios, destaque para atores. Seu caminho do Maquiavel da República democrática culmina no recente The Post.
 
Steven Spielberg - Diretor de Cinema

A crítica brasileira associou o filme com o recente Spotlight. Mas entendemos de forma diversa. O filme é recheado de intertextualidade que exige um espectador ativo, que não tenha um olhar passivo aos detalhes. Spielberg talvez tenha construído sua obra mais exigente para a reflexão e participação d espectador. Há um duplo diálogo no seu filme. Um é obrigatório pelas exigências da História. O editor protagonizado por Tom Hanks é o mesmo que foi retratado no filme clássico e obrigatório “Todos os Homens do Presidente” (1976) e o jornal que denunciou os malfeitos do Presidente Richard Nixon é o mesmo, o The Washington Post. A homenagem ao filme que lhe antecedeu é simpática na passagem quando o futuro delator dos papéis secretos de Washington passa por uma sala cheia de cartazes, dentre eles, o do filme “Buth Cassidy”, co-estrelado por Robert Redford, que também co-estrelou “Todos os Homens”. Mas se por um lado Tom Hanks reforça o apelo democrata à liberdade de expressão num claro movimento de protesto ao discurso midiático contra a mídia de Donald Trump, o diretor e o roteiro desconstroem uma atriz que precisava de uma injeção de renovação que é Meryl Streep. No filme, mesmo sendo editora de um jornal familiar que está abrindo seu capital no mercado de ações – algo que mostra a gênese do comprometimento da mídia atual com seus acionistas mais do que com a verdade dos fatos – ela não é a “Dama de Ferro”, filme que fez interpretando Margareth Tatcher, porém, está mais próxima de outro filme que lhe deu grande projeção nos anos 1980, “A escolha de Sofia”. Ali, a personagem de Streep fica em vários dilemas: proteger amigos? Expor a verdade dos fatos? Preocupação com os acionistas? Ficar ou sair da zona de conforto? Quando faz sua escolha acaba por justificar sua “milésima” indicação ao Oscar. Sem bandeiras clichés do feminismo atual, a descida da personagem na escada é um exemplo do protagonismo da mulher cercada de homens, como se vê na redação de um jornal dos anos 1970, diferente dos telejornais e das rádios atuais.
Mas citávamos a intertextualidade do filme e a exigência que ele provoca quanto à atenção do espectador. Por que Clinton perdeu? Como a esquerda e o centro democrático perderam uma eleição para um Berlusconi americanizado? Para responder a essa pergunta Spielberg dialoga criticamente com outro cineasta ao longo do filme e com seu esquerdismo peculiar. Oliver Stone. Parte das obras de Stone aparece no filme como reforço ou para serem desconstruídas. Começa com Platoon. Avança para Snowden. Caminha para JFK, de onde há a maior autocrítica que um diretor democrata jamais fizera no cinema: Kennedy teve ordem ativa no Vietnã, diferente do que Stone colocou em “JFK”. Passa por um paraplégico ex-combatente em um protesto: Nascido a 4 de Julho. E termina com Nixon. O posicionamento de Spielberg e do roteiro são de deferência a Stone, mas ao mesmo tempo de crítica à crítica pela crítica. O filme ainda brinca mais com a intertextualidade. Homenageia Tom Hanks em dois momentos. O primeiro ao atender um telefone e ouvir que “nós temos um problema”, frase que ele deixou em Apolo 13. O segundo é o final, que faz lembrar o inesquecível Forrest Gump que “denunciara” o Watergate. Além disso, a escolha de elenco não é à toa, nos ensina Spielberg. As produções cinematográficas não são – em sua maioria – apenas para comer pipoca, conversar durante a sessão ou namorar. São para refletir também. Diante de um grande problema, o que fazer? Better call Saul. Para quem viu a série Breaking Bad ficará claro que a solução de um grande problema é resolvida pelo ator Bob Odenkirk. Mas a solução de verdade não está nas delações. Não está nos furos da mídia. Não está no protagonismo do Judiciário. A solução de verdade está na Constituição. Esse é o legado de Steven Spielberg.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Filmes de 1968


A Glória d`O Bebê de Rosemary
Por Pablo Spinelli
O cineasta Roman Polansky talvez seja mais conhecido por conta do processo judicial criado nos EUA ainda nos anos 1970, ou pela tragédia com a sua esposa (a atriz Sharon Tate) que foi vítima da invasão de um bando de fanáticos religiosos liderados por Charles Mason que culminou no seu violento assassinato da atriz Sharon Tate, que estava grávida. Os mais ligados ao cinema talvez lembrem do filme que lhe rendeu o Oscar de Direção, “O Pianista”, carregado de passagens de sua família e de sua própria história no período do gueto de Varsóvia determinado por nazistas, algo a ser revisto em dias das mais diversas segregações, de refugiados à Cidade de Deus, de mexicanos aos opositores na Venezuela. A minha obra favorita desse cineasta que trabalhou os diversos gêneros é o excelente “Chinatown” (1974). Filme que teve menor sucesso em premiações e nas citações dos amantes do cinema porque na mesma época foi lançado “O Poderoso Chefão – parte II”. Contudo,  o nosso foco aqui é o filme que completa meio século do então jovem cineasta, “O Bebê de Rosemary”.
Esse filme revisitou o gênero do terror sem recriar os antigos personagens como vampiros ou lobisomens, que estranhamente voltaram à moda.  Seu personagem maligno é a essência mais pura do Mal. Satanás. O filme seria muito ruim caso fosse dado para um cineasta dos EUA, com raras exceções. Polansky carrega em seus filmes muito do que aprendeu na Academia de Cinema da Polônia socialista, da literatura do centro-europeu e, curiosamente, uma adoração pela literatura brasileira a partir dos livros que via enquanto adolescente de Jorge Amado, como “Capitães da Areia” (de certa forma, um tema que reaparece em outro filme seu, “Oliver Twist”).  O que quero dizer com isso tudo? Não espere ver sangue derramado, gritos histéricos de adolescentes, uma música de estourar os ouvidos nos momentos mais tensos. É um filme que domina você lentamente e sem perceber, sua respiração fica mais ofegante, suas pálpebras abertas e a tensão psicológica criada pelo diretor é criada pelo silêncio e por sugestões.


