Apesar da Crise, falemos do Oscar
Somos aqueles que estamos na "resistência" da República e da Democracia, mas encontramos oportunidade de refletir na produção cinematográfica um momento de observar sobre esses tempos sombrios. Aliás, esse é um segmento cultural que está numa transição em que a "privatização" da criatividade poderá atomizar ainda mais nossa sociedade. Aprofundando os efeitos nefastos a crise.
Não podemos deixar de lado a "opinião". E VOTO POSITIVO, mais uma vez, publica uma entrevista com o Professor Pablo Spinelli que faz do cinema uma avenida de oportunidades para muitos jovens que saem do senso comum para melhor compreender os impactos da Globalização.
Seu profissionalismo conjugado ao seu conhecimento apaixonado pela "sétima arte" nos faz agradecer esse entrevista e que outras venham na história do Oscar. Uma entrevista que merecerá ser lida e divulgada.
DA REDAÇÃO
Nota: alguns filmes citados na entrevista abaixo receberam análises em VOTO POSITIVO em "A Doce Política no Cinema" números 1, 3 e 5.
1) As indicações do
Oscar 2022 promete ser um “Balanço” da gestão Joe Biden feita por Hollywood ou
estaríamos exagerando?
Acho um pouco
exagerado, porque a Academia deve ter pensado mais no balanço da gestão Trump e
como os EUA chegaram até o cenário de ter um líder político que testou as
instituições democráticas até o limite e com forte adesão das massas. Biden
deve aparecer mais ano que vem, em um cenário de filmes que devem falar da
questão econômica, pandêmica e do desastre que está sendo a sua política no
leste europeu. Os filmes desse ano têm um alento: estão menos preocupados com
guetos identitários e um pouco mais universais, mesmo que fale mais para uma
geração de 40 anos para cima do que para os jovens, cujo prêmio não tem
representatividade como teve há 15, 20 anos.
2) Em sua opinião, as
indicações do Oscar de 2022 ajudariam a sociedade brasileira a uma melhor
reflexão sobre o tema da República e da Democracia?
Sim, sem
dúvida. Um filme como Belfast é um exemplo de como podemos tratar do tema da
inclusão social pós-pandemia, o mesmo se dá com o musical repaginado do
Spielberg. Cumpre notar que há uma netflixação no Oscar com as indicações de
“Não olhe para cima” e “O ataque dos cães”, ambos da Netflix e o “Rocky Balboa”
da vez, “King Richard”, da Amazon Prime. Isso significa que a própria academia
se rendeu à privatização do gosto pelo cinema. Isso é ruim para qualquer
República. Cada vez menos teremos telões nas praias ou na Quinta da Boa Vista
para dar lugar ao gosto doméstico de uma tela de telefone. Esse tema, não
parece, mas é um tema para a República. Que acesso à cultura nós teremos e
daremos? E a indústria do cinema vai empregar como antes? Em uma gestão
orientada por um grupo de vendilhões da falsa moral e de interesses
particulares representado por um Mário
Frias – como chegamos a isso? – não podemos pensar em “Retomada”. O nó dos
filmes indicados ainda é o mesmo do Oscar: como chegar aos mais jovens? Um
filme como Duna, por exemplo? Minha sugestão é que os mais velhos que leiam
essa entrevista tomem para si essa tarefa pedagógica.
3) Vejamos as
principais indicações para a categoria “Melhor Atriz”, qual seria sua análise?
Seria muito
bom ver a Nicole Kidman ganhar um Oscar pela personagem da Lucille Ball, uma
atriz que conseguiu fazer uma sitcom de maior audiência das Américas. Penelope
Cruz está marcante no papel que Almodóvar lhe deu, mostrando maturidade. Olivia
Colman já ganhou pelo ruim “A favorita” e é uma forte candidata para esse drama
sobre o tema da maternidade em “A filha perdida”, uma abordagem mais para a
classe média do que para as subalternas. Kristen Stewart mostra que a dupla de
Crepúsculo cresceu bem e é a favorita dos jovens na enésima interpretação sobre
a superestimada Lady Diana. Agora, seria muito bom a Jessica Chastain ganhar
por “Os olhos de Tammy Faye” por conta do televangelismo americano dos anos
1970 e 1980 que aqui nos chegou de forma cabocla nos anos 1990. A ascensão e
queda da personagem merece uma reflexão sem julgamentos a quem crê, mas a quem
lucra com a fé alheia, tema que os argentinos fizeram bem na série “El reino”,
da Netflix. Colman tem vantagem na disputa. Chastain segue atrás.
4) Esse ano Will Smith,
na categoria de “Melhor Ator”, vai se sagrar vencedor?
Espero que
não. Além de ser um ator mediano, ele fez Bad Boys, uma alegoria do que havia
de pior da Era Bush II. Ele já tentou personificar o declínio do “sonho
americano” em “A procura da felicidade” e agora a crença no mérito individual
no filme “King Richard”. Como disse acima, é o Balboa repaginado. Lembro que
Rocky antecedeu a Era Reagan. Denzel Washington deveria ter sido incensado pelo
movimento neonegro por conta da interpretação de Macbeth, uma ousadia sair do
óbvio Othello. Javier Bardem está muito bem no filme da Nicole Kidman, será uma
lembrança no futuro, marido e mulher indicados. Andrew Garfield é uma promessa.
Mas meu favorito é Benedict Cumberbatch, o melhor ator de sua geração, um
inglês que faz qualquer papel, inclusive, a meu ver, o melhor intérprete da
galeria Marvel. Ele explica o trumpismo e o bolsonarismo, o ressentimento, a
inveja, o rancor, um personagem memorável para um Western de novo tipo.
5) Poucos analisam a
categoria “Roteiro Original”, em sua opinião o que há de novidade nesse ano?
Antes de
comentar queria destacar a excelente escolha de “filme estrangeiro”. Destaco o
simpaticíssimo “A mão de Deus”. Para quem gosta de futebol ou foi jovem, é
obrigatório. A novidade que não é nova é “Não olhe para cima” ganhar. O
diretor-roteirista Adam Mckay apostou no tema ambiental e acabou por acertar
quanto à pandemia. É um filme de esquete, com uma boa ideia, especialmente ao
usar Meryl Streep para nos dizer com as cores da sua roupa que não há mais uma
linha nítida entre Republicanos e Democratas. Gostaria que Belfast ganhasse,
mas acho que não será. Importante o Kenneth Brannagh ser reconhecido.
6) Steven Spielberg foi
ousado na Direção de um musical sobre uma Reforma Urbana “Trumpista” – “West
Side Story”. Não poderá ser uma surpresa na premiação de “Melhor Filme” e
“Melhor Direção”? Qual sua avaliação sobre essas duas categorias?
Poderá, mas
não será. A sua indicação é uma forma de Hollywood olhar para a idosa “Nova
Hollywood” (Francis Coppola, Martin Scorsese, o cancelado Woody Allen, dentre
outros) e dizer: sabemos que vocês estão aí e somos gratos. Ele seria mais
forte nos anos finais de Trump em virtude do tema do muro. Isso garantiu o
Oscar ao excelente “A forma da água” e aos latino-americanos oscarizados que
sumiram esse ano. Curioso, não? Acho que repetirá o ano passado e mais uma
mulher vencerá. A muito competente Jane Campion.
Um comentário:
Vou assistir amanhã. Excelente entrevista
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