quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

OSCAR 2024 - EM BUSCA DO EQUILÍBRIO - ENTREVISTA COM O PROFESSOR PABLO SPINELLI


 VOTO POSITIVO, desde 2018, entrevista o professor Pablo Spinelli sobre as indicações ao Oscar. A caminho de uma década de colaboração, muito da percepção cinematográfica sobre a conjuntura mundial se buscou desvendar aqui. Reafirmando esse compromisso, aqui voltamos para tentar celebrar as possibilidades da “sétima arte” na formação de uma opinião. 

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1) Seria possível fazer um breve balanço das indicações ao Oscar 2024 sob a luz do terceiro ano do mandato de Joe Biden? 

Creio que o Oscar, mesmo decadente e sem a mesma influência na juventude, vítima da combinação do algoritmo com inércia, ainda é um termômetro do principal mercado de cinema mundial. E esse mercado ainda dita algumas regras e é reflexo da conjuntura. Após uma avalanche de equívocos sob a pressão das corporações identitárias que resultaram em filmes que não eram vistos a não ser nesses nichos, as indicações tiveram mais em conta algo que combinasse desempenho, força na bilheteria e representatividade. Creio que dentro do que veremos nos EUA esse ano houve um aprumo das pautas do liberalismo corporativo (contradição em termos?) para aquilo que o prêmio se tornou: uma elegia à indústria, aos bons elencos, à bilheteria. Há um equilíbrio entre os Democratas raiz e os de “novo tipo” - os identitários, cuja “narrativa” mostra sinais de esgotamento aqui e alhures, basta ver Trump. O esquecimento do remake “A Cor Púrpura” é um indicativo não do racismo estrutural, mas do enfado coletivo mesmo que ainda se encontre “Pobres Criaturas”, um libelo contra os homens. A síntese do estado das coisas está na aposta que Taylor Swift possa reverter o caos a favor do atual presidente.  

 

2) Oppenheimer ser consagrado no Oscar de 2024 ou a volta de Donald Trump a Presidência dos EUA. Qual é a grande “barbada” de 2024? 

Muito dura a sua provocação. A curto prazo, o filme deve vencer em categorias importantes como Melhor Filme, Direção, Ator e Ator Coadjuvante. A médio prazo se avizinha um péssimo cenário. A volta de Trump mostra os equívocos da gestão Biden – nos conflitos bélicos, na comunicação com a sociedade, na falta de um candidato melhor (a vice foi uma escolha identitária de cota, e agora, como se faz a política? Como se faz omelete sem quebrar os ovos?). A economia americana está melhor, com desemprego em queda livre, inflação voltou ao controle, aposta numa energia renovável, mas isso não chegou a furar a bolha do ressentimento. Sobre o tema do ressentimento, creio que o personagem brilhantemente vivido por Robert Downey Jr em Oppenheimer é bem didático sobre as suas consequências.  

3) Em 2018, você assim afirmou: 

“(...)Além disso, aparecem dois filmes que dialogam entre si; “O Destino de uma Nação” e “Dunkirk”, cuja temática é a derrota vitoriosa, algo de difícil digestão para os públicos mais jovens que são inundados por um heroísmo mítico que tem a vitória – seja a que preço for – como meta alcançada.” 

O que mudou para que Oppenheimer (sob direção do C. Nolan de “Dunkirk”) chegasse as 13 indicações ao Oscar 2024? 

O dinheiro. O filme fez bilheteria. É brilhantemente bem desenvolvido. Tem um diretor com uma influência nos mais jovens que foi a excelente trilogia Batman. Um tema árduo como a física e bomba nuclear – e toda uma discussão moral sobre o episódio - numa cinebiografia com mais de 100 personagens com muitos diálogos conseguiu captar a atenção tiktokeana. Esse filme mostra a importância do ensino de História na educação básica. Quando se sabe sobre II Guerra, Roosevelt, Macarthismo, URSS, as coisas ficam mais fáceis de compreender. Creio que Dunkirk tenha sido um ensaio geral para Oppenheimer. Além disso, há a política. O projeto Manhattan não surgiu de um grupo ideológico “X”. Foi uma frente de cientistas – todos homens e brancos – contra o nazismo e o totalitarismo japonês que precisa ser mais bem conhecido.  

 

4) Em “Dunkirk”, há a atuação de Cillian Murphy. Esse ano ele é o favorito ao Oscar na categoria Melhor Ator?  

