Nada
de Novo na Frente
Em 60 dias do nosso “Capitólio”,
a cultura política no país não estabeleceu um meio de se fazer estabelecer a
superação das contradições num Governo que ainda não se apresentou como de “transição”.
O “3”, mesmo que tenha características diferentes já se coloca na linha de uma
continuidade como se não tenhamos vivido 2013, 2016, 2018 e se esquecem das
sequelas da pandemia de COVID 19. Nada de novo na Frente é uma temeridade
diante do vazio a se pensar o Brasil no contexto das novas tendências da
cultura.
Nosso objetivo nessa
entrevista é situar o leitor nesse momento de crise das instituições da
Democracia e fazer com que se possam perceber suas referências na produção
cinematográfica. Algumas sugestões apontadas nas respostas abaixo demonstram o
quanto a fratura da política de frente democrática no contexto global diante de
uma Guerra que se prolonga na Europa exige que tenhamos uma melhor formação
para a juventude. No ano passado alertávamos que a "privatização" da
criatividade poderia atomizar ainda mais nossa sociedade. Estamos cada vez mais
vulneráveis ao imediatismo.
Não podemos deixar de
lado a República e a Democracia. Não se convida apenas para a leitura, mas que
essa entrevista seja uma possibilidade de debate de como melhor entender nosso
mundo contemporâneo. E VOTO POSITIVO, mais uma vez, publica uma entrevista com
o Professor Pablo Spinelli que faz do cinema uma trincheira para tentar
resgatar muitos jovens que saem do senso comum para melhor compreender os impactos
do pensamento iliberal nas redes sociais.
1) A Edição do Oscar
2023 sugere alguma mudança em seu conteúdo de opinião ou haverá o
aprofundamento de tendências anteriores?
Creio que houve uma mudança da academia por conta da perda de
audiência e da importância da premiação para criação de um público. O Oscar era
uma bússola para assistir aos filmes indicados, os jornais publicavam as
indicações com destaque e ficar fora dessa conversa era ser um “alienado”,
especialmente nas camadas sociais com maior formação educacional.
O discurso da bolha da costa leste americana, com certa influência
das patrulhas acadêmicas identitárias e em resposta à América “profunda” (a
mesma que foi mobilizada desde o 11 de Setembro até o ataque ao Capitólio)
acabou por fazer perder o apoio do “homem comum”. Nos anos de Tik Tok e
netflixação do olhar, o que representou o chatíssimo “Nomadland”? A refilmagem
de sessão da tarde “No Ritmo do Coração”? O polêmico e fraco “Green Book”? E o
identitário “Moonlight”? E “Argo”superou o gosto do público de “Django Livre”?
O Oscar tem sido o apoio a um estudo antropológico ou etnográfico para dizer
que os EUA do Afeganistão, do Iraque e que não quer a paz no conflito europeu
atual é legal com toda a humanidade. Virou um prêmio mais étnico do que por
mérito. O que vemos agora? Uma necessidade de dialogar com o público. Os jovens
foram convocados em “Nada de Novo no Front” e em “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo
Tempo”. Os liberais conservadores dos anos Reagan estão felizes por “Top Gun:
Maverick”. Mulheres estão presentes no libelo “Entre Mulheres” que fala da
religião e misoginia que agradará os coletivos, talvez não o coletivo e em
“Tar”. A pauta ambientalista – um dos grandes temas contemporâneos – está em
“Avatar 2”. A esquerda do século passado pode se encontrar no “Triângulo da
Tristeza”, uma piada pronta. Europeus estão em “Os Banshees de Inisherin”. E
Hollywood se premia com o pupilo que dialeticamente a destruiu, Spielberg, no
filme autobiográfico e com um dos ícones mais importantes do século passado,
“Elvis”, do injustiçado Baz Luhrmann.
