domingo, 2 de junho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 039 - ELEIÇÕES MUNICIPAIS

O Fantasma de Hobbes ronda as eleições municipais

Vagner Gomes de Souza[1]

“(...)Não entendo aqui por COSTUMES a decência da conduta, como, por exemplo, a maneira pela qual um homem deve saudar outro, ou como deve lavar a boca, ou limpa os dentes diante dos outros, e diversos aspectos da pequena moral. Entendo, isto sim, aquelas qualidades dos homens que dizem respeito à vida comum em paz e unidade. Para este fim, devemos considerar que a felicidade desta vida não consiste no repouso de um espírito satisfeito. Pois não existe o finis ultimus (fim último) nem o summum bonum (bem supremo) de que se fala nos livros dos antigos filósofos morais. Tampouco há mais vida no homem cujos desejos chegam ao fim do que naquele cujos sentidos e imaginação estão paralisados. A felicidade é uma contínua marcha do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo. A causa disto é que a finalidade do desejo do homem não consiste gozar apenas uma vez, e só por um momento, mas garantir para sempre os caminhos do seu desejo futuro. Portanto, as ações voluntárias e as inclinações dos homens não tendem apenas para conseguir, mas também para garantir uma vida satisfeita, e diferem apenas quanto ao modo como surgem, em parte da diversidade das paixões em pessoas diversas, e em parte das diferenças no conhecimento e opinião que cada um tem das causas que produzem os efeitos desejados.”

HOBBES, T. Leviatã: a matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 85.

Em pouco tempo a dinâmica do Governo Federal se esqueceu das forças democráticas aliadas numa Frente e que o elegeu. Os efeitos do 8/01 deu uma sobrevida a essa linha adotada mais pelas circunstâncias do que pela verdadeira refundação de uma cultura política à esquerda no nosso mosaico de liberalismo. Propomos que estamos num mandato presidencial que enfrenta as contradições da do liberalismo diante das pressões das forças conservadoras e reacionárias que se reagruparam as vésperas das eleições municipais.

O 8/01 apresentou a sociedade brasileira os limites da tolerância e da liberdade de expressão. Havia a oportunidade de que uma Frente Democrática agregada de um conservadorismo fiador dos marcos democráticos pudessem isolar as forças retrógradas que foram a vanguarda da composição do governo anterior. Paulo Guedes tinha liberdade para tocar diante do Congresso Nacional sua pauta liberalizante. Uma liberdade que o atual Ministro da Fazenda se sente coagido a não dialogar, pois, apesar do sucesso a ele atribuído pela aprovação da PEC da Reforma Tributária, os novos sujeitos do corporativismo da sociedade se aliaram aos grupos entranhados na máquina administrativa para o “esvaziar” politicamente.

Se o ex-candidato as eleições presidenciais de 2018 pelo partido majoritário do Governo sofre resistência, como pensariam as lideranças parlamentares dos grupos políticos recém-admitidos a coalização governamental? Para além da nova percepção sobre os impactos políticos das emendas parlamentares impositivas, há ainda espaço para a Grande Política que permita um entendimento entre as forças democráticas liberais e conservadoras. Todavia, a lógica da sobrevivência de personalidades rejeitadas pela soberania do voto tem ficado acima do compromisso democrático através da unidade.

Diante disso, a percepção de uma ameaça no futuro tanto no mundo quanto em nosso país faz com que a sociedade atomizada em busca de alternativas individuais se identifique com alternativas escatológicas religiosas ou até seculares aonde o conservadorismo ganha mais força. Portanto, o medo sobre a possibilidade de um volta ao estado de natureza da humanidade reabilita o pensamento político de Hobbes diante do debate da segurança pública. Os valores universalistas dos Direitos Humanos são muito contestados na sociedade brasileira. A intolerância social com os apenados chegou ao um nível de um grande consenso na aprovação da “Lei das Saidinhas”, porém também percebemos a ideia da penalização de crianças e adolescentes em casos de manifestações de intolerância racial ou religiosa. A composição “Haiti” seria hoje “cancelada” nos dois pólos da nossa imaginária polarização política.


Na verdade, o fantasma de Hobbes encanta os conservadores, porém é um alívio para as forças liberais que comungam de ideias contratualistas que atendam as demandas de uma nova identidade na sociedade. Então, as forças retrógradas se manifestam nas movimentações dessas “placas tectônicas” nas redes sociais gerando erupções vulcânicas de uma opinião pública sem direção da política republicana e democrática. Os ventos do “iliberalismo” atingiram em cheio as movimentações das candidaturas aos legislativos municipais ao se manifestarem sobre um tema muito mais apropriado ao legislativo estadual, ou seja, o tema da segurança pública.

A percepção de uma insegurança é constantemente alimentada pela percepção do desmanche da seguridade social. Um Estado de Bem Estar Social se desmorona aos olhos vistos dos mais idosos que não podem mais garantir com os gastos no núcleo familiar polivalente. O medo sobre esse futuro se alia as ameaças sobre o consumo de drogas que desmancha a tranquilidade das “famílias brasileiras”. Assim, a crítica as forças do poder de “segurança paralela” nas periferias seriam mais bem acolhido no compromisso ao debate sobre as drogas. Entretanto, esse é outro “vespeiro” em que as interpretações do liberalismo pró-liberalização ou descriminalização do uso e porte de drogas não se faz do escopo da Frente Democrática que dialogue com os conservadores.

A presença do chamado “Estado Paralelo” em municípios de médio porte e pequeno porte em variados estados da federação indica que a municipalização do debate da segurança pública será mais forte que a simplificação de uma polarização. Diante disso, o aprendizado do Ministério da Segurança Pública no Governo do MDB sob a gestão de um ex-comunista seria uma sugestão para que tenhamos referências para enfrentar essa tendência eleitoral que poderá definir as eleições municipais. 



[1] Doutorando no PPGCP-UNIRIO.




Um comentário:

José Bezerra de Oliveira disse...

Sempre um excelente texto. Compartilhando!