Ele é um ator que mostra sua força há muito tempo. Ele ficou em segundo na disputa pelo Batman de Nolan, ficou como o Espantalho, além de ter atuado numa das séries mais populares entre os jovens, “Peaky Blinders”. Paul Giamatti (Os Rejeitados) é um ator inteligente, mas é para cinéfilos. Colman Domingo (Rusty) é muito promissor e está no filme errado. Não vi o trabalho de Jeffrey Wright (American Fiction) mas sempre é muito competente. O grande equívoco é a escolha por Bradley Cooper – que é um bom ator, mas não foi feliz na concepção e atuação em Maestro. Cadê Leonardo e Barry Keoghan (Saltburn)? 


5) Na categoria Melhor Atriz, temos alguma favorita?  

Em 1973, Marlon Brando recusou o Oscar e mandou uma descendente indígena fazer um discurso contra o tratamento aos indígenas americanos. Foi uma grande polêmica, ainda se vivia sob a sombra de John Wayne. Passado meio século, eis que uma atriz de origem indígena muito, muito boa, que não se apequenou diante de Leonardo Di Caprio e Robert DeNiro é no momento da entrevista a favorita. Lily Gladstone (Os assassinos da Lua das Flores) tem muito a nos ensinar sobre a tragédia que se abate sobre os yanomami. Ao lado dela há a ótima Emma Stone (Pobres Criaturas) que tem uma grande atuação física; depois Carey Mulligan, que é o centro de Maestro e Sandra Hulley pelo impecável “Anatomia de uma queda”. Anette Bening, uma ótima atriz tem uma atuação caricatural em Nyad. Inacreditável que Margot Robbie tenha perdido essa vaga por Barbie. Vão querer premiá-la por um filme menor ano que vem ou em 2026. 

6) Esse ano, o Oscar de Direção será consagração de um inglês que já ambientou Gothan em “O Cavaleiro das Trevas” (2012) ou podemos ter surpresas? 

O mundo gótico tem seu berço na Inglaterra. Não creio que Scorsese ganhe por aquele que pode ser um dos seus últimos trabalhos. Uma pena. Acho que Nolan fez por merecer ao ousar fazer e escrever um filme tão complexo. Agora, se em fevereiro o lobby corporativo tomar conta dos corações e mentes, a concorrência (justa) será com a francesa vencedora de Cannes, Justine Triet por Anatomia de uma queda. Acho que vai dar Nolan. Interessante que não se questionou nas redes a ausência da diretora de Barbie. Será que a expectativa se frustrou ao ver uma boneca querendo engravidar? O tema do aborto será um ponto na campanha eleitoral. Não deveria, mas será.  

7) Na categoria Melhor Filme Estrangeiro, o estado de natureza humana de “A Sociedade da Neve”, em tempos de VOX, concorre com as consequências da anomia em Durkheim do filme “Io Capitano”, em tempos de Fratelli d´Itália. O que sugerem essas indicações? 

Mal sinal. Os filmes são bons. A sociedade da neve tem sucesso pelo sadismo que o público apurou com o BBB e o cinema (ruim na maioria) atual de terror. O Papa gostou de “Io Capitano” que trata sobre o tema dos refugiados e fez boa trajetória no Festival de Veneza. A sociedade da neve tem uma trajetória divertida. Os críticos lembram que o episódio triste que ocorreu com atletas uruguaios foi retratado por americanos (Vivos) e que foi melhor uma versão com pessoas falando em espanhol. Ora, essas correias identitárias e suas contradições em termos. Dos EUA não pode, mas da “visão colonial” pode? O filme podia ser avaliado em outros contextos, como a sua provocação: A Academia dará o Oscar para a direita? Sim. Acho que vencerá Zona de Interesse. Lembremos que Israel está em guerra contra o Hamas.  

 

8) Há 40 anos, “Memórias do Cárcere” foi lançado no cinema brasileiro por Nelson Pereira dos Santos. Não seria esse um bom desafio para que tenhamos um filme competitivo para o Oscar 2025 - algo que não ocorre desde a animação “O Menino e o Mundo” (2016) que perdeu para “Divertida Mente”? 