Em suma, desde 2013, quando o filme vencedor faz parte de uma média
de quantas vezes foi citado entre os primeiros lugares houve aquilo que
Tocqueville nos sinalizou sobre a América: o paraíso da mediocridade no sentido
do termo. Apesar de todas as minhas rabugices a lista de indicados sempre tem
filmes acima do que temos ao longo do ano. A premiação caminha para o Nobel de
Literatura. É bacana, mas ninguém atualmente lê um autor por conta do prêmio
como no passado assim como ninguém – além de certos nichos – verá um filme por
conta de um Oscar, mas pelo que os algoritmos e um website como o desprezível
Rotten Tomatoes (propriedade da Warner) indicam.
2) Na sua opinião, a
dupla indicação de Nada de Novo no Front (Melhor Filme – Melhor Filme
Estrangeiro) o coloca como favorito para derrotar Argentina, 1985? Ou há algum
filme “correndo” por fora?
Sim. O tema da guerra está na pauta. O historiador Hobsbawm em
vários livros nos disse que tivemos no século passado poucos momentos de paz,
muito pequenos. E que não via algo diverso para esse. O modo de guerrear talvez
seja diverso. De qualquer forma, para uma juventude que tem fetiche pelo
militarismo e armamentos a pergunta é óbvia: quer estar lá? O filme alemão
também de forma sutil nos aponta que a carne mais barata do mercado é a da
classe subalterna.
O filme argentino ganhar seria uma benção para o governo como foi a
Copa. Para nós o entendimento que “sem anistia” é não ter julgamento justo e
equilibrado, portanto, a ausência da instituição democrática, diverso do que o
filme argentino expõe. Os roteiros argentinos deveriam ser mais estudados nas
faculdades de cinema e de letras no Brasil. Eles não fazem tratados
sociológicos. Eles contam uma boa história. Caso o sul do mundo vença será
interessante. O terceiro prêmio para a Argentina sobre o mesmo tema. Começou
com A História Oficial (1985). Veio depois O Segredo dos Seus Olhos (2009). E
nós aqui vamos de “Marighella”.
3) Na categoria
animação, avalia a possibilidade da vitória de Pinóquio?
Sim. É o melhor dos filmes. Deveria ter sido indicado como
principal. Um trabalho artesanal do Guillermo Del Toro, premiado pelo “A Forma
da Água” (2017), já resenhado nesse blog democrático e não visto com bons
olhos. Espero que a fábula tristíssima que mostra o fascismo para crianças e
adultos tenha melhor fortuna. Curiosamente, um dos filmes mais vistos no Brasil
no ano passado e pouco debatido. Estranho. Talvez uma fábula nigeriana ou
senegalesa tivesse mais impacto aqui. O filme mostra a importância da Frente
Democrática para os momentos que vivemos. O Gato de Botas 2 é um filme muito
divertido, anárquico, resgatou a linha do Shrek e trata do difícil tema da
morte com muita leveza. Mas Pinóquio anti-Disney é o melhor.
4) Quais seriam suas
“apostas” para Melhor Roteiro Adaptado e Original?
O melhor roteiro original para mim seria Triângulo da Tristeza ou
Glass Onion, ambos com ferinas ironias ao mundo contemporâneo. Temos a luta de
classes no primeiro, as Big Techs e o banditismo dos Jobs, Zuckemberg e Musk da
vida, no segundo. Mas creio que “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” vença. O
que não seria de todo o mal, visto que ele abordou com muito melhor acabamento
e maturidade a ideia do multiverso que fracassou na Marvel (Disney) e
“Travessia” (Globo). Quanto ao Roteiro Adaptado, um destaque para o escritor
premiado com o Nobel, Kazuo Ishiguro, o que dá um verniz mais autoral para a
indicação. A indicação a Top Gun: Maverick é uma gentileza sentimental ao
último grande astro do cinema, Tom Cruise. Caso seja a esquerda que não vota
para presidente nos EUA, ganha “Entre Mulheres”, caso contrário, “Nada de Novo
no Front” ou “Living”.
5) A categoria Melhor
Direção poderá ter alguma surpresa?
A surpresa será o Spielberg – que agradece a presença do público na
sala de cinema pessoalmente – ganhar. A dupla Daniel Kwan-Daniel Scheinert deve
levar por “Tudo em Todo o Lugar”. A Academia foi feliz na escolha dos
diretores. Todd Field corre por fora por “Tár”. Os outros são azarões.