A história é baseada em um livro de baixo valor literário, de Ira Levin. O Diretor conseguiu perceber nessa trama um paralelo com um dos enredos mais clássicos da Europa: Fausto. A história do homem que vende a sua alma ao Diabo é o argumento do filme. Mas o terror psicológico é que a alma vendida não é a sua. Ele permite que sua mulher, sem saber, gere o filho de Satanás. O mais sombrio é que isso parte de um casal de idosos simpáticos, vizinhos do ator que quer o sucesso e estrelato, vivido pelo grande e esquecido John Cassevetes e pela sua doce mulher frágil e um tanto submissa nos dias de hoje, a polêmica Mia Farrow. Será do seu ventre que nascerá o filho da contenda e da discórdia. Os idosos pertencem a uma seita e convencem o marido que a melhor forma de conseguir sucesso rápido é com o pacto com Asmodeu. Polansky usa um artifício antigo de Alfred Hitchcock. O espectador sabe o que está ocorrendo e sofre por não poder ajudar a jovem mãe, que desconhece toda a trama. Assim, ele nos faz de cúmplices silenciosos e indefesos do que pode acontecer. Mais não falarei por conta das síndromes de “spoilers” que tantos detestam.

 
Sim, e daí? Pergunta o paciente leitor dessas linhas. Por que falar de “O Bebê de Rosemary”? Por que fez 50 anos? Também. Pois manteve uma atualidade dramática que não envelheceu, com o elenco excelente – a vizinha idosa, Ruth Gordon, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante, feito raro para um filme de terror. Mas a metáfora da venda da alma – anda mais quando não é a nossa, mas a do outro, por fama, sucesso, perenidade é algo que muito nos diz em uma modernidade líquida. Sem evangelismo na nossa proposta, perguntamos: o que e o quanto estamos dispostos a vender aos mais variados demônios do mundo para o sucesso, para a vingança, para a beleza eterna, para vitórias eleitorais que permitam que o poder fique na mesma família por duas, três gerações? Polansky nos convida a refletir sobre o ônus da glória, algo que ele sofreu e sofre – esotéricos vêem no filme uma maldição para a sua vida, esquecendo que ele reconstruiu sua carreira e sua família.  Outro ponto não menos relevante cabe à fortuna de Maquiavel. Ações que os homens não controlam.
O filme faz parte de uma trilogia básica para qualquer cinéfilo no gênero do terror moderno. Além dele há “O Exorcista” e “A Profecia”, os três extraídos de livros. Duas curiosidades. Spielberg teria se inspirado nessa onda de terror moderno, psicológico, para fazer um personagem maligno quase invisível, um tubarão. E o prédio onde foi rodado Bebê de Rosemary foi o mesmo onde John Lennon residia quando foi covarde e estupidamente morto anos depois. Morbidez à parte, o filme vale para o enriquecimento da cultura cinematográfica, para conhecer a obra rica de Polansky, para ver (ou conhecer) o tema do Fausto em tempos modernos. Será que uma família venderia sua alma para fazer parte de programas de televisão? Para o religioso Diretor, seu final nos diz que nos resta é esperar o Livro das Revelações. Antes que ele venha, veja o filme.


terça-feira, 30 de janeiro de 2018

ENTREVISTAS: BRASIL 2018 - PROFESSOR RICARDO MARINHO


O Editor do BLOG VOTO POSITIVO conhece o entrevistado abaixo há quase 30 anos. Foi o sentimento de fazer avançar a política democrática consagrada na Carta Constitucional de 1988 que reforçou nossos laços. Seu gosto pela leitura e sua capacidade de análise de conjuntura sempre nos admirou. E assim... O tempo foi passando com Ricardo Marinho ganhando espaço no mundo acadêmico. Professor de História na UNIGRANRIO. Mestre pelo “antigo” IUPERJ. Doutorou-se pelo CPDA – UFRRJ. Em 2013/2014 fez Pós-Doutorado na UERJ.

Na entrevista abaixo ele nos fala um pouco sobre a conjuntura política brasileira após o julgamento de Lula em 24 de janeiro.
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1) Em relação ao julgamento em segunda instância do ex-Presidente Lula, qual dinâmica ganharia as eleições presidenciais?

Ricardo Marinho - A candidatura que souber abraçar o anseio socialdemocrata clássico que pulsa e vibra na sociedade.
2) Se a Lei da Ficha Limpa (assinada na gestão de Lula) impedir a candidatura petista, você considera que as eleições de 2018 seriam uma farsa?

Ricardo Marinho - Está claro que nenhuma força politica trabalha com a ideia de que as eleições de 2018 serão uma farsa quiçá o contrario. O PT é um partido legal e que poderá disputar as eleições como todas as demais agremiações que assim desejarem.
3) Como o Senhor avalia a possibilidade do ex-Presidente Lula lançar uma segunda Carta ao Povo Brasileiro? O Lula, ao contrário do PT, estaria acenando para o centro político?

Ricardo Marinho - Qualquer que seja a carta que o ex-presidente ou qualquer outro que deseje ser presidente venha a apresentar a sociedade o seu teor precisa contemplar o anseio socialdemocrata clamado por ela desde 2013. Tanto o ex-presidente ou qualquer outro que deseje ser presidente sabe que o centro politico é uma realidade e sua vertente democrática precisa estar presente no bom governo democrático tão aguardado pela sociedade como resultado de 2018.
4) Em que medida as eleições presidenciais vão influenciar nas alianças majoritárias no Rio de Janeiro? Qual seria o palanque preferencial de Lula no Estado do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - O Rio de Janeiro passa por uma crise que em grande medida é sentida por todo o Brasil. A sociedade acompanha avida que as forças politicas do Estado saibam se comportar diante do desafio que se apresenta para todos e ela também comunga do sentido socialdemocrata que já mencionei. Se o ex-presidente for candidato o palanque deve ser representativo desse caminho.
5) O PMDB fluminense é um bom aliado para as próximas eleições estaduais? Qual força política poderá emergir no estado do Rio de Janeiro nas próximas eleições?

Ricardo Marinho - O MDB possui em seus quadros políticos que não se macularam com o que a cúpula hegemônica dessa agremiação acabou por fazer ao colaborar para a crise que nos assola. Dessa forma, as forças do MDB que lutaram contra essa cúpula e que se colocarem no campo moral e intelectual do clamor da socialdemocracia do povo poderá vir a colaborar com as demais forças politicas, emergentes ou não, que desejam representar esse sentimento.
6) O Senhor avalia a possibilidade de uma composição na eleição majoritária do Rio de Janeiro entre o ex-Prefeitos Eduardo Paes e César Maia?

