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Outro Brasil de O Mistério de Irma Vap[1]
Por Vagner Gomes
de Souza
A peça O Mistério de Irma Vap nasceu nos
sombrios anos Reagan nos EUA pelas mãos de Charles Ludlam. Seu teatro de
vanguarda poderia parecer caótico, mas se relacionava as perspectivas de um
olhar geracional diante dos problemas a enfrentar com a nova onda conservadora
norte-americana. Assim, O Mistério... cumpre
sua trajetória como se fosse uma paródia da produção cinematográfica do terror
e suspense. Tudo nos conformes para sobreviver pela arte aos dias de Guerra
Fria e a década do HIV. A paródia emerge como receita cultural para sair de uma
paranoia social.
No Brasil, O Mistério de Irma Vap foi encenado por
11 anos de 1986 até 1997. Naquele tempo a crítica teatral muito destacou seu
gênero como “besteirol”, porém a muito de surpreendente nessa durabilidade da
peça que foi encenada pelos atores Marco Nanini e Ney Latorraca e atraiu
aproximadamente três milhões de pessoas ao teatro em tempos que se anunciava a
sua crise. Alguns justificam o sucesso por Ney Latorraca vir de uma brilhante
atuação na Minisérie Anarquistas Graças a Deus e, em seguida, ser muito visto
como o “Pré-Histórico” tio do WhatsApp, o velhinho Barbosa do humorístico TV
Pirata (1988 – 1989). Entretanto, entendemos que tudo foi mais um retrato da
reação da sociedade ao desfecho da transição democrática com as idas e vindas
da “Era Collor” cujas raízes se fizeram presente na fratura social do país.
Temos um texto que foi
se autonomizando com o tempo e adquirindo força em atrair emoções por fixar uma
conexão com o caos dessas últimas décadas. A peça, assim como vampiros e
lobisomens, misteriosamente se transformou num legado de manifesto pela
resistência da cultura contra os desatinos perversos de um pensamento iliberal
na política, ultraliberal na economia e reacionário nos costumes. A preocupação
da nova versão pela valorização do trabalho do ator deve ser sublinhada. Assim,
a nova montagem de O Mistério de Irma Vap,
sob o olhar de Jorge FarJalla, demonstra como uma geração de intervalo só aprofundou
as cenas de horror na sociedade com seus reflexos na política.
Um outro Brasil é
exposto nesse ano de bicentenário da nossa independência por uma peça que faz a
plateia rir do quanto o besteirol assumiu um lugar de onde precisa sair. Pois,
Damares Alves é apenas a “ponta do Iceberg” de uma situação de catástrofe no
qual precisamos exorcizar. Eis uma bela definição para tudo que se assiste em
cena. A nova versão busca um exorcismo cultural das falas e narrativas loucas
presentes no nosso país com o objetivo de que o “besteirol” volte para o Teatro
nos livrando de sua presença no cotidiano e nas manifestações ditas políticas.
[1] Ficha técnica: Direção, Encenação e adaptação: Jorge
Farjalla Texto: Charles Ludlam Tradução: Simone Zucato Assistente de direção: Raphaela
tafuri Elenco: Luis Miranda, Mateus Solano, Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Thomas
Marcondes e Gus Casa Nona Direção de produção: Marco Griesi e Priscila Prade Coordenação
de produção: Daniella Griesi Produção executiva: Maristela Marino Cenografia:
Marco Lima. Temporada no Rio de Janeiro até 27 de junho no Teatro Casa Grande.
4 comentários:
Fica difícil competir com uma Damares Alves e esse tempo bolsonarista.
Muito oportunas a peça e a crítica: a fusão da Grande Família com A Escolinha do Professor Raimundo.
Ótima análise!
Muito bom.
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