6) Em relação aos
atores coadjuvantes, tanto feminino quanto masculino, como avalia as nomeações?
Bem, nessas categorias mais visíveis ao público há uma demonstração
da diversidade étnica decorrente do aumento dos votantes espalhados pelo mundo.
É uma premiação que quer ser mais internacional, portanto, há a atriz negra, a
asiática, a europeia. Curiosamente, a premiação está entre duas veteranas que
já fizeram trabalhos melhores, a rainha de Wakanda, Angela Basset concorre com
a eterna irmã de Michael Myers, de “Halloween”, Jamie Lee Curtis, que teve uma
boa atuação no esquecido (e bom) “True Lies”. Há algumas semanas tendia para
Basset, que viveu uma grande Tina Turner num filme que deveria ser revisitado.
Creio que ganhe a filha do ator Tony Curtis. Para ator coadjuvante há uma lei
que diz que dois atores do mesmo filme divide o prêmio. A minha preferência,
mesmo assim, seria Brendan Gleeson por Os Banshees de Inisherin. O trabalho de
Bryan Tyreen Henry em “A Passagem” deve ganhar – por mérito.
7) Na categoria Melhor
Atriz, será o ano de Cate Blanchett, quase 10 anos após vencer na atuação em
Blue Jasmine, uma vez que ganhou o BAFTA e o Globo de Ouro?
A atriz ganhou um Oscar por um diretor cancelado, sem anistia. O
Oscar nunca ligou para o BAFTA, infelizmente. E o Globo de Ouro passou a ser
pateticamente maldito. Mesmo assim, a sucessora de Meryl Streep deve ter uma
disputa acirrada com Michelle Yeoh, uma atriz malaia-chinesa que foi esquecida
após O Tigre e o Dragão (2000), que hoje os jovens devem achar que seja um
filme velho. Como há dois anos, apostaria um pedaço de picanha na chinesa. Destaco
a intensa atuação da ótima e carismática Ana de Armas, a sucessora de Penélope
Cruz, como outro ícone pop, no sofrido e desgastante “Blonde”, uma biografia
romanceada sobre Marilyn Monroe.
8) Na categoria Melhor
Ator, parece que teremos uma disputa mais “apertada” ou há um favorito?
Hollywood gosta de redenções. Brendan Fraser é a encarnação desse
modelo. Ele sempre foi um bom ator, subestimado por alguns filmes que fez mais
jovem. Quem o viu no filme que “revelou” Ian McKellen (Magneto/Gandalf) para os
EUA, chamado “Deuses e Monstros” (1998), não é uma surpresa seu favoritismo.
Ele interpreta com os olhos e com o peso da maquiagem um professor com
obesidade mórbida, cardiopata, bissexual, que quer reconquistar sua filha.
Impossível não ganhar. Austin Butler carregou com coragem a interpretação de
Elvis. Seria um grande favorito se não fosse o Fraser. Colin Farrel corre por
fora, mas seu passado rebelde ao sistema hollywoodiano talvez não o coloque com
a estátua careca nas mãos. Bill Nighy é um ótimo ator quando bem dirigido e
Paul Mescal fez um excelente trabalho em Aftersun.
9) Por fim, na sua
opinião quem merece ganhar o Oscar por Melhor Filme?
O termo foi merecer. Gostaria de Nada de Novo no Front. A produção
foi muito caprichada, igual ou melhor do que “1917”. Seria muito bom ter um
Spielberg de volta, mas parece que ele terá seu nome lembrado em deferência à
Nova Hollywood dos anos 1960-1970 como o Scorsese. Creio que vá dar um filme
que aborda uma pessoa com problemas com a Receita Federal, “Tudo em Todo Lugar
ao Mesmo Tempo”, um misto de aventura, ficção científica e surrealismo. Foi o
filme mais visto nos EUA depois de Avatar e Top Gun: Maverick, logo, o
reencontro do prêmio com o público.