Ricardo Marinho - Tanto os ex-prefeitos do Rio de Janeiro como as demais forças politicas precisam ter a clareza de que o melhor caminho é aquele que mostre a sociedade à unidade necessária diante da crise que nos assola e isso está em sintonia com o sentido socialdemocrata do povo.
7) O Senhor avalia que o Deputado Jair Bolsonaro será o “grande eleitor” nas eleições do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - O deputado citado foi expressivamente eleito nas eleições de 2014. Para o momento segue sendo um personagem importante para os seus eleitores. Mas para ser o ator que o nosso tempo precisa demandara dele um caminho inverso ao que tem feito até o momento.
8) Qual o balanço que o Senhor faz do primeiro ano do mandato do atual Prefeito do Rio de Janeiro?

Ricardo Marinho - Esse primeiro ano dos prefeitos eleitos em 2016 foi muito difícil uma vez que a crise se acentuou sobremaneira em 2017. De qualquer forma, uma coisa é possível se dizer: o prefeito ainda não se encontrou com a alma do carioca e talvez nunca venha a fazê-lo. Como 2018 que se inicia será tão ou mais difícil que o ano findado devemos seguir acompanhando os passos do mandatário e ver como ele se posiciona diante de suas próprias promessas de campanha que até o momento não foram cumpridas.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

OSCAR 2018 - OS INDICADOS

O VOTO POSITIVO é a "Centelha" da formação de opinião. Com esse objetivo, realizamos uma entrevista com o Professor Pablo Spinelli sobre os indicados ao Oscar 2018 e suas principais tendências. O entrevistado aposta na luta contra todos os muros. Confiram abaixo.
 
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Foto do Jornal Extra (2014)
 

1)      Após o primeiro ano de Governo Donald Trump, poderíamos dizer que as indicações ao Oscar de 2018 estariam mais politizadas? Em que sentido?
Pablo Spinelli - As indicações seguiram uma direção semelhante ao ano anterior. Há abordagens de cunhos identitários, como no caso de negros, homossexuais e um ativismo feminismo. Além disso, aparecem dois filmes que dialogam entre si; “O Destino de uma Nação” e “Dunkerk”, cuja temática é a derrota vitoriosa, algo de difícil digestão para os públicos mais jovens que são inundados por um heroísmo mítico que tem a vitória – seja a que preço for – como meta alcançada.
2)      Algum filme indicado poderia ser apresentado como a grande “barbada” para ganhar o Oscar 2018? Ser o mais indicado nas diversas categorias não seria alguma tendência? 
 
Pablo Spinelli - Seguindo a linha de raciocínio acima, vejo algo semelhante ao filme que já deu um Oscar a um mexicano. O tema do muro é um tema muito duro nos EUA – isso aparece muito nas séries de televisão – e que pode fazer com que Guillermo Del Toro e sua “A forma na água” seja a barbada. Há a inclusão de uma personagem subalterna com uma criatura estranha dirigida por um mexicano. É muita provocação ao atual governo, como foi o caso de Moonlight ano passado. Vale lembrar que o tema da surdez esteve presente em nosso ENEM, assim, um bom motivo para o filme ser visto. José Saramago escreveu um livro sobre cegueira. O tema da surdez é um tema contemporâneo. E a que melhor escuta é uma mulher. Creio que há pontos convergentes entre as duas obras, com as devidas proporções.
3)      Como o público brasileiro poderá reagir aos filmes indicados nos cinemas brasileiros? O Oscar ainda atrai um público aos cinemas nacionais? E o público jovem?
Pablo Spinelli - Não é o Oscar que atrai menos os jovens.  É o cinema. Com o uso das mais diversas ferramentas para que se veja filmes em casa ou até andando pela rua, nas mais diversas classes sociais, o Oscar ficou mais para um grupo pertencente à classe média ou a uma geração mais velha. Há de se lembrar que a cerimônia é tardia,  passa num domingo à noite, termina por volta das quatro da manhã em período de escola ou de trabalho. Cabe salientar que nem a emissora de sinal aberto dá a atenção devida à cerimônia, pois prefere mostrar seu decadente BBB.
4)      Em relação aos indicados para Melhor Diretor, a ausência de Steven Speilberg sugere alguma coisa? A indicação de Chistopher Nolan (“Dunkirk”) poderia indicar uma mensagem liberal norte-americana da Academia de Hollywood para os europeus?
Pablo Spinelli - Spielberg, Woody Allen, Scorsese e Coppola são nomes que levam ou levavam cinéfilos jovens ou pessoas com mais de 40 anos. Spielberg mudou muito suas temáticas, adotou uma linha mais conservadora em seus filmes. Não diz à juventude de hoje o que dizia nos anos 1980. A Academia mudou seus eleitores, está mais plural. José Padilha e Fernanda Montenegro, por exemplo, votam. Isabelle Huppert, uma atriz francesa extraordinária, foi indicada, nada ganhou, mas é uma radiografia dessa “globalização” das indicações. O que não se pode confundir a indicação com os interesses mercadológicos. É uma indústria. Aposta em cavalos que podem vencer várias corridas ou cavalos que tiveram bons serviços prestados, como Meryl Streep e Christopher Plummer. Os  europeus sempre foram menos protecionistas aos estadunidenses, como pode ser visto em vencedores de Cannes. Creio que haja uma tendência para maior diversidade étnica nas indicações, algo que se vê há cerca de dez anos.
5)      Na categoria Melhor Ator, o ator republicano Gary Oldman é o favorito? O sectarismo de Hollywood poderia influenciar na premiação?
 
Pablo Spinelli - Não seria tão pesado com a qualificação de Oldman. Ele se destacou nos anos 1970 fazendo um músico anarquista punk drogado, líder dos “Sex Pistols”. Assim como fez o melhor Drácula do cinema e trabalhou no filme que lançou Natalie Portman ao cinema, o memorável “O Profissional”. Sua participação na saga Harry Potter e na de Batman, do citado C. Nolan, o aproximou de um público mais jovem. Acredito que seja mais pela atuação difícil de Churchill da incorporação, do que o Churchill da “cortina de ferro”. Interessante que ele tem como adversário o “Lincoln”, Daniel Day-Lewis (Hugh Jackman foi esquecido). Em momentos de crise política o cinema invariavelmente faz cinebiografias para resgatar da história algo que possa nortear as trevas do presente. Não é o caso do Brasil quando fez “Lula”.
 
6)      Na categoria Melhor Atriz, a indicação de Frances McDormand (“Três anúncios de um assassinato”) ou de Sally Hawkins (“A Forma da Água”) sugerem tendências diversas?
 