O problema é que desde os anos 2010 o que vemos é a multiplicação de tratados sociológicos. O cinema brasileiro tem ótimos atores, extraordinários diretores de fotografia, melhorou o som, mas o que falta na comparação com os argentinos? Roteiro. Um roteiro para além do gueto, para além dos Festivais internos. A comédia de costumes ocupa a maior parte do nicho do consumo interno. Por quê? Porque fala para a classe média. E os subalternos gostam de se ver como tal? Joãozinho Trinta falou algo sobre isso. Paulo Gustavo dava uma reviravolta nos extremos. Como filmes de um homem vestido de mulher falando sobre o universo gay com dezenas de palavrões conseguia chegar aos conservadores? É necessário lembrar da nossa literatura com carinho. Há uma tradição em uma Rachel, num Jorge Amado, num Graciliano. É possível fazer rir, ser universal, ser crítico? Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa em plena ditadura fizeram A Grande Família. Nelson Pereira dos Santos adaptou o conservador Nelson Rodrigues e filmou a trajetória de Milionário e Zé Rico. Um pouco de “centrismo” não faz mal a ninguém.  

 

 

 


terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 22 - O SOL DO AMANHÃ


 Uma História de Amor com Política ou Política com Amor

Em memória de Vladimir Ilyich Ulianov (1970-1924)

Por Vagner Gomes de Souza

 

“Ter a impressão de estar sempre no

Ponto de partida

E fechar a porta para deixar o mundo

Fora do quarto

Considerar que você é a razão pela qual eu

Vivo”

 

Trecho traduzido de “Sono Solo Parole”

Noemi

 

Lenin disse certa vez que o comunismo seria a eletrificação de todo o país. Eis que essa inspiração está presente no filme O Melhor está Por Vir (a tradução literal do italiano seria “O Sol do Futuro”) do italiano Nanni Moretti que muito bem celebra seus 50 anos de carreira como Diretor, Ator e Produtor.

Aos 20 anos, Moretti estreava um filme em super 8. O filme se chama “La sconfita” e fala sobre um militante do paradigmático ano de 1968. Esse seria talvez a marca desse intelectual da sétima arte com sua forte ligação na política italiana e mundial. O peso de 68 fez do humor de Moretti um pouco afeito as leituras um pouco sectárias as conciliações.  Sugerimos que assistam “Caro Diário” (1993) que tem um pouco de autobiografia na sua luta contra o câncer e lhe conferiu a premiação de Melhor Direção no Festival de Cannes. Entretanto, desde o surgimento de Silvio Berlusconi ele intensifica sua atividade cinematográfica como busca de resistência. Todavia, essa seria outra história e voltemos a falar de “O melhor está por vir”.

Na abertura, o título nasce de uma pichação como se fosse o famoso cumprimento de “tarefa” dos militantes comunistas. Na sequência, apresenta-se o “filme” dentro do filme aonde há a cerimônia da chegada da luz num bairro italiano na apresentação de Ennio como dirigente local do Partido Comunista Italiano. Eis que se descobre que o comunismo, como força dos movimentos reais, se preocupava em resolver os problemas dos mais necessitados. O Diretor Giovanni seria esse mesmo dirigente numa construção de roteiro de espelho uma vez que ambos poderiam estar a caminho de um abismo diante das dificuldades que enfrentam. Ennio diante de uma apresentação circense de búlgaros no ano de 1956 (ano da intervenção soviética na Bulgária). Giovanni no desafio de fazer um filme que achava ser político, mas, a todo o momento, a vida o fazia se encontrar com as amarguras e só o Amor poderia lhe fazer continuar.

Um filme que do Amor se realiza a política em sua mais fina forma de buscar compreender como de Berlusconi se chegou a Giorgia Meloni. No filme, as considerações sobre a banalização das cenas de violência na arte cinematográfica nos permite pensar se o mesmo ocorreria em relação a adesão da juventude ao gênero do terror e aos filmes Marvel e DC. Onde está o tempo gasto para a reflexão? Sem esse exercício, tudo estaria a se perder naquilo que poderíamos chamar de subversão.


Apesar de Ennio e Giovanni serem os protagonistas, as mulheres emerge como aquelas que apresentam as soluções aos problemas que surgem desde o seja para 1956 quanto para a finalização do filme pela via asiática numa referência aos novos caminhos do mercado cinematográfico. Paola e Vera são personagens necessárias aos dirigentes uma vez que a vida se constrói sempre nas contradições. Não se pode temer a vivência da experiência, pois nem tudo está acabado. Um filme que se pensa a partir de seu final pode renascer com outro amanhã.