Pablo Spinelli - Nesse caso, provocado pela sua pergunta anterior, se Oldman fica numa camisa de republicano, a McDormand é nitidamente uma atriz de perfil Democrata, basta ver sua relação pessoal e profissional com os irmãos Coen. O fato de ser uma veterana que se despe de maquiagens para o caso da dor de uma mãe cuja filha foi estuprada é uma boa “barbada” em épocas onde o tema do assédio é forte nos EUA. Todas as outras atrizes, com exceção de Meryl Streep serão indicadas mais vezes e podem ganhar suas estatuetas, como aconteceu com Natalie Portman e Emma Stone (ausência sentida, assim como o extraordinário Steve Carrel, ambos por “A guerra dos sexos”)
 
7)      Mais uma vez o Brasil ficou ausente da indicação da categoria Melhor Filme Estrangeiro com o filme “Bingo”. O cinema brasileiro está numa crise de realização? Já imaginou o filme “Marighella” (estreia de Wagner Moura na Direção) como indicado ao Oscar em 2019?
 
Pablo Spinelli - O filme “Bingo” não teve a acolhida que merecia nem no Brasil. Foi um trabalho primoroso  do seu ator principal, da produção, direção de arte e, algo raro no país, roteiro. O filme teve um papel mais evangelizador que “Os 10 Mandamentos” ou algo do gênero. E isso foi feito de forma suave, sutil. Seu final aponta  para o crescimento do pentecostalismo nas artes, nas mídias, no judiciário, nos esportes, entre intelectuais, para o bem ou para o mal, mas é um dado sociológico que o filme abordou com muita elegância. Não vi o movimento neopentescostal apostar em um filme que inclusive criticava a emissora de  televisão mais criticada pelo movimento! O filme do Marighella é uma bonita demonstração do que os antropólogos chamam de “baianidade”. Não creio que terá uma repercussão nos EUA um tema de  um “velho comunista” que vai para guerrilha e cria um manual subversivo para a luta armada. Em tempos de Estado Islâmicos, terroristas outsiders, terrorismo de Estado, não é algo palatável. Assim como não o será aqui, um filme que vai colocar mais lenha na fogueira da polarização. Espero que Wagner, com todo seu talento e carisma, pense em nomes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, ou, se quiser ficar entre os baianos, a trajetória de Jorge Amado contada em “Navegação de Cabotagem”, que daria um lindo filme de amor e de política. Sobre a crise de realizações, algo positivo no ar. Apesar do enorme sucesso de “falar sério”, vejo um declínio nas obras de Roberto Santucci. Os  filmes de humor com Porchat, Mazzeo, Hassun, existem em qualquer país, isso não é ser pequeno. Na França, Depardieu faz filmes assim, basta  ver a NETFLIX. Nos EUA, o que é Adam Sandler? O que não podemos é ficar refém de filmes assim e produzir filmes menores que falam somente para um círculo de estudantes da PUC ou do IFCS. Precisamos de roteiros que contem histórias, e não tratados de Sociologia. Isso é melhor feito pelos argentinos e seus relatos selvagens.
 
8)      O que o Senhor aconselharia ao jovem brasileiro assistir a partir dos filmes indicados ao Oscar de 2018?
 
Pablo Spinelli - O jovem já deve ter visto Star Wars, que ganhou várias indicações. Ali veria como Luke Skywalker virou um ortodoxo da  doutrina Jedi e que Yoda, sempre ele, o aconselha a parar de bobagem e fazer o que tem que fazer. O filme “Corra!” foi muito bem recebido pelos jovens por ser um filme de terror com temática zumbi. A questão é saber se entenderam o discurso contra o racismo no filme. Aliás, se entendem que os zumbis em séries e filmes também é uma alfinetada na juventude daqui e de alhures. Sugiro que tenham muita, muita paciência com os filmes com a temática da II Guerra. Um é verborrágico que trata da Grande Política. O outro, silencioso, que trata de uma fuga militar. O “Post” do Spielberg é uma provocação ao twitter do Trump, já cumpriu seu papel. Lady Bird irá agradar às meninas. O filme que passa na Itália sobre um relacionamento homoafetivo parece confirmar que todas as premiações terá um independente com essa temática.  Mas creio que o diálogo entre um monstrinho e uma surda será a vitória do México contra os EUA, pela terceira vez. E torcer para que nosso “Ferdinando” do competente Carlos Saldanha seja o vitorioso. Além disso, há uma animação sobre o dia dos mortos mexicano. Eu diria para os jovens que será o ano da tequila.


domingo, 21 de janeiro de 2018

ENTREVISTAS: BRASIL 2018 - VEREADOR CÉSAR MAIA (DEM)


Qual Brasil emergirá em 2018? Eis uma dúvida que passa por muitos. A democracia brasileira passa por um momento em que o centro político passa por um processo de reorganização. Além disso, o nacional-desenvolvimentismo foi abraçado pela extrema direita. O BLOG VOTO POSITIVO pretende abrir uma série de entrevistas para pensar o Estado do Rio de Janeiro dentro desse cenário político nacional. Políticos e intelectuais são convidados a responder algumas perguntas que podem ajudar nossos leitores a melhor refletir para depois agir.

Vamos começar com o Vereador César Maia (DEM-RJ) que respondeu as perguntas abaixo enviadas por e-mail em 21 de janeiro de 2018.

Por Vagner Gomes de Souza – Editor do BLOG VOTO POSITIVO

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1) Nos próximos dias teremos o julgamento em segunda instância do ex-Presidente Lula, qual dinâmica ganharia as eleições presidenciais após o julgamento?

César Maia - Primeiro há que se aguardar o resultado do julgamento. Sendo 3 x 0 abre espaço para um voto populista.

2) O DEM vai continuar aliado ao PSDB no cenário da sucessão presidencial? O Ministro Henrique Meirelles teria condições de recompor o centro político?

César Maia - O quadro é instável há que ter paciência e decidir no final do primeiro semestre.

3) Como o Senhor avalia a possibilidade do ex-Presidente Lula lançar uma segunda Carta ao Povo Brasileiro? O Lula, ao contrário do PT, estaria acenando para o centro político?

César Maia - Esse é uma NÃO hipótese.

4) Em que medida as eleições presidenciais vão influenciar nas alianças majoritárias no Rio de Janeiro? A candidatura do Deputado Jair Bolsonaro poderia “embaralhar” as alianças daqui?

César Maia - Certamente aqui e em todo o país terão influência. Não vejo como Bolsonaro possa embaralhar nada. Ele vai querer ficar bem com todo mundo.

5) O PMDB fluminense é um bom aliado para as próximas eleições estaduais? Qual força política poderá emergir no estado do Rio de Janeiro nas próximas eleições?

César Maia - Nem adivinhando. Os que dizem que não votam em ninguém são mais de 50%.

6) O DEM apoiaria o ex-Prefeito Eduardo Paes para Governador ou Senador nas próximas eleições? O Senhor aceitaria fazer uma composição na eleição majoritária com Paes?

César Maia - O ex-prefeito e o PMDB terão que tomar as suas decisões para o DEM avalia o caminho.  

7) O Senhor concorda com a venda da CEDAE para superar a crise financeira do Rio de Janeiro? Quais seriam as alternativas para superar essa crise?

César Maia - Há que se aguardar os desdobramentos já que há uma lei autorizando e um acordo com o ministério da fazenda.

8) Qual o balanço que o Senhor faz do primeiro ano do mandato do atual Prefeito do Rio de Janeiro?

César Maia - Nada se fez que imagino que esteja fazendo caixa. E já está fazendo uma reforma do secretariado.

sábado, 20 de janeiro de 2018

CARAVANAS DE CHICO BUARQUE

Caravanas pela Herança que não Renunciamos

Para Mila Pimentel

De Vagner Gomes de Souza
O Show Caravanas de Chico Buarque é um sucesso na mobilização do público carioca para se reencontrar com o seu perfil democrático. Nos caminhos e descaminhos da transição da democracia nos anos 80, o carioca se deixou seduzir pelo atalho do populismo. A sociabilidade carioca foi se distanciando do mundo da política e a renovação política foi se adiando.
O filho do sociólogo que ficou célebre pelo “Homem Cordial” faz um show que faz um balanço sobre os equívocos dessa postura sectária. Chico Buarque se manifesta na política pela sua poesia há muitos anos. Por isso, o roteiro das composições de seu show faz esse mergulho no passado com composições que nos lembram do pós 1968.
Duas vias eram polarizadas pela esquerda na luta contra a ditadura militar. De um lado aqueles que reclamavam de uma “esquerda frouxa” e defendia a resistência armada contra os militares. De outro lado, havia o caminho mais longo e complexo pela arte de saber renunciar algumas convicções (tese defendida pelos comunistas do PCB e que foi vitoriosa) que propunha recompor um centro político para isolar as vertentes autoritárias à direita. Foi essa trilha democrática que deu condições para a emergência do novo sindicalismo no ABC com a emergência de Lula.
Não detalharemos os intelectuais da tradição comunista pecebista que rodeavam o compositor nos anos 60/70. Mencionaremos simplesmente o Chico Buarque do Teatro com uma dessas referências para a pesquisa. Roda Viva (1967), Calabar (1973), Gota d´Água (1975) e Ópera do malandro (1978) representam a espinha dorsal da cultura política do Caravanas de Chico Buarque pois as letras desse período servem como um espectro a nos ensinar que esses tempos difíceis só serão superados com muita maturidade para fazer uma ampla unidade.
Das letras recentes de Chico Buarque, observamos seu amadurecimento poético com uma sutileza no questionamento da ausência da Grande Política da esquerda brasileira. Seus versos recentes, lidos com muita atenção demonstram que sua timidez é vencida em cada estrofe. Destacamos, “Dueto” que é uma epopeia crítica ao ódio nas redes sociais; “Caravanas” que seria a percepção gramsciana da cidade do Rio de Janeiro na comparação Ocidente e Oriente e “Blues para Bia” que questiona o sectarismo de uma americanização sem política na temática de uma “nova esquerda”. “Eu fiz este Blues para Bia/Mas Bia não vem me ouvir” e segue a canção que na última estrofe propõe uma invenção política.
Essa natureza criativa é uma linha da cultura política que os cariocas deixaram de lado permitindo a emergência de operadores políticos de esquerda que falam só para seu próprio público. O show de Chico Buarque é para divertir e, em seguida, para que todos que gritam um “bis” em forma de slogan político ao final, saber refletir sobre a herança que não renunciamos.


domingo, 12 de novembro de 2017

Nosso Tempo - O Julgamento de Sócrates (TEATRO)




O Julgamento do Nosso Tempo

Por Vagner Gomes de Souza

A Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é testemunha, ou seria melhor dizer, conivente com um andamento conservador de sua “revolução passiva”. A lógica do sectarismo de uma esquerda nostálgica induziu o carioca ao labirinto do Minotauro anti-Maquiavel (metade política e metade religião). O fundamentalismo está na base de outros segmentos políticos ou setores artístico-socioculturais. Falta muito a arte do diálogo e da reflexão. Por isso, somos reféns de uma crise mais profunda com a qual atravessa nosso país.
Muitos sábios defendiam uma “Era de Ouro” para a capital fluminense, porém estamos sem alternativas democráticas para sair do fundo desse poço. Seja nos cargos majoritários ou no desafio de renovar os quadros parlamentares no campo democrático. Gravíssima é a situação da precariedade da educação dos jovens que apontam para candidaturas autoritárias. Uma onda de Greves nas Escolas Públicas não criou uma legião de ativistas à esquerda. Pelo contrário, emergiu um variado perfil de neoautoritários sem formação nas letras: uma “SS das Redes Sociais”. O ano de 2013 foi a Primavera que logo se viu substituído pelo Inverno político de nosso atual gestor estadual com o complemento do gestor municipal de viés populista liberal/conservador.
Esse é o juízo que fazemos sobre nosso tempo na política carioca. Então, foi nessa lente que observamos a atuação de Tonico Pereira na peça “O Julgamento de Sócrates” (Teatro Cândido Mendes – Ipanema – Temporada: 03 de novembro até 17 de dezembro). Eu sei que nada sei sobre a crítica teatral contemporânea, mas confesso que essa é a peça política mais instigante e original desde o Impeachment da Mandatária Presidencial em 2016. Trata-se de uma peça brechtiana que alerta para os perigos das forças sociais que vivem na ignorância e se enquadram numa ação caluniadora do campo democrático. O ator celebra seus 50 anos de carreira com esse presente para o público carioca que está convocado a responder: “Quando o Rio de Janeiro se F...?”
Num breve prelúdio, o monólogo começa com lembranças das raízes agrárias do ator que veio de Campos dos Goytacazes. Um descendente de imigrantes italianos o qual nos deixa em prontidão para pensar no quanto conheceria Gramsci seja pela política, ou seja, pelo autor teatral Dario Fo. Então, a plateia percebe que o monólogo é um momento para se fizer pensar sobre nossos caminhos e nossos mentores. Quem seriam nossos Sócrates? Tonico Pereira cita alguns nomes de sua trajetória antes de encarnar o próprio Sócrates vitimado pela perseguição.
Filosofando com essa peça teatral, observamos que a Filosofia é muito importante para a formação da humanidade. A Filosofia que é deixada em segundo plano em tempos de reorganização das grades curriculares. Fazer pensar é um ato que faz muitos sentirem a indigestão, pois a máscara cai. Se sentir pertencente a classe oprimida pode gerar um ódio para aquele lhe fez essa revelação, pois estando consciente disso lhe resta dois caminhos: ou assumir que é um “capacho” dos poderosos ou deve ser um ser disciplinado para fazer as mudanças. Esse é o desafio imposto por Sócrates nessa livre inspiração na obra de Platão. “O Julgamento de Sócrates” é uma versão teatral da leitura sobre o mito da Caverna. O esclarecimento das camadas populares é um desafio contemporâneo.