Fujamos dos atalhos daqueles que leem o filme na chave da nostalgia. Tudo é uma declaração de Amor amadurecido e com amadurecimento. E a cada grito de “Ação” nos aparece uma canção. Moretti nos faz outra vez lembrar a importância da música no cinema. A filha de Giovanni é música e estaria a compor a trilha de seu filme. Uma crítica a aqueles que o debate seria o uso da inteligência artificial nas produções. A vitória da música como numa cena de dança de todos envolvidos na produção do filme. O mesmo se observa na cena do coral de “Sono solo parole” como se fosse o momento de se dar início as movimentações da sociedade e também do coração: “Esperar que amanhã chegue depressa e que / Desapareça cada pensamento”.

Moretti não parece fazer um distanciamento de suas convicções de juventude, porém está muito aberto a ouvir os conselhos que o tempo lhe impõe. Assim, um filme que nos aquece com seu final que reúne elenco e alguns atores que se destacaram em outros filmes de Nanni Moretti. Seria o reencontro com uma trilha, pois “as batalhas que valem a pena são aquelas que à partida estão perdidas”, como ele gosta de pontuar.

 

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 21 - SERIA POSSÍVEL A PAZ MUNDIAL?

Oppenheimer fora da Geladeira

Por Pablo Spinelli

Para camarada Ana Cláudia, Presente!

 

Bastam os dez primeiros minutos de “Oppeheimer” para ser perceptível que não só está ali um filme tecnicamente perfeito – o casamento entre imagem e som, o que caracteriza o cinema – como humanamente brilhante – seja o denso roteiro com mais de 100 personagens com diálogos, seja o excepcional elenco – há muito não se via algo similar em Hollywood, ou ainda, a habilidade, a destreza, a segurança de Christopher Nolan, diretor de “O cavaleiro das trevas”, “A origem” e os esquecidos mas excelentes “Amnésia”, “Insônia” e “O grande truque”. 

O filme enfoca o físico Robert Oppenheimer desde a sua formação acadêmica até seus últimos anos como professor, sempre lembrado como “o pai da bomba atômica”, definição que alude à glória da ciência do século passado e à possibilidade da destruição da humanidade pelo uso de um poder bélico jamais visto a partir da fissão do átomo de urânio. O filme perpassa dos anos 1930 a 1950 não só a trajetória do personagem título como parte da história americana – do combate ao nazismo na Frente Política com a URSS ao momento sórdido da caça às bruxas do macarthismo. Dessa pequena biografia americana, Nolan, adaptador do livro que deu origem ao roteiro tem alguns pontos a destacar.


O primeiro, uma homenagem, uma elegia à ciência. Fica clara pelo enfoque à herança educacional herdeira do renascimento do biografado. Seu vasto conhecimento para além da física é de um curioso autodidata – cujo ego vai se permitir lembrar-se disso assim como o diretor, que nunca fez faculdade de cinema. Em um momento que vivemos uma pandemia que houve uma retórica histérica, ignorante e de má-fé, o filme faz justiça ao mundo científico. O segundo, que mesmo tendo esse olhar para a academia, não priva de críticas ao seu funcionamento – professores e pesquisadores vaidosos, teias de competição e de cumplicidade para o bem e para o mal, carreirismo, defesa de uma ciência neutra diante da política. O terceiro ponto é que o filme faz algo que é raridade nos dias de Marvel e DC. Exige uma participação reflexiva do espectador. O dilema moral do “Prometeu americano” é algo que exige do espectador reflexões acerca do pragmatismo do uso da bomba contra o nazismo e dos seus efeitos deletérios, pois quando a técnica não é mais da academia passa a ser do Estado e das forças militares. O quarto ponto, não menos importante, é a estrutura da história - multidimensional e sobreposta como a física quântica, o universo da ascensão de Oppenheimer e a destruição de sua moral a partir de sua relação - e não interação como frisada pela personagem vivida por Emily Blunt – com o comunismo. O quinto ponto, é possível criar uma frente contra o fascismo? Liberais, democratas, socialistas conseguiram se unir para além de compartimentações - termo defendido pelo surpreendente Matt Damon – e o que isso tem a nos dizer nos dias atuais? 