Essa é uma peça profundamente didática para as forças políticas progressistas. Devemos estar abertos a ceder nossos pontos de vista inflexíveis para ganharmos gradualmente espaço. Ganhar o Governo não implica em ganhar a opinião da sociedade, muito se articulam para desconstruir pela via da mágoa. Nesse momento, todos aqueles que se sentem incomodados com as novas ondas moralizadoras na cultura precisam ganhar um pouco mais de inspiração reflexiva indo assistir essa peça. Mesmo que eu nada saiba que nada sei de Teatro. Posso afirmar que é a melhor peça teatral do ano.
Crédito da foto: Tonico Pereira Foto: Victor Pollak

 


domingo, 20 de agosto de 2017

O FILME DA MINHA VIDA


O Filme da Democracia
Em memória de Jerry Lewis (1926-2017)
 Por Vagner Gomes de Souza
 
Um belo presente recebe o público ao assistir o filme "O filme de minha vida" dirigido por Selton Mello. Trata-se de uma livre adaptação do livro Um pai de filme do chileno Antonio Skármeta que agrega um pouco de lirismo poético para refletirmos nossa conjuntura mundial e nacional. Esse é um filme que despolariza nossos corações em tempos de intolerantes marchas "neonazistas". O Diretor não apela para o "populismo cinematográfico" de considerar o drama nacional circunscrito a questão da violência urbana. Ele demonstra ser possível abrir uma outra perspectiva para olhar o Brasil.
 
Então, somos convidados a conhecer o Sul do Brasil. "O filme de minha vida" é uma interpretação do Sul do mundo a partir do Sul do Brasil. Um país solidário com a globalização dos de "baixo" como se percebe no jogo da prova oral sobre as capitais dos países numa cama de bordel. "- Bolívia..." Na estreia de um jovem docente nos prazeres da vida há um diálogo que nos faz lembrar desse Sul profundo.
Então, somos lembrados dos tempos em que a Rádio era uma força maior que a Televisão. Ainda mais se a estória se passa no Rio Grande do Sul da Rádio da Legalidade. Sem qualquer referência ao episódio histórico, essa leveza se permite ao concluir quando a personagem Paco faz uma crítica a vizinha que comprou uma TV. Seria uma sútil lembrança de Lorde Cigano (José Wilker) no celebrado filme circense "Bye Bye Brasil"? Eis aqui mais um giro em nossas reflexões sobre esse filme que poderia ser um olhar poético sobre a modernização sem o moderno.
 
Uma das cenas de inspiração felliniana do filme
 

Através de "O filme de minha vida" poderíamos entrar numa locomotiva de reflexões sobre nosso compromisso com a democracia. Não se faz um filme só pelo começo ou pelo final. O desenvolvimento de uma trajetória ganha relevância se observarmos que a ética da responsabilidade ganha impacto junto ao público. Celebra-se Federico Fellini ao resgatar a crítica social com o recurso da poética cinematográfica. De forma "mineira", ou seja, quase silenciosamente se opera uma interpretação democrática para se fazer uso do perdão.
Pela locomotiva, chegamos a "fronteira" como se fosse o "Velho Oeste" americano do Sergio Leone. Tudo fica melhor na companhia da belíssima fotografia de Walter Carvalho. E... Estamos no cinema acompanhando "Rio Vermelho" (1948) numa "ponte" com os elementos progressistas do americanismo. Assim, percebemos é esse o momento de reagrupar o sentimental e o reflexivo nas salas de cinemas.

 

domingo, 21 de maio de 2017

UM CONTO SURREAL

 

Um fantasma ronda um provável Colégio Eleitoral

Por Vagner Gomes de Souza
 
Nos últimos dias, Tancredo Neves tem ficado acanhado na tristeza no mundo do além. Na Mantiqueira Celestial, eis que ele está sem responder as mensagens de solidariedade diante dos acontecimentos terrenos que maculam a memória da sua família. Entretanto, o turbilhão nacional não passa em silêncio para todos os políticos que vivem no além... Político é vivo mesmo após estar morto! Essa é a filosofia típica da política brasileira que afirma: "No mundo de Brasília, quem tem um gravador é rei!"
Nos vôos pelo túmulo de Getúlio Vargas, para melhor compreender a crise, Tancredo Neves relembra os dias fervis de 1954. O "Partidão" querendo a "cabeça" de Vargas a qualquer custo... A UDN assanhada com a "República do Galeão". E, hoje, vivenciamos a "República das Gravações". Um momento de reflexão... Onde estaria seu antigo chefe gaúcho? Ele e João Goulart costumam pernoitar no outono e inverno em São Borja. Tempos de crise... Devem estar em reuniões com Oswaldo Aranha e outros maiorais na análise da conjuntura. Foi seu primeiro pensamento. Ulisses Guimarães lhe alertou em não fazer essa viagem desgastante para um espírito público do mundo celestial. Ulisses lhe aconselhou: "Vamos ficar unidos aqui... Ou acha que estou gostando com o que fizeram com o meu legado no MDB!?!"
Não adianta... Sempre foi difícil Tancredo ouvir Ulisse Guimarães. Nem morto ele perderia sua autonomia de decidir politicamente. E... Já que estava morto. Saiu pelas criptas terrenas e nenhum espírito encontrou em São Borja. Crise. Volta a pensar. Tempos de crise...
 
- Tempos de crise! (Uma voz surgiu em algum canto).
 
- Quem aqui está? (Perguntou o mineiro pesedista).
 
- Um velho conhecido do trabalhismo. Vire-se para a esquerda.
 
Ele atende. Gira seu corpo espectral e olha para Leonel Brizola.
 
- Brizola!!! O que faz aqui? Eu imaginava que estivesse assombrando o Palácio da Guanabara.
 
- Desisti. Aquele Governador é pior que o "Gato Angorá"! E... Diante dos fatos. Vim recorrer ao grande Getúlio Vargas, porém ele se foi...
 
Momento de silêncio para os dois... Um encontro traiçoeiro da pós-morte entre um pesedista e um trabalhista do pré-1964. Enfim, Brizola rompeu o silêncio.
 
- E... Foi essa crise que lhe trouxe aqui? Vi que os herdeiros não lhe representam.
 
- Nem me lembre disso... Contudo, pensei em buscar um conselho sobre uma decisão minha.
 
- Qual seria? Tem confiança em me confidenciar?
 
- Apesar de nossas adversidades... Eu preciso de que algum espírito da política opine... Trata-se disso tudo que ocorre no mundo carnal do Brasil.
 
- Quem diria Tancredo. A Nova República levar essa marca de corrupção. Muito bem sabemos que foram os militares que alimentaram essa chaga.
 
- Nós sabemos, porém a população não tem lideranças que fazem o melhor perfil para afastar o perigo do autoritarismo. As nuvens da catástrofe sempre trazem um nome e a imagem de um parlamentar fardado.
 
- Bahhhhhhhhhh!!!!!!!! Deixe de lembrar desse presságio. O trabalhador brasileiro ama a liberdade. Darcy Ribeiro, ontem mesmo me dizia, que devemos acreditar a criatividade do brasileiro.
 
Tancredo Neves abaixa a cabeça. Lágrimas em forma de granizo surgem nos céus de São Borja. Brizola retoma a conversa.
 
- Neves... Tempos de crise passam.
 
- Minha experiência me diz que essa Nova República está no fim... Ela, na verdade, nem começou bem com a minha morte por causa das células cancerígenas.
 
- Células cancerígenas!?! Pensei que fosse uma infecção...
 
- Deixemos isso para outro momento... Enfim, tudo está em declínio! E tenho que concluir aquilo que tentei começar?
 
- Como?
 
- Brizola... Tomei a decisão de ser candidato ao Colégio Eleitoral caso haja o afastamento do atual Presidente.
 
Muitos risos de Brizola. Enquanto Tancredo Neves tenta explicar.
 
- Há meios extremos para que isso seja possível. Você sabe que a reencarnação tem algumas "brechas normativas" que podemos contornar em casos extremos.
 
- Tancredo! Não me espanto com sua capacidade de articulação no mundo espiritual para realizar esse transição de mundo do além para o Brasil. Contudo, ouça o "Velho" Brizola... Se vier um Colégio Eleitoral, outro fantasma está rondando. Com muitas chances.
 
- Quem!?!
 
- O fantasma ultraliberal do Henrique Meireles.
 
Tancredo Neves ficou ainda mais incomodado. Perdeu tempo em pensar naquelas ideias.
 
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Nota: esse conto é uma ficção. Os nomes e fatos históricos mencionados seriam o exercício da imaginação emprestados do contexto surreal de nosso país.

          

domingo, 12 de fevereiro de 2017

ATUALIDADE

O 18 Brumário Internacional e Nós
Por Pablo Spinelli
 
O ano de 2016, em um tom modestíssimo, foi no mínimo singular do ponto de vista internacional e nacional. Um ano que é caudatário de pendências de 2015 e que esse ainda deixará seu rastro por um tempo incerto, sua triste herança e alguns aprendizados para o que se iniciou; o ano onde o mundo falará – nostálgica ou raivosamente sobre o centenário da Revolução Bolchevique e também, talvez mais importante por conta da sua forte resistência de sobrevida na condição de clássico, a comemoração (ou não) dos 150 anos de “O Capital”, de Marx, um dos livros mais comentados, criticados, debatidos e em proporção inversa, lido da humanidade.
Na conjuntura internacional percebe-se uma lenta retomada de otimismo quanto à economia a partir dos indicadores dos EUA, com mais timidez na Europa desenvolvida e da retomada do crescimento chinês simultaneamente; no “sul do mundo”; os conflitos bélicos que permitem enormes lucros à indústria armamentista não param. A Primavera Árabe, como a de 1848, murchou. Iraque e Egito destruídos em facções, assim como a Líbia. Os caudatários da ordem autoritária desses países onde ainda persistem os pertencimentos tribais se foram e o Ocidente nada colocou no seu lugar a partir da política local com base na democracia. A Síria, numa relação com uma Rússia cujo mandatário está mais para inclinações da Grã-Rússia czarista do que para uma herança do socialismo real que muitos enxergam equivocadamente analogias – que já se extinguiu há tempos –, é um cenário de horror onde uma cidade histórica é dividida, patrimônios da humanidade são destruídos pela guerra e/ou pelo dogmatismo de grupos políticos-religiosos, como o Estado Islâmico, o que demonstra a necessidade de uma revisão do estatuto da ONU, instituição que foi esvaziada após o fim da URSS. Diante do quadro caótico permeado pela miséria, pelas guerras civis, pela ação do terrorismo onde o Estado se mostrou frágil como monopolizador do uso da violência, como defendem os liberais, assistiu-se uma das maiores migrações em massa desde a II Guerra Mundial (1940-1945). 
A Europa, como um todo, tentou se desvincular da sua "herança maldita", ou seja, tentou apagar seu passado imperialista, o mesmo o qual Edward Said havia alertado que iria cobrar seu preço. Há, por outro lado, algo a se saudar que é o posicionamento do Governo da Alemanha tendo em vista a trajetória política daquele país na primeira metade do século passado. Neste caso, as migrações serviram de mote para o endurecimento de concepções e opiniões de demagogos em épocas de crise, forma pela qual não se responde aos problemas da globalização, pelo contrário, não só não enfrenta os problemas postos por ela como a renega a partir do recrudescimento do Estado-Nação que permitiu da Grécia à Itália – berços da Antiguidade Clássica – um aumento da xenofobia e das direitas radicais, como vemos e veremos na França com uma Marine que não é a Marianne da bandeira tricolor, mas a da bandeira de cor negra de triste memória; como se percebe no surpreendente nacionalismo que o conservadorismo tradicional inglês não soube adestrar após anos de fomento, como foi o episódio do “BREXIT” quando a criatura (o nacionalismo) tomou para si o domínio da ação do Dr. Frankenstein (o liberalismo), em um dos países historicamente de maior liberdade quanto ao pluralismo de ideias, especialmente no século XIX. 
Na América Latina, o “bolivarismo”, um projeto que nunca disse a que veio, uma mistura de demagogia esquerdista com nuances keynesianas tropicais, teve seu fim para regozijo liberal. A onda neoliberal dos anos 1990 é hoje uma "marolinha" que ganha seu impulso a partir da insatisfação das camadas populares e médias diante da ineficácia do Estado assistencialista que se formou nos países que adotaram tal modelo. Mais um tento para o conservadorismo que associou – parte por culpa da retórica chavista – o Estado assistencialista com o comunismo e com isso tirou do baú os fantasmas que deixaram de ser há muito de ser um espectro - o discurso mofado do anticomunismo presente nas redes sociais à discursos de políticos na América Latina. O espectro que ronda aqui e alhures é o do fascismo, modelo que conseguiu de forma surpreendente e brilhante se reinventar no seu deslocamento do Estado para o mercado e ganhou escopo nos tecidos sociais. Nessa toada, um representante do mercado que se identificou alheio ao mundo político – e a História mostra que todos que assim o dizem são mais políticos que os que se reconhecem como tal – acabou por conquistar as mentes e corações nos EUA a despeito do establishment, inclusive do seu próprio partido. “House of Cards” foi inspirador para Trump que, por não ser leitor de Maquiavel, ao demonstrar por ora optar pela coerção sem consenso, sem a disputa da hegemonia, mas uma imposição da sua retórica aliada aos interesses corporativo caudatários da Guerra Fria tem como fiador o americano médio dos cinturões industriais que estão sofrendo o desemprego ou os grupos sectários racistas/segregacionistas, homofóbicos e outras vertentes do conservadorismo nos costumes como movimentos religiosos que apoiaram sua campanha.
Trata-se da herança da tradição do WASP ("Branco, Anglo-Saxão e Protestante" no acrônimo em ingês) do século XIX, um corpo estranho no mundo da globalização e do multiculturalismo. Por isso, seria estranho a sua simpatia entre os "mulatos e caboclos" no Brasil, mas percebemos uma cultura política alheia aos valores da democracia em diálogo com esses segmentos norte-americanos.
No Brasil, a crise econômica de 2015 deixou seu legado para 2016. Com a crise posta, a "timoneira" mudou o curso do navio sem antes expor aos navegantes a mudança da cabotagem logo após a sua segunda vitória eleitoral, como se viu na escolha do novo responsável pela Fazenda e pela fritura ao que ocupava o cargo. O mercado, ao perceber uma fragilidade na direção política aliado a uma mídia combativa como em 1954, 1964 e – após os movimentos sociais nas ruas – 1992 e aos  panelaços como os dos anos 1980 na Argentina feitos por uma classe média tradicional e também por aquela que foi batizada de “a nova classe média” (que virou nova justamente nos governos de liderança petista), acabou por optar pela especulação e rebaixou o Brasil pelas famosas agências de risco – o risco real é para quem acredita na lisura das análises dessas agências, como visto no filme “A Grande Aposta” – a despeito do enorme lucro ao mercado financeiro que o governo (desde FHC) permitiu ao colocar sua ênfase no pagamento da dívida pública. Por sua vez, a sociedade se “americaniza” cada vez mais. A pauta dos direitos ter se sobreposto aos conceitos de classe é algo que se originou nos fins dos anos 1970 e se consolidou nesse século – basta passar pelos campi universitários para ler os panfletos e ouvir as discussões dos alunos e dos professores, campo privilegiado da construção do conhecimento.
Nesse caminhar o Brasil chegou ao terreno perigoso da judicialização da política. Há, é verdade, um ponto positivo que é a descoberta de um poder que era alheio ao cidadão comum, o reforço do Ministério Público, momento em que a Carta de 1988 mostra sua face republicana, mas por outro, o efeito midiático contou como um dos alicerces das ações desse poder, como no STF, assim como a reforma ético-moral proposta pelos “tenentes de toga”, como citou um famoso cientista político brasileiro, que propuseram ações corretivas à corrupção em um grau tal que a sociedade fica descrente da política e quer um novo país – mas sem a classe política como esse país será parido?
No hibridismo de impeachment com golpe; de cassação sem a perda de direitos políticos, numa espécie de releitura do genial panfleto do século XIX, “Ação, Reação e Transação”; o Brasil ficou paralisado, a violência e o desemprego aumentaram e o vice-presidente que, desastrosamente resgata um modelo de governo à República Velha como se compreende a partir do seu slogan positivista – o que o aproxima dos “tenentes de toga” – e no Estado reformista que o aproxima de Campos Salles e Joaquim Murtinho e ressurge com nova modelagem uma "Política dos Governadores" a partir do laboratório que é o Rio de Janeiro, o estado das contrapartidas, onde após a privatização do trato público da água e do esgoto, tudo será normalizado, os salários do funcionalismo público serão colocados em dia, as esposas dos policiais militares voltarão sorridentes para suas casas, haverá menor índice de morte de PMs (ainda há de se perceber que a maioria que morreu esse ano curiosamente estava próximo ou dentro de um estabelecimento comercial - joalheria, restaurante, shopping - o que permite a leitura de que morreram por conta do "bico" e não por serem policiais). 
Por falar em Vargas, mais uma vez há uma nova volta do parafuso quanto à história do “fim da Era Vargas”. E mais um paradoxo surge. O enterro tem consigo os elementos do enxugamento da máquina pública; uma reforma previdenciária maximalista que tende a empurrar a classe média para a iniciativa privada; a racionalização burocrática.
Contudo, ao lado disso, a reforma ética-moral está com uma perigosa vida própria, um udenismo à esquerda e à direita que já derrubou seis ministros e um está sub-judice e faz o governo balançar na pinguela. Um liberalismo que se diz antivarguista, mas propõe uma reforma educacional por medida provisória, a herança do decreto-lei. O apoio de uma base congressista cuja maioria é fisiológica, cimentada em interesses econômico-corporativistas ou não republicanos apegados, como se viu na votação do impeachment, à família, à nação e à religião.
A Voz do Brasil não apenas se manteve no seu horário, saindo da pauta do Congresso a possibilidade de opção de transmissão – independente do trânsito, do futebol ou do bom-senso – como se tornou ostensivamente um mecanismo de propaganda do Executivo federal como nos tempos do presidente gaúcho que namorou de forma aberta com o positivismo e com o tenentismo. Dito de outra forma, a herança de Vargas que todos apedrejam é difícil de enterrar. 
Há por parte da sociedade o desejo da mudança, mas um repúdio aos atores tradicionais, o que numa crise de hegemonia abre uma possibilidade ao aventureirismo ou a um "bonapartismo", no clássico estudo de Marx (O 18 Brumário de Luís Bonaparte) e desenvolvido por Gramsci, com o "cesarismo". E como a História nos deixou de legado tal quadro, se confirmado,  é a derruição da democracia.