Foi criada uma patética dicotomia entre esse filme e Barbie. O mercado e a crítica não esperavam que esse encontro criasse fusão ao invés de fissão. Ambos são complementares na forma de fazer um filme assim como são convergentes por defenderem uma política democrata raiz – e não a sua forma degenerada que tomou vigor nos anos 1970 em diante que dessa montanha foi parido um Trump. Não é à toa a citação a John Kennedy ao fim decisivo do filme. Ambos os filmes saem de guetos identitários. Barbie faz uma frente política com os Kens contra a Mattel, tal qual os cientistas judeus, não-judeus, de centro, de esquerda, homens, mulheres – uma mulher traída manda seu marido parar de chorar a morte da amante porque tem uma bomba para terminar -, militares se uniram contra a besta fascista. A percepção de Oppenheimer que o mundo novo que viria prescindia de uma governança global em termos rooselveltianos e que haveria uma corrida armamentista que abalaria a democracia encontra ecos nos capítulos do historiador Eric Hobsbawm em “A Era dos Extremos”: o equilíbrio do Terror. Oppenheimer sabia que havia criado a chancela para o Terror e que o mesmo jamais vive em equilíbrio. Ele vive da combustão incendiária de irresponsáveis e de omissos na ação política. Em tempo: Cillian Murphy, em sua espetacular atuação (que em nada parece o cigano ex-comunista e ex-combatente da série Peaky Blinders) e Robert Downey Jr (que tem sua melhor performance desde o fantástico Chaplin que criou) ganharão o merecido Oscar, tal qual o diretor do maior elenco estelar do século.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - A POLARIZAÇÃO EMPURRA O PAÍS AO ABISMO?


 Calcificação Social: A Biografia do Abismo por Felipe Nunes e Thomas Traumann.

 

            Paulo Baía[1]


NUNES, Felipe; TRAUMANN, Thomas – Biografia do Abismo: Como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. Rio de Janeiro, HarperCollins Brasil, 2023.

 

O livro "A Biografia do Abismo" oferece uma análise profunda sobre a divisão política e o endurecimento das interações sociais no Brasil, intensificado desde as eleições de 2018. Os autores exploram as origens e implicações desse fenômeno, destacando como as escolhas diárias, do mercado ao destino das férias, agora são fortemente influenciadas pela política. Com base em estudos de comportamento e opinião, a obra alerta sobre os riscos que a democracia enfrenta quando o debate político é substituído pela propagação de mentiras, inflexibilidade e manipulação de valores.


Felipe Nunes e Thomas Traumann, autores de Biografia do Abismo, analisaram polarização no Brasil a partir de uma pesquisa com 99 mil entrevistas domiciliares. Divulgação.

Ao investigar o afastamento entre amigos e familiares que evitam conversas devido a discordâncias políticas, os autores questionam como a sociedade chegou a esse estágio e delineiam os desafios futuros para um país profundamente dividido. Sublinhando a "Calcificação Política e Social" como um fenômeno mundial que atingiu o Brasil, a obra debate a separação das pessoas com base em valores fundamentais.

 

As análises do livro são respaldadas por especialistas em comportamento humano, sociólogos, antropólogos, psicólogos sociais, intelectuais públicos e jornalistas experientes. A obra adverte contra a ilusão de considerar a "Polarização Política e Social" como temporária, promovendo a compreensão do "estado natural" enraizado na sociedade e na política brasileira. "A Biografia do Abismo" sobressai como um guia crucial para entender e superar os desafios econômicos, climáticos e sociais, oferecendo uma análise essencial diante da complexidade do cenário político contemporâneo.


[1] Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - HUMOR NO NOVO MUNDO RURAL

 Seria o PIB do Centro-Oeste em comparação com o do RJ? Apesar das evidências, ambos teriam crescido na faixa de 2,4 % segundo as projeções

Centro Oeste é uma peça

Vagner Gomes de Souza

 

“E nessa loucura de dizer que não te quero

Vou negando as aparências

Disfarçando as evidências

Mas pra que viver fingindo

Se eu não posso enganar meu coração?

Eu sei que te amo!”

Evidências - Chitãozinho & Xororó

 

As placas tectônicas da sociedade brasileira se movimentam gradualmente sem os grandes abalos sísmicos de nossos vizinhos da “Terra do Fim do Mundo” ou do não vizinho Equador. O censo demográfico de 2022, aos poucos, nos revela uma interiorização que foi inaugurada por JK e seu “nacional desenvolvimentismo”. Aliás, uma modernização conservadora que teve sequência em tempos ditatoriais. Assim, o exclusivo agrário brasileiro se abriu no Outro Oeste com uma “ilha de servidores públicos” que vem a ser Brasília.

Essas movimentações moleculares se observa no filme “Minha Irmã e eu” que trabalha a dicotomia “litoral” e “sertão” presente na obra Os Sertões de Euclides da Cunha. Esse é o estranho momento em que os espíritos do passado fazem um filme popular de humor andar em suas próprias pernas por temas delicados e sorrateiros. Direção, nas mãos da experiente Susana Garcia, os roteiristas e atores colocam diante dos olhos da sociedade brasileira um mundo rural mais conhecido pela música sertaneja. Um “novo e velho” mundo rural de onde surgiu o personagem Mazaropi. 

As irmãs Mirian (“sertão”) e Mirelly (“litoral”) seria a melhor metáfora para essa mutação na sociedade brasileira. Vivem seus conflitos desde criança ao ponto de não realizarem o sonho da mãe – em interpretação brilhante de Arlete Salles. Numa estória que se faz sob olhar feminino ao contrário dos atalhos que vertentes pós-modernas poderiam sugerir. A dialética sem síntese sem os atores da política nos faz reconhecer um outro estado de Goiás que já teve Pedro Ludovico (que talvez explique a predileção da elite local pelo curso de medicina) pai do ex-Governador cassado na ditadura militar Mauro Borges (nascido na mesma Rio Verde das personagens do filme).

Ambos, dirigentes políticos viveram no Rio de Janeiro em tempos diferentes da personagem Mirelly, protagonizada por Tatá Werneck. Esse Rio de Janeiro do filme é a expressão da ilusão de um antigo glamour diante de uma estrutura social falida (vide as referências aos assaltos). Nesse mundo, os ventos do americanismo do filme “Minha Mãe é uma Peça” se faz presente ao trabalhar inúmeras nomenclaturas do cotidiano social. A família repensada de uma forma humorada. Por outro lado, a irmã mais velha é Mirian (protagonizada por Ingrid Guimarães) que vive a ilusão da família perfeita. Viveu a continuidade em Rio Verde seguindo a vida óbvia da música “Cotidiano” de Chico Buarque no Centro Oeste aonde o café cede para o frango com alçafrão. Todavia, uma mudança residencial impacta no problema demográfico brasileiro. “Quem vai cuidar de mamãe?” Em que “mundo” de ilusões se assumirá os cuidados de uma idosa que fez 75 anos?

O nosso conservadorismo segue seu curso sem se deixar levar para os extremos. “Quando eu digo que deixei de te amar / É porque eu te amo (...)” é o começo da música “Evidências” (Chitãozinho & Xororó) muito bem usada no filme e que nos revela muito bem esse transformismo nesse “ziguezague” a procura de uma frente. Seria três personagens (Miriam, Mirelly e a mãe) a procura de um novo sentido que evidencie um Brasil mais brasileiro pela via de uma recomposição da política. Logo, não é apenas a busca de uma mãe, mas também a busca de uma interpretação para esse novo país que emerge. “Eu tenho medo de te dar meu coração / E confessar que eu estou em tuas mãos” segue esse outro trecho da música para ajudar a compor nossa percepção diante de uma região que nos deu uma Ministra do Planejamento.

O filme promoveu o reencontro do público brasileiro com o cinema nacional. Uma vez que o mundo real clama e há uma necessidade de fazer a agregação das pessoas de todos os segmentos por uma vida mais republicana e democrática. “Eu preciso aceitar que não dá mais - Pra separar as nossas vidas” seria uma possível provocação para aqueles que não acreditam nos valores da Frente Democrática assim como se vê na cena final do filme. Ouçamos a realidade nesse ano de desafios na recomposição democrática do centro político.

 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 032 - DESAFIOS PELA FRENTE!

 

Lula COP28 — Foto: Lula COP28 — Foto: AP Photo/Rafiq Maqbool


O que há de novo nos repertórios

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

É verdade que os repertórios constituem sim um conjunto de conhecimentos e de hábitos, selecionados pela experiência, que se tornam rotinas quando amplamente compartilhados, e assim forjam instrumentos de uso generalizado para as diferentes ações sociais. Claro está que eles não são menos apropriados para enfrentar o ano que se inicia. Muitos aspectos de 2024 estão bastante condicionados pelo ano passado. 2023 foi um ano bem complexo com seus azedumes, mas com suas doçuras, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Segundo dados da CEPAL, o crescimento da economia mundial foi lento e cansativo como a longa COVID. O PIB mundial caiu de 3,5% para 3%, o comércio internacional estagnou o que, como sempre acontece, incentivou o simples pensamento dos chefes soberanistas a ressuscitar o repertório autárquico anacrônico e com ele a existência de um mundo menos adequado à coexistência pacífica.

Durante o último ano, o Brasil sabiamente abriu novos repertórios com a reforma tributária, na COP 28 e se prepara para COP 29 bem como se abriu ao G20, e as nossas taxas de desenvolvimento permaneceram elevadas e acima do que se viu no mundo, a despeito do custo do financiamento externo ter aumentado e as economias emergentes receberam menos fluxo de capitais.

Nossos vizinhos na América em relação a nós e ao mundo tiveram números um pouco diferentes, infelizmente não no bom sentido, foram aquém. A região auferiu 2,1%, e com isso foram criados menos empregos, e os que vieram muitos deles informais, de má qualidade, e as projeções para os próximos anos não são alvissareiras, além disso, aumentou a disparidade de género em matéria laboral, manteve-se a dívida pública, o espaço fiscal foi reduzido, as taxas de juros subiram, o que naturalmente reduz as possibilidades de desenvolvimento. As únicas boas notícias para a região foram o Brasil, a queda da inflação e as suas expectativas.

É claro que devemos considerar a Argentina uma história à parte, pois como sabemos ela vive envolta num denso marasmo econômico e político. Quem sabe se a trupe no comando, encontra uma solução para a inflação que eventualmente pode ser encontrada sem causar uma catástrofe na tentativa. Isto significaria que, como diz Dante na Divina Comédia, é possível desafiar a razão e tentar ver como Gramsci o Paraíso (futuro) sem ter como prever e antecipar (senão em generosas linhas gerais). Mas os milagres são raros na economia e a vida na região não é fácil. Consideremos apenas uma informação: a produtividade do trabalho da região em 2023 foi inferior à de 1980.

Para completar este esboço, salientamos que o investimento diminuiu mais do que em outras regiões do mundo. A CEPAL mostrou que entre 2013 e 2023 tivemos uma nova década perdida, mas ainda mais grave para a tendência de longo prazo são os seus valores médios que continuam a diminuir. Entre 1951 e 1979 foi de 5,5%, entre 1980 e 2009 foi de 2,7%, entre 2010 e 2024 será de apenas 1,6%. Com esta situação econômica infeliz, a queda nos números do desenvolvimento social não é surpreendente.

Entre 2003 e 2013, durante alguns anos de prosperidade económica, os níveis de pobreza diminuíram, tal como o fosso total da desigualdade de rendimentos. Nos últimos anos eles cresceram novamente.

Para piorar a situação, embora não seja surpreendente, tudo isto foi acompanhado por uma degradação da vida política, um declínio no fortalecimento das instituições democráticas, se não da democracia "tout-court", a emergência do autoritarismo à esquerda e à direita e o aumento da desconfiança nos partidos políticos.

Não à toa ter aparecido ao mesmo tempo personagens bizarros e messiânicos, nem sempre em sã consciência, que prometem resolver problemas complexos com um toque de caneta, com a condição de que os cidadãos renunciem a ser sujeitos políticos.

É claro que a Nuestra América, apesar dos seus enormes recursos e sem poder culpar ninguém hoje, está a ser abandonada num mundo que faz poucos progressos exceto na sua modernização instrumental, que está em completa desordem com a modernidade marcada mais pelo aumento nas barbáries do que pelo andar civilizatório, crescentes cenários de tensões geopolíticas.

Quando o Brasil acertou o passo em 2022, sendo uma exceção, fez um 2023 nadando contra a corrente, atingiu níveis superiores face à economia planetária, desenvolvendo-se com sucesso. Nuestra América liderada por governos medíocres e avatares não procurados como a pandemia e outros procurados como o surto social identitário e não só e os outros sonhos psicóticos acabam por estagnar os países, abandonando um caminho gradual, sério e inclusivo.

2023 não foi exceção, pois começamos com o dia 8 de janeiro imobilizado pela discórdia, os seus números nos empurrariam a seguir um caminho semelhante aos dos nossos vizinhos. Mas mudamos o repertório e acertamos um pouco o passo. As projeções para este 2024 devem ser um pouco menores, enquanto a da Nuestra América mal chegará a 1,8%. Sentiremos então ao chegar no final do primeiro semestre a sensação de uma bênção.

É possível esperar uma situação melhor? Claro que sim, mas isso exige uma grande transformação na forma de fazer política tanto por parte do governo como da oposição, especialmente no espírito com que praticam a competição democrática legítima como esperamos para as nossas eleições de 2024, combinando-a com um sentido Republicano, alcançando bases mínimas de acordo. Só isto irá realçar as enormes possibilidades do país e encurralar todos os tipos de fanáticos, aqueles que consideram a política como uma arma de combate para impor a sua verdade absoluta. Mas como o que já foi dito não é fácil conseguir e é melhor fazer o esforço para se seguir o caminho benfazejo aberto, pois assim não colocamos nossos peitos aberto para sofrermos decepções, e seguiremos dando passos no nosso fio de esperança.

 

Terça-Feira, 9 de janeiro de 2024

 



[1]Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.


terça-feira, 9 de janeiro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 031 - DEMOCRACIA NO SER CARIOCA

(Foto: Hudson Pontes)

Tempo de União Carioca

Vagner Gomes de Souza

 

Em tempos de pandemia, a cidade do Rio de Janeiro tem passado por um desafio de reconstrução e união diante de uma profunda crise financeira. Os níveis de arrecadação colocaram a antiga capital federal cada vez mais na dependência dos recursos do Governo Federal, via BNDES ou outras transferências como o FUNDEB. Um bom gestor público carioca precisa estar então predisposto ao diálogo, o que não implica em alinhamento ideológico.

Essa “pós-verdade” do alinhamento ideológico alimenta as forças políticas anacrônicas dos extremismos prisioneiros de uma ética da convicção que esvazia a urgência da ética da responsabilidade. Não é momento de novas aventuras arcaicas com o discurso vazio de “cara nova na política”, pois essa trilha simplesmente agravou nossa situação econômica e social diante da pouca experiência de muitos.

Não se trata de um preconceito em relação a necessária renovação dos quadros políticos cariocas, mas tudo se deve fazer em seu tempo como se o a fortuna estivesse a ser conduzida pela virtú. Portanto, as inspirações de “frente de esquerda” ou “frente ampla popular” abalam o reencontro do eleitor carioca com a defesa da democracia. Mais do que uma defesa hegeliana, ou seja, no cunho do idealismo político. Defendemos a Democracia diante dos desafios que temos de melhor inserir a juventude e demais cariocas numa melhora na sua renda de vida.

Não é um simples desafio e não se resolverá pelos labirintos identitários que engessaram a capacidade do mundo intelectual carioca em melhor pensar a cidade do Rio de Janeiro. Os ensinamentos do saudoso Carlos Lessa (que nos deixou por conta da COVID-19) ainda estão válidos para se buscar os melhores caminhos democráticos para um programa de unidade. Sua vasta obra e seu acervo representam um patrimônio carioca que convidam todas e todos para fazer um grande debate programático numa pauta republicana e democrática.

Sugerimos que a partir da leitura de Carlos Lessa o carioca redescubra o orgulho de ser um eleitor aberto e acolhedor como se fosse uma “esponja social”. Esse é o momento em que a unidade deve estar na mesa das negociações para um desafio eleitoral. Todavia, citemos o exemplo do bairro de Campo Grande, se assemelha a um “laboratório político” para se observar as possíveis movimentações do eleitor diante do campo das promessas eleitorais.

O espaço político mencionado indica que o eleitor, movidos pelos interesses, pode se deixar seduzir por “narrativas” que em nada viabilizam no desenvolvimento econômico e social. Muito ganha significado o papel dos “mediadores” da sociedade como Associações, Igrejas, Sindicatos, Escolas de Samba, Clubes de Futebol e etc. Campo Grande é um mosaico político a ser democratizado pela apresentação do valor do discurso da unidade em tempos de hipermodernidade.

Está no bairro a “chave política” para se reorientar seus descaminhos para impedir tempos sombrios. Não há atalhos na política e estamos em tempos de vivenciar a pluralidade. Abracemos o que há de melhor em nossa história política e pensemos na melhor qualificação do legislativo municipal. Por outro lado, o desafio da educação não se pode estar em silêncio diante de uma realidade no qual poucos são os jovens que conheçam a cidade para além da “Praia da Macumba”. Índice elevado de jovens que nunca entraram num Museu, ou num Teatro, ou no Cinema, ou qualquer atrativo turístico. O melhor de ser carioca ainda está “apartado” de muitos jovens do bairro que encontram nas redes sociais um refúgio e se deixam alimentar nas “Fake News”.

Agora estamos nos primeiros passos para se pensar os próximos 25 anos so sentido de ser um carioca mais democrático. Pensar na formação de uma percepção de busca do equilíbrio na política, pois não vamos resolver nossos problemas nos confrontando por forças estranhas a história de nossa cultura política que sempre foi nacional e popular com raízes no centrismo que até atraiu o trabalhismo de Getúlio Vargas na antiga Guanabara. Eis o momento de primar mais pela unidade que pela